quinta-feira, 3 de setembro de 2015

DAVIDE LOBÃO - Entrevista

Caro Davide, está garantido que o Benjamin Clementine volta a Portugal por ocasião do Vodafone Mexefest lá mais para a recta final do ano. Seria, evidentemente, óptimo que estreasses o teu disco em nome próprio, "Na Volta", no Indie Music Fest logo à noite com o mesmo impacto que aquele "Later With Jools Holland" teve em abrir olhos e desafiar consciências. Esperemos que estas 10 canções sejam uma das últimas Coca-Colas de um deserto de rotas claras para a maioria das pessoas que querem dar a cara e o nome pelas suas canções. Mas os Miss Titan, quem vai gravar ao Silo, outras pessoas continuarão a precisar na mesma medida de um pouco dessa personalidade que cativou acima das canções.
Agora, deixa que as pessoas saibam um pouco mais, deixa as pessoas cantar essas certezas e essas questões e tomar o pulso às canções.
Esta é a carta que não te vamos escrever.






BC: Pergunta para queijinho: tinha que ser exactamente “aquela” a hora em
que recordas que O Bisonte “terminou”? Há alguma relação com o
clique que se dá para o avanço dos Miss Titan?

Davide Lobão (DL): Há este espaço, para a dúvida, que é necessário. Começando pelo fim: Miss 
Titan já se vinha a desenvolver ainda O Bisonte estava de boa saúde. A
primeira vez que estreámos aquilo foi numa das malogradas festas do Quase
Fim d’Ano. Não recordo um momento em que tenha terminado, O Bisonte. As
coisas vão acontecendo e nós vamos percebendo o que se passa. Cada um,
individualmente, faz a sua parte, no bom e no mau. Na dúvida, se a questão
aponta ao final da banda e à sua relação com a "Hemingway", a resposta só
pode ser que a "Hemingway" data, talvez, de 2010.


BC: Pergunta para a faca na mão: onde é que se quebra o fio condutor entre
o Davide Lobão de banda, O Diligente e o Davide Lobão em nome
próprio? É na relação com o poder “relativo”?

DL: Não sei bem. Continua a ser mais cool ter um nome fixe, de banda, ou ter a

Pitchfork a dizer que a tua música é fixe e por isso o teu nome é mesmo fixe, ou
então os teus amigos fixes com mais uma ideia vintage fixe. A minha primeira
questão foi a responsabilidade, o dar a cara. Sempre o fiz, com as minhas
bandas, mas dava a cara por um grupo. Não mudou muito. Dou na mesma a
cara por um grupo que me ajuda a dizer aquilo que quero dizer. No fundo não
há uma quebra, antes sim uma continuação.


BC: Depois de concluíres no final do disco que já és “maior”, qual é a tua
maior certeza aos 33 anos? Que voltas há a dar à forma como se
relacionam inspirações e as respectivas composições que delas resultam
para quem já escreve e trata ao vivo há tanto tempo?

DL: Essa é a pergunta que eu ando a tentar responder. Na verdade não sei. As

certezas diluem-se e escapam-se-nos pelos dedos e a inspiração é apenas a
vontade que temos de dizer algo realmente honesto. A cena é quando eu
tentar contar uma coisa que nem sequer me faz assim tanta diferença, que
podia nem ter dito. Aí é que vai ser complicado relacionar-me com o Mundo.





BC: Não deixei de reparar num comentário feito na tua página de Facebook:

“A solo? Todos os músicos te abandonaram? Deves ser mesmo
insuportável : (“. Aparte a ironia, é de notar que efectivamente alguns
dos músicos com que tocavas antes acompanhar-te-ão agora. Deixaram
de ser “apenas” colegas de banda para ser uma segunda família?

DL: É. Não é à toa que o Nuno, que fez esse comentário, já teve uma banda

chamada Cabrões Irónicos (desculpa Nuno) com a qual eu ensaiei uma vez,
num escritório, do Gilman, na Maia. É muito importante tocarmos com os
nossos amigos, termos vontade de rir com eles e nos juntarmos para isso. Já
eram família antes de serem colegas de banda, portanto é mais uma vez um
sentido de continuação.


BC: Em Junho desabafavas: “Odeio pessoas felizes”. Afinal, o que há para
odiar na felicidade?

DL: Tudo. É um conceito abstrato, um desequilíbrio estranho. O ódio e a

depressão é que fazem o mundo girar. A auto-ajuda tem os dias contados.


BC: 10 canções, 10 títulos, 10 palavras. Independentemente da sua
complexidade e mensagem, é uma consequência da sua maturação que
as músicas tenham títulos minimais?

DL: Já me fizeram essa pergunta antes e nunca tinha pensado nisso. Algumas das

canções tinham títulos mais longos e caminharam até ali. Deve ter a ver com
esta fase. Poucas palavras mas mais acertadas.


BC: Qual é a canção que mais te orgulhas que seja tua ou também tua?

Porquê?

DL: Neste disco há um orgulho enorme. Do bom e do mau. Vou dizer só uma

delas, a "Vá", que começa com esperança e vontade de ser melhor e acaba com
um virar de costas. A ter que falar das canções de que me orgulho, nas quais
participei, teria de falar de praticamente todas que fiz, com e sem banda. Já
são umas quantas.





BC: Qual é o sabor de estrear um disco num dos maiores festivais do ano?

DL: De responsabilidade? De gratidão? Só quero tocar alto, muito alto

(e tens razão, é uma das coisas boas que por cá se faz, este Indie Music Fest!).


BC: Recordo um entre vários comentários à música d’ O Bisonte em que se
classificava a banda como “uma banda tipicamente portuguesa”. Para ti,
quando é que uma canção se pode tornar, também ela, “tipicamente
portuguesa”? Vamos cair sempre na questão linguística mesmo que haja
canções e bandas com termos como “Lisboa” e “Portugal” à mistura?

DL: Nunca tinha ouvido essa. É uma coisa boa. Uma canção não se torna

tipicamente portuguesa. Isso há-de ter a ver com a questão da identidade.
Quanto mais nos identificamos com uma coisa e quanto mais próximos nos
sentimos dela, mais diz acerca de nós. O que isso me leva a pensar é que de
facto as palavras chegaram ao interior das pessoas, elas reviram-se naquilo que
se estava a contar. Ser tipicamente português é o quê? Não é nada. Lisboa e
Portugal são termos que aparecem para contextualizar e para tentar contar
que lá na minha terra é desta maneira.


BC: Para terminar: qual é o melhor concerto que viste este ano e qual o pior
disco que escutaste (só para tentarmos ver se é possível fugir à tua
paixão pelo disco do Benjamin Clementine)?

DL: É uma paixão recente. Ofereceram-me o disco e quando dei por mim tinha

rodado umas dezenas de vezes. Este ano foi o Gregory Porter, na Casa da
Música. Pior disco não sei dizer porque hoje em dia já não se odeia bandas,
ignora-se. Se tivesse um disco que odiasse era sinal que era bastante bom.
Tudo isto é triste.

André Gomes de Abreu




0 comentários:

Enviar um comentário

Twitter Facebook More

 
Powered by Blogger | Printable Coupons