sábado, 24 de setembro de 2016

MARTA REN & THE GROOVELVETS - Entrevista

Dizer que temos ao nosso alcance um starsystem à nossa medida é algo cruel e elíptico. Estamos finalmente a tentar navegar naquelas piscinas super-modernas que ondulam a comando próprio e ainda por cima carregamos os valores daquilo que julgamos, e na verdade é mesmo, boa música para este ou aquele público. Mas depois temos super-talentos tão perto das nossas vidas que não sabemos bem como lidar com isso à saída da mercearia mais próxima da mesma forma que desconhecemos a próxima maré que pensamos que estamos a controlar.
Só que com Marta Ren é diferente. Nós já sabemos o que vem dali há muito, muito tempo. Mas agora a atenção cresce, o foco muda para a soul que carrega com uma banda incrível ora reinterpretando clássicos perdidos como "I'm Not Your Regular Woman" ou "Well I Done Got Over It" e surpreendendo-nos em temas como "2 Kinds Of Men" quando se torna inatingível e paira por muito mais terrenos do que o da classic soul music. Com a personalidade que a manteve relevante ao longo de todos estes anos ela não é apenas a nossa Sharon Jones, a nossa Amy Winehouse.
Diz ela que é teimosa e que mais da sua personalidade fica numa entrevista com os pais. Se calhar, temos de tratar disso. Havemos de lá chegar.
Mas ela já "lá" chegou. Com a pele de galinha por conta da casa e o reconhecimento por conta dos turistas internacionais que se vêem no olho do furacão despertado pela Record Kicks especialmente desde Fevereiro, data de lançamento de "Stop, Look, Listen", só deu para estas perguntas.






BandCom (BC): Se há algum tempo atrás imaginasses como seria a melhor fase da tua carreira, dirias que estás mais perto de lá chegar?

Marta Ren (MR): Sempre que começo uma banda ou um projecto, e finalmente esta aventura a solo, entrego-me totalmente e acho sempre que esse trabalho vai dar origem à melhor fase da minha carreira. Sinto que estou no caminho certo para o que sempre quis mas também tenho aquela sensação que "o melhor ainda está para vir", embora me sinta bastante realizada com tudo que está a acontecer com o " Stop, Look, Listen" desde Fevereiro.


BC: Dirias que Marta Ren & The Groovelvets é uma consequência do teu percurso musical até aqui ou antes gostarias de ter começado por aqui?

MR: É uma consequência sem dúvida, não teria feito este disco com esta maturidade sem ter a escola dos Sloppy Joe ou a paixão pelos Bombazines, tudo foi relevante, contou e foi importantíssimo para chegar até à aventura a solo.


BC: As tuas raízes familiares e geográficas, bem como aquelas dos que te acompanham ou acompanharam, desempenham um papel objectivo na persistência de uma carreira artística como a que tens e queres ter?

MR: O meu pai foi músico amador, o meu avô adorava cantar (e cantava bem), a minha mãe sempre adorou música, sempre houve música em casa dos pais e dos avós. Geograficamente, sou da Sra. da Hora mas estudei desde cedo no Porto. Todos sabemos que temos um lado raçudo e persistente, pode ter sido este conjunto de coisas que me tenha levado a ser tão resiliente ou mesmo e só a minha personalidade. Quem me conhece e está de fora saberá respondê-lo melhor, tens de entrevistar os meus pais (risos).


BC: Quando aprecias o reconhecimento que estás a ter em países que não Portugal, achas que o mesmo depende do estilo que entretanto adoptaste para a tua carreira a solo? Estás a receber na mesma medida daquilo que queres dar enquanto "performer"?

MR: Para ser honesta, estou a receber mais do que expectei. Ter a Wax Poetics, a Blues & Soul Magazine, o Dan Aykroyd aka Elwood Blues a fazerem críticas maravilhosas e a reconhecerem o meu trabalho de igual para igual com algumas das minhas referências foi mais do que eu esperava. Não te vou mentir e dizer que nunca sonhei com isto, mas tento sempre conter as minhas expectativas para não me desiludir.





BC: Dentro do universo 'soul', e também uma vez que partes de referências clássicas deste tipo de sonoridade, o que é que vês como mais importante para criar a tua própria notoriedade, algo que sobretudo numa carreira internacional torna-se tão difícil quando importante? É mais difícil agora o tal 'stop, look, listen' que antecede um novo passo a dar em relação a outras alturas onde as coisas poderiam acontecer de forma ainda mais espontânea e crua?

MR: Estamos na era da Internet, nada é tão difícil como há 20 anos atrás independentemente do estilo de música que faças. O segredo para ultrapassar a dificuldade é trabalhar, trabalhar todos os dias para se chegar onde se quer, até se chegar lá e voltar a fazer o mesmo do início as vezes que forem precisas.


BC: A produção e a qualidade dos instrumentais em disco têm sido decisivos para elevar a voz da Marta Ren a outros patamares de relevância. Qual é o "feedback" mais importante que podem ter, ou que já tiveram, em relação aos vossos espectáculos?

MR: Todo o conteúdo deste disco é importantíssimo, desde os microfones que fizeram a captação dos instrumentos aos compressores, tudo material analógico e vintage. As músicas, as letras, os arranjos das músicas, a edição, a mistura, a masterização do disco...foi tudo feito de forma muito perfeccionista e cuidada, embora a sonoridade final se reflicta num som mais sujo e envolvente que pode parecer um contra-senso. 
O melhor feedback que tivemos até agora foi 5 franceses que fizeram 300km para nos verem e poderem ter os discos assinados no final e sabiam as letras de cor do inicio ao fim.


BC: Valendo o que valem os "videoclips" para a carreira musical de alguém, é notória uma nova direcção na história e na elaboração dos vídeos que têm servido de suporte aos “singles”. Concordas?  

MR: Eu acho que os videoclipes sempre foram importantíssimos. Há músicas de que nem gostas muito mas os vídeos são tão fixes que acabas por vê-los mais que uma vez. Acho muito importante um vídeo aliado a um single.


BC: Nesta altura estás a ter oportunidades que esperaste 20 anos para ter. Por um lado, grandes palcos/festivais/eventos, a projecção mediática, e por outro a projecção de uma carreira com ambições totalmente internacionais. Agora que estás a tentar atingir novos objectivos, os obstáculos que havia antes para que, quem sabe, já os tivesses atingido mantêm-se?

MR: Sim, os obstáculos são praticamente os mesmos. Estes 20 anos trouxeram-me outra paciência e sapiência para os ultrapassar. A luta não é muito diferente das anteriores. Levares uma banda de 9 elementos para a estrada nunca foi fácil nem dentro nem fora de portas, o que vale é que sou teimosa (risos).


BC: Décadas volvidas, e apesar de a “soul “ basear-se e crescer a partir da independência de género, o que é o “poder soul” visto pela óptica de uma mulher que tanto pode pegar numa história sua ou noutra que lhe sirva de inspiração para chegar ao estado de espírito que pretende passar?  

MR: A soul é a alma, fala da vida, da vida vivida, do que sentes das tuas entranhas e do que sofres e aprendes com isso e a classic soul music reproduz isso tudo, traz o que muita gente passa e sente mas não o consegue expressar.





BC: Já subiste ao palco das Noites Ritual embora não em nome próprio como agora. Tens recordações destes 24 anos de concertos no Porto no final do Verão? 

MR: Tenho as melhores recordações, fui a muitas edições - em 2000 com os Sloppy Joe mas antes e depois como espectadora-, são noites de reencontros, de histórias de final de Verão, de se poder descobrir boas bandas que andam com menos atenção por parte dos media. Noites Ritual = a Noites de Celebração.


BC: Qual é o “talento clandestino” que mais aprecias num outro músico ou intérprete?
MR: Que cante ou toque ou componha com verdade, com o que está a sentir no momento e não à procura de algum tipo de fórmula que deu resultado no passado ou que acha que pode repetir. 


André Gomes de Abreu




quinta-feira, 22 de setembro de 2016

DE E POR: PALANKALAMA - "Palankalama" (2016, Ed. Autor)

Pedro João, José Ricardo Nogueira, Anibal Beirão e Rui Guerreiro. Os quatro formam a partir do Porto os Palankalama e assumem de fronte a sua dedicação a uma arte quase impalpável, excepto através de prática criteriosa, que é a de chegar a um cenário mais ou menos ficcionado dentro de cenários mais ou menos quotidianos através dos seus instrumentais sem grandes fronteiras. A atenção merecida acumula-se após o lançamento do disco homónimo da banda no início da Primavera deste ano e, felizmente, tem servido para também colocar à prova da surpresa outras artes, outros públicos, outros palcos, outras ondas hertzianas para além do globo que gira dentro de outras músicas do Mundo que tratam como uma herança crescente a cada novo dia. É óbvio: por um lado falsamente domesticados, por outro conscientemente vivaços.
Nas Noites Ritual deste ano eles estarão à vossa espera logo nas primeiras horas de música nos Jardins do Palácio de Cristal mas podem ir já com o filme todo feito pelo próprio grupo. Um bom conselho? É bom que o refaçam ao vivo.





Esmeralda

'Esmeralda' é o primeiro tema dos Palankalama, foi onde a banda começou. O tema procura retratar uma personagem feminina trabalhadora da noite que vive imersa numa realidade ficcional e de faz-de-conta.



Grafite 

A 'Grafite' é uma canção desprovida de letra. O tom e a dinâmica deste tema foram marcados por uma relação com o desenho e com a grafite enquanto material plástico. Chegamos a uma festa a preto e branco, cheia de energia mas com pouca cor.



A Sina da Vaca

A sina de grande parte das vacas é acabar num grelhador, e é em parte o que tentamos fazer com este tema. 'Pôr tudo no grelhador'. Trabalhar um 'balanço' que, sem grandes esquemas, seja uma evocação de um espírito festivo e de baile.


Baile Psicológico 

O 'Baile Psicológico' é um baile interior, vivido a dois mas de olhos fechados. 



Marcha Fúnebre

A 'Marcha Fúnebre' faz uma alusão humorística ou ligeira a uma cerimónia fúnebre. Tentamos situar-nos algures em Nova Orleães e seguir o cerimonial índio e negro.



O Gaio e a Lima

'O Gaio e a Lima' é uma dedicatória. Um elogio optimista da vida a dois.



Burro

O 'Burro' é uma viagem em círculos. Atribulada e incerta. Uma travessia solitária de um deserto de areia e cascalho, feita com toda a temperança e calma a que o calor obriga.



Um Fato Cinzento Para Dançar

'Um Fato Cinzento Para Dançar' é uma valsa com intuitos simples e sobre prazeres simples; como tirar um fato velho e cinzento do armário e usá-lo para dançar com alguém de quem gostamos muito. É um gesto de entrega e sinceridade.


Um Pires Branco Com Um Pão Quente A Fumegar

'Um Pires Branco Com Um Pão Quente A Fumegar' é uma tentativa de fixar uma sensação de conforto, tranquilidade e ternura. Como se a visão de um pão a fumegar pela manhã fosse o suficiente para nos encher o dia.






O Génio da Morte

'O Génio da Morte' nasceu de uma participação no espectáculo 'Casa Vaga' do Teatro Experimental do Porto. É claramente um exercício de estilo 'western', uma cavalgada em direcção ao sol poente depois do último tiro disparado.




domingo, 28 de agosto de 2016

WHALES - Entrevista

Após o final súbito dos Backwater And The Screaming Fantasy, Débora Umbelino assumiu-se a solo enquanto Surma e começou a criar um novo percurso para si. Não demorou muito para que os restantes membros partissem noutra direcção enquanto Whales e logo com a perspectiva de "Big Pulse Waves" e "Half Moon Bay" em maturação, com a primeira já garantida como "single" nos primeiros meses deste ano.
Com a garantia da edição do seu disco de estreia em 2017 pela Omnichord Records, a banda aproveita a cola de um selo de qualidade para diversificar a paisagem sonora desse mesmo colectivo e a vitória no Festival Termómetro foi o trampolim decisivo para um crescimento acelerado em que o Indie Music Fest é a próxima etapa passadas outras como a presença em festivais como o NOS Alive e na colectânea Novos Talentos FNAC 2016. Encostamos, por isso, todas as perguntas a meio deste salto para o desconhecido.
 


BandCom (BC): Assim que os Backwater And The Screaming Fantasy terminaram, sabiam exactamente o que queriam fazer?

Whales: Não sabíamos bem o que queríamos fazer mas sabíamos perfeitamente que não queríamos deixar de criar algo que fosse nosso e diferente.


BC: Ainda estão a trabalhar no disco de estreia? Quais as vossas maiores preocupações?


Whales: Estamos. Este disco foi sempre um dos nossos grandes objetivos e já temos vindo a trabalhar nele ao longo dos últimos meses. A nossa maior preocupação é atingir os prazos por nós previstos e fazer com que o resultado final seja o melhor possível, tanto para nós como para todos os que o ouvirem.


BC: Acham que o facto de estarem a riscar rapidamente pontos de uma imaginária “lista de objectivos de uma banda bem-sucedida em Portugal” é o reconhecimento justo e exacto pelo vosso trabalho enquanto músicos desde que começaram ou esperavam que tudo se processasse com um maior espaçamento e fosse mais fácil de segmentar?

Whales: De facto as coisas têm-nos corrido bem, temos tido sorte e, mais importante, o apoio daqueles que gostam de nós. Claro que quando começámos o projeto nunca nos passou pela cabeça que as coisas acontecessem tão rapidamente, no entanto está a ser fantástico acontecer assim.


BC: O HAUS e a sua equipa têm estado associados a vários lançamentos de bandas nacionais nos últimos tempos e a muitos lançamentos de bandas com carreiras muito jovens. Quais eram as vossas expectativas antes de entrar em estúdio para gravar a versão single do “Big Pulse Waves” e de que forma elas se materializaram na evolução do disco e de vocês também enquanto banda?

Whales: Antes de entrarmos em estúdio, sinceramente, não tínhamos dúvidas de sairmos de lá satisfeitos em relação à música. No entanto, tínhamos a noção de que íamos chegar, gravar e ir embora. Ficámos surpreendidos com a forma como eles lidaram com uma banda que não conhecem de lado nenhum, a quem não devem nada. Gostámos principalmente da sinceridade deles e da forma como se entregaram à nossa música. Após a nossa passagem pelo HAUS, começámos a dar mais atenção a pequenos pormenores que se calhar antes passavam despercebidos.





BC: Depois de vermos o videoclip da “Big Pulse Waves”, há algum cuidado especial com a imagem global da banda que queiram consolidar e enfatizar?

Whales: Ainda é muito cedo para falarmos numa imagem concreta da banda. Foi um primeiro passo que achámos que correu muito bem. O Rui Gaspar fez um excelente trabalho e transmite a energia que queríamos colocar na música.


BC: Uma vez que se posicionam, para já, como uma banda indie-rock com apego a alguma electrónica, haverá material e material a montar, carregar, agrupar para cada concerto ou cada ensaio. Enquanto músicos, o desafio maior está nesta altura na exploração da electrónica ou da parte eléctrica e mais conotável com o rock? 

Whales: Um dos nossos objetivos foi sempre explorar esta vertente mais eletrónica do rock alternativo de modo a individualizar-nos do resto das bandas, portanto para já essa é a nossa maior preocupação.


BC: Já não é possível particularizar apenas Leiria, como tão tentador poderia ser, enquanto um pólo de criação de novos eventos. Cada vez mais descobrem-se novos festivais, novos eventos, novas formas de chamar a atenção para a música feita em Portugal. É isso que têm sentido? Que locais e que concertos mais vos têm surpreendido?


Whales: Temos sentido, principalmente, que tem sido atribuída mais importância na música em Portugal nos últimos anos com a criação de novos festivais e novos eventos que apoiam bastante a cultura portuguesa em geral. "Puxando a brasa à nossa sardinha", um dos sítios que nos tem mais surpreendido em termos de dinamização da cultura é Leiria. Esta nossa cidade tem um conjunto de pessoas que de forma voluntária elevam a cultura a outro patamar. O Norte do país também nos é bastante especial, é aquele local onde vamos e nos sentimos sempre acarinhados e recebidos de forma quente. Não podemos deixar de falar do NOS Alive que foi um concerto único, em que fomos tratados de forma espetacular e recebidos pelo público de forma surpreendente.


BC: Pode facilmente tornar-se asfixiante a vida de estrada num país pequeno mas com cada vez uma maior distribuição de salas activas (não que haja uma variação substancialmente positiva na sua quantidade) e em que se chega a um festival de “montra” e é difícil sugerir bandas portuguesas que tocam todo o ano em todo o lado face a artistas ou outras bandas que vêm do estrangeiro, em estreia ou de regresso. A estagnação é algo que já vos preocupa ou não há outra saída senão o estrangeiro?


Whales: Acreditamos que tendo um público fiel e que nos siga de Norte a Sul do país, por muito pequeno que seja, nunca será asfixiante mas sim reconfortante. Mas qual é a banda que impõe um limite ao número de pessoas a quem se quer dar a conhecer?! O nosso objetivo é e será sempre levar a nossa música ao máximo de pessoas possível. Tocar no estrangeiro será sempre um desejo nosso.


BC: Em que fase é que estamos no que diz respeito à nova música portuguesa? Temos passos em falso que estamos a remediar ou que devemos remediar a curto prazo? O mercado internacional está mais aberto para “nós”?


Whales: Na nossa opinião existem algumas coisas que deviam mudar na mentalidade dos portugueses ligados aos grandes festivais de música em Portugal nomeadamente quando se trata de escolher as bandas que tocam nos palcos principais e secundários. Porquê pôr uma banda estrangeira pouco conhecida num palco principal quando se pode por uma banda portuguesa com mais nome?! Ou, por vezes, quando até tocam no palco principal, porque não colocá-las no horário da noite?! Quanto ao mercado lá fora, não temos a certeza de que as bandas portuguesas sejam tão bem recebidas como são as bandas estrangeiras cá em Portugal.


BC: Se os Whales são uma promessa a confirmar em breve, como é que se chamam as outras promessas portuguesas que gostariam de ver confirmadas tão rápido quanto possível?

Whales: Qualquer banda de Leiria pode ser uma promessa a confirmar!!


BC: Entre os Foals, Roberto Carlos e aquele labrador do “teaser” da versão “demo” da “Big Pulse Waves”, a quem gostariam de deixar uma mensagem e que mensagem seria essa?


Whales: Dos três, gostaríamos de deixar uma mensagem ao nosso amigo Juca, o labrador do teaser, que infelizmente nos deixou há um ano atrás. Gostaríamos de lhe agradecer a companhia que nos fez em dias e noites inteiras de trabalho na nossa sala de ensaios.


André Gomes de Abreu




terça-feira, 23 de agosto de 2016

DE E POR: THE WALKS - "Fool's Gold" (2015, Lux Records)

Não há como enganar: os The Walks, banda a que pertencem Gonçalo Carvalheiro (baixo), Nelson Matias (guitarra), Miguel Martins (guitarra), John Silva (voz) e Tiago Vaz (bateria) safam-se que nem banda de Coimbra, sólida, marcada, vivida em cada detalhe traduzido lirica ou instrumentalmente. Não consta que também se demorem muito entre criar e recriar se o foco ou o momento não forem os certos - não é fácil apresentar uma banda de rock n' roll por estes dias e fazer juras de castidade eterna quando o garage-rock, o punk e a densidão do blues espreitam e o apoio do "tio" Victor Torpedo é inquestionável. Ser, por isso, um dos talentos da extensa lista de "Novos Talentos FNAC" depende, assim, não apenas da execução de ideias fugazes mas sobretudo de uma capacidade de imaginação inesgotável e permanentemente insatisfeita na procura de novas conjugações.
Há apenas pouco mais de 3 anos a engolir palcos por todo o país e também pelo estrangeiro, os autores de "R" e "Fool's Gold" chegam ao Indie Music Fest no primeiro dia do próximo mês e esse é um bom pretexto para irmos tentar saber mais sobre o disco de estreia dos The Walks que todos acabarão por ouvir algum dia sempre com o pensamento naquilo que poderá (ou poderia, se chegarem atrasados) ser os seguintes.
P.S: Olhem que os The Amazing Flying Pony estão de volta. Cautela!








Clockwork

A estrutura geral da música surgiu num retiro criativo que fizemos numa casa de campo, em meados de 2014. De entre os esboços que trouxemos, escolhemos aquele que na nossa perspectiva se encaixava na linha dos temas do EP. Com uma base rítmica forte e um 'groove' demarcado, o tema ficou completo com os arranjos da secção de sopros e com toque característico da guitarra de Victor Torpedo (Parkinsons, Tédio Boys, Tiguana Bibles). Por todas estas razões, foi o tema escolhido para primeiro 'single' de apresentação do álbum.






Lost In The Crowd

Um dos primeiros temas que compusemos ainda numa fase embrionária da banda. Tem um refrão forte e uma mensagem social importante que nos fala do isolamento, da procrastinação e como esse estado de comodismo nos faz sentir perdidos na multidão. A versão de estúdio alterou um pouco a estrutura original sem que a força e intenção do tema fossem beliscados. É, na nossa opinião, um dos temas mais bem conseguidos do álbum.



Holding On

Tudo começou com este tema. Um esboço acústico, composto pelo John (vocalista), diferente daquilo que é hoje mas, sem dúvida, o ponto de partida para a sonoridade da banda. Por todo o valor simbólico e porque continua a ser um tema com o qual nos identificamos, não poderia deixar de ser incluído no álbum.


Loaded Gun

A 'Loaded Gun' foi um dos últimos temas que criámos, a poucos dias de entrarmos em estúdio. O John chegou ao ensaio com uma letra forte e directa e com a intenção de que o tema correspondesse a essa mensagem. Não foi difícil chegarmos à estrutura de uma tema, que viu parte do seu trabalho de produção ser construído em estúdio mas que não descura a intenção original. É um dos temas que mais resultam em concerto.


Move Along

O tema mais directo, 'sem espinhas' e com uma forte influência 'punk' e 'garage-rock'. Cronologicamente, foi o segundo tema a ser criado e surgiu no meio de um ensaio, enquanto trabalhávamos a 'Holding On'. É um tema cru, eficaz e orelhudo, um pouco à imagem do que caracteriza a sonoridade 'punk'. A mensagem é forte e entoada em jeito de palavra de ordem. Consideramos que é em palco que este tema tem a sua expressão máxima.



Redefine

Gravado em finais de 2013 para o nosso EP de apresentação, 'R', lançado em meados de 2014, 'Redefine' foi o primeiro 'single' escolhido para a sua divulgação. Partindo quase do nada, com este tema obtivemos um destaque bastante importante e inesperado com rodagem frequente em várias rádios nacionais, entre elas a Antena 3 e a Super FM, e com presença nos lugares cimeiros dos respectivos 'tops'. Curiosamente, antes de ser gravado, andou 'perdido' durante algum tempo no lote dos temas por acabar. Sabíamos que poderia ser um bom tema mas faltava algo e ficava sempre de lado. Felizmente, o nosso amigo Victor Torpedo aceitou assistir a um dos nossos ensaios e, depois de o ouvir, incentivou-nos a pegar nele novamente e, de um momento para o outro, parece que tudo começou a encaixar e o resultado superou as nossas expectativas.





Pleasure and Pain

Apesar de melódico, é o tema mais sombrio do álbum e com uma sonoridade 'garage' mais carregada. A sua estruturação aconteceu gradualmente tal como a composição da letra. Esse facto levou a que cada uma das partes (letra e música) se influenciasse mutuamente. O peso da mensagem, que fala da estreita relação entre o prazer e o sofrimento, conduziu a este ambiente sonoro mais 'carregado'. O refrão é intenso e orelhudo a fim de quebrar, momentaneamente, a densidade que caracteriza este tema.



Midas Touch

Nunca foi nossa intenção criar um tema instrumental para o álbum ou mesmo para tocar ao vivo. Numa fase inicial de um ensaio, todos fomos atrás de um 'riff'. Foi um daqueles momentos em que tudo parecia sair bem e à primeira. Optámos por um nome que traduzisse isso mesmo; 'Midas Touch' assentava que nem uma luva. Criámos o tema semanas antes de irmos para estúdio e foi unânime a decisão de o incluir no álbum.



Hell Of a Dream

Um dos temas mais fortes do álbum. Tem energia, personalidade, uma mensagem intensa e uma vontade de pôr toda a gente a mexer. Um tema 'rock' genuíno, sem rodeios e dos que mais gostamos de tocar em concerto.



Riding The Vice

'Riding The Vice' conta novamente com a colaboração de Victor Torpedo na guitarra, tal como uma forte presença da secção de sopros. É um tema intenso, 'Rock FM', que fala sobre o caminho tortuoso associado a qualquer vício. 



Out Of Luck

Neste tema, a maior parte do trabalho de produção foi realizado em estúdio. Composto pelo John, em formato acústico, apenas algumas semanas antes de se iniciarem as gravações. Apesar de ter mantido a sonoridade acústica original, foi sujeito a um trabalho extenso, em termos de arranjos e de elementos, a fim de poder marcar a diferença sem que perdesse o sentido no álbum. Com influências notórias do 'britpop' dos anos 90, o resultado foi, na nossa perspectiva, muito gratificante.



Inside Out

O disco termina com um tema que, de certa maneira, traça o futuro. À altura da gravação deste álbum, 'Inside Out' espelha o estado de alma que existe entre os membros da banda e o sentido que poderá servir de ponto de partida para novas composições. Um tema longo, mas coerente, com uma fluidez genuína, intensa e inevitável. Até ao momento, o nosso tema mais complexo mas também um dos mais divertidos de tocar, seja em concerto ou em ensaio.







segunda-feira, 1 de agosto de 2016

DE E POR: RUI TAIPA - "Meia Dúzia de Histórias" (2014, Ed. Autor)

"Faz uma música para mim". Histórias como esta sabemos quase todos escrever só que estamos num tempo em que já ninguém vai atirar talento à televisão nacional desprevenido de registo próprio. E com Rui Taipa, estudante de Música no Instituto Politécnico de Bragança, não se perdem apenas os pormenores pelo meio. Perdem-se outras histórias difíceis de calar e isso dá muito jeito para “Meia Dúzia de Histórias” que são pedaços de uma só, de 2010 até 2014, dos 16 aos 20 anos de idade. Os amores e desamores têm uma importância vital, não se sabe a 100% o que se quer da vida nem do dia seguinte.
No total, são 6 canções que não terão nunca que amadurecer especialmente a tempo do Croka's Rock 2016. Basta que Rui Taipa justifique que as suas canções são canções de todos e de cada um daqueles que se deslocarem a Oliveira do Arda no primeiro dia do festival que, mais uma vez, não pede licença para entrada. Os ingredientes musicais, esses, são vários e são os mais amigos de quem ainda procura o seu habitat ao sol para que a ideia de "O Amor Em 21 Minutos", título original do EP, não seja um contra-relógio sem pernas ou sem criatividade.


























Maria Manuela
A canção. A história verídica com o uso de um pseudónimo que se justifica apenas com a necessidade de uma rima com 'janela' aquando da escrita da canção. O início de uma história de amor incrível, de um percurso artístico cauteloso, o lado 'pop' que ficou para trás com o passar dos anos. Inicia-se com um solo de harmónica que, como meu primeiro instrumento musical, teria todo o direito e legitimidade de iniciar o tema que daria início a uma longa viagem por esses palcos fora. 'Maria Manuela' é a canção que tocou as pessoas e que volta e meia o público pede com nostalgia.



Why?

Criada no mesmo dia que a faixa seguinte ('Melro') e, salvo erro, na mesma hora. Transmite uma mensagem de revolta e simboliza, também, uma fase de escrita em inglês que evoluiu (não menosprezando) para a escrita na nossa língua-mãe. A malha mais 'ska' com o uso do 'kazoo' transfere um ar jocoso ao tema que o torna leve ao ouvido e propício ao sorriso assim que o ouvinte se apercebe da letra no refrão “what the hell was on your mind to leave such a guy like me? I’m the best you’ll ever get. Oh, can’t you see!' (o que te passou pela cabeça para deixares um gajo como eu? Sou o melhor que alguma vez vai ter! Oh, não consegues ver?).


Melro

Assim como a faixa anterior, é um tema revoltado, triste que fala de perda e da desilusão. O nome justifica-se facilmente com o facto de, o meu pai, na minha infância chamar-me 'melrinho' sempre que eu optava pelo caminha da rebeldia. Assim associei o melro ao “errado”, o 'lado negro da força' por assim dizer.
Conta a história de um rapaz que certo dia encontrou 'um melro' com uma 'asa partida', ajudou a consertá-la, cuidou dele e tem de assistir à fuga do melro assim que recuperado.

A dor que sente e o arrependimento por se ter dedicado e afeiçoado tanto ao melro é expressa no refrão! A força que este tema ganhou entre o público deveu-se ao facto de retratar algo comum a todas as pessoas. Toda a gente já se sentiu traída, enganada por alguém que gosta e sofreu com isso. Esse é um ingrediente fortíssimo na composição de uma canção: fazer o ouvinte identificar-se com a mensagem que está a ser transmitida.


Fuga 

Numa vertente mais 'funk' surge a 'Fuga' (inicialmente, 'Vou Bazar', como é proferido no refrão. O nome foi alterado por razões óbvias). Serve como continuação da situação que a 'Why?' e a 'Melro' criaram mas, de certo modo, é contado num tom não tão de primeira pessoa mas mais como um relato da vida de alguém e, mais à frente, num tom conselheiro de como proceder face aos problemas do dia a dia, face às alturas em que o sujeito deveria dizer 'vou bazar!' e não o fez. A última estrofe surge 'feita à pressão' no dia de gravações quando reparámos que a estrutura da música era deficiente e não faria sentido o final ter apenas uma estrofe. Pararam-se as gravações e um café na pastelaria abaixo do estúdio fez o milagre de criar a estrofe 'Passas a vida a tanto querer; a procurar todo um poder. Tudo isso que não te deixa viver nem vencer!'.
Concluiu-se no 'take' seguinte.



Menina No Banco Azul

É neste tema que se dá a reviravolta na história. O tema mais bonito, mais simples e mais curto. O 'banco' é azul porque o azul é a cor do recomeço e, face à história que está a ser contada, se de repente há uma menina que se encontra triste à espera que tudo volte ao normal, à espera 'do Sol' e se, de facto, 'depois da tempestade vem a bonança' faria todo o sentido colocá-la num banco de jardim, a chorar à espera que a felicidade voltasse. E ela voltou!


Voar 

O EP acaba como começou! Alegria, amor, mel (mel a mais, talvez! [perdoem-me, tinha 16 anos e estava apaixonado!] [[perdoem-me não! Congratulem-me!]]) mas difere (como vem a ser hábito ao longo do EP) no género, denotando-se um travo maior de 'rock' do que de 'pop'. Os cabelos e os olhos castanhos descritos no tema são os da 'Maria Manuela' e que (no tema anterior a este) se percebe que afinal, se tudo voltou ao normal, trata-se, também, da “cachopa” que estava triste sentada num banco de jardim à espera que o “sol” aparecesse. Embora seja claro que a história acaba como começou, o final não deixa de ser um final em aberto.




DE E POR: THE CITYZENS - "Medicine For Open Minds" (2015, Ed. Autor)

A edição do Festival Croka's Rock 2016 continua a ser um palco priveligiado para despertar atenções para novos nomes e concentrá-las naqueles que precisam apenas da constelação certa. A apontar para todos os lados, os The Cityzens ainda carregarão várias das canções de "Medicine For Open Minds", o seu disco de estreia editado no ano passado e entretanto já reeditado este ano, quando tocarem no dia 6 deste mês nas margens do Rio Arda e mostrarem o seu multifacetado rock n' roll.
Directamente de Vila Nova de Famalicão e de todos os palcos que já percorreu, o relato do colectivo - que passou de um duo após o final de actividade dos sUBMARINe para um trio na actualidade - sobre todas estas canções.





Salvation

Este é o tema que abre o disco e também o primeiro 'single' do mesmo.
O tema aborda a procura sistemática que existe em nós na esperança de encontrarmos a salvação, acreditando que este mundo pode ser melhor.


Jungle

É o desabafo de um personagem que sofre de agorafobia, com o seu medo constante de ser engolido, pela selva urbana. É o segundo 'single' do álbum.






Billy Was A Black Punk Rocker

Esta canção é a homenagem a um individuo que conheci aqui há uns anos, que dizia ser o “único negro português” que gostava de 'punk-rock'. Em suma, um figurão.





Dream On

Uma canção que retrata a dor que surge quando se está na eminência de perder alguém que se ama.


Queen Without a King

O retrato dos que querem estar na berlinda a qualquer preço.


Chameleon

Autobiográfico, fala das mudanças de atitude perante a vida.


GoGoGo

Esta fala sobre a diferença entre aquilo que vemos e o que nos querem impingir. 


My Riddle

Este é um quase exercício de 'exorcismo'. A música que coloca várias interrogações relacionadas com a existência do dito 'ser criador disto tudo'.


Slowmotion

O retrato do individuo disposto a tudo para conquistar um amor impossível.


Let's Fall In Love

É um tema que simplesmente passa a mensagem de que apesar das diferenças não conseguimos viver uns sem os outros, homens/mulheres.


Red Blues for Two

Os nossos demónios andam sempre por perto. A narração de um pesadelo.


Black City Rockers

Este instrumental, 'surf-rock', fecha o disco e é uma espécie de banda sonora da vertigem acelerada que se materializa nos nossos dias.




sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

OS MELHORES DE 2015 PARA O BANDCOM

Nunca fugimos disto: o problema é a escolha.
Continuamos à procura de mais música nova, de conservar o que vai ficando para trás.
Damos asas para que o público se pronuncie primeiro e só depois reservamos os boletins de voto para nós.

Em 2015, talvez a produção tenha aumentado em volume mas o sumo não é indigesto.
De uma shortlist de cerca de 100 lançamentos (entre talvez mais de um milhar no total acumulado do ano), há 35 honras e "viva"s para dar.
25 discos, 10 EPs. Sem fronteiras, sem razão absoluta.

Onde estão os donos de 2016?




TOP 25 LP's NACIONAIS DE 2015:
25. Inércia, por DIE VON BRAU, Ed. Autor



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Lado a lado com o amadurecimento do Dedication For Project, Sérgio Faria cria como DIE VON BRAU "Inércia", um tratado extenso que versa sobre muito mais do que apenas uma cidade.
Faz-nos andar às voltas, perdidos pelo desavergonhamento da electrónica nacional, claramente um dos ícones do Portugal musical dos últimos anos, enquanto a fronteira fica no comentário: enquanto se disser que não se pode, estar-se-à do lado errado do jogo. Uma perfeita visão reaccionária que paira com saudades do futuro em que o techno segue o flow do momento como patrono imediato.
24. Boca de Cena, por Moniztico, Ed. Autor




Quando o hip-hop se aventura, pode ser apenas unhas de fome; quando não se aventura, o perigo é ainda maior. Material confessional, então, é para apreciar com distância.
O surgimento de Moniztico com um bonito cartão de visita deste género escava aquela essência tão amplamente discutida: ser genuíno. Se isso é para o simples fã um sinónimo de prazer momentâneo, deve ser encarado a longo prazo como antecâmara para um artista de excepção - neste caso, como alguém que pode fazer girar o hip-hop de partida de outra forma porque quer ter também outras referências.
Só que a complexidade com que tudo do dia-a-dia de um jovem setubalense encaixa em "Boca de Cena" revela-se bem mais fascinante do que prometermos que Moniztico vai escalar as vossas playlists num ápice. 



23. Mensagens da Nave-Mãe, por PZ, Meifumado Fonogramas



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PZ significa em 2015 uma personalidade de sucesso, Paulo José Pimenta que consegue mais do que regressar aos seus melhores amigos de estúdio com corrente eléctrica (ou não) e pedir-lhes que corram novamente em fundo em modo aleatório entre o hip-hop, o techno minimal, o house ou a pop. Significa construir um manifesto desconcertante sobre o ridículo pantanoso querendo ser o melhor intérprete, compositor e anti-estrela possível para todos. E uma máscara de descomprometimento tão sagaz de alguém que é tão sério mas sensível quanto às variações que pode dar à evolução dos tempos e dos assuntos só pode caber numa selecção do melhor que se faz. Chovam notas, chovam Cartões do Cidadão.

22. Crossing Roads, por SHAPE, Hell Xis Records



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Directamente da melhor colheita do punk post-hardcore nacional, os SHAPE surgem em 2015 com o estreante "Crossing Roads" e se a hora seria sempre boa (quanto mais não seja para que o legado de Álvaro de Campos seja bem reaproveitado), a forma não é descurada. Uma construção instrumental e melódica fortíssima não abandonada pelos pormenores mas sim acompanhada de imagens e vocalizações certeiras para colocar um conteúdo lírico bem trabalhado como mais do que um extra no centro do saco de boxe a longa distância. Um disco que um sucessor tratará de esticar e desapegar ainda mais da pretensa superficialidade.  

21. Escabroso, por TORTO, Lovers & Lollypops



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À segunda tentativa, sabemos o que esperar dos TORTO quanto à sua estética e sonoridade, o que esperar em concreto em relação à sua consistência e coerência. Mas somos sempre surpreendidos por uma manifestação de qualidade impossível de ignorar da dupla de Jorges que mais quer trazer à baila o poder de uma secção rítmica e melódica mínima no espaço e dominante a enjugar as oscilações dos tempos com a classe e a desenvoltura do indie-rock norte-americano dos anos 90. Não é possível ficar pelo elogio da estrutura após uma experiência auditiva tão rica quanto a de apreciar estes minutos.

20. O Conto, por L-ALI, Crate Records



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"O Conto" de L-ALI é uma das histórias de encantar do hip-hop nacional pós-HHtuga dos últimos tempos. Um produtor jovem que rodeia-se cirurgicamente de amigos ou colaboradores (não é por acaso que representa a estreia nas edições da editora do altamente influente Razat) não menos jovens ou tão mais experientes oferece 11 faixas altamente divergentes do modelo do momento, seja ao nível do flow, do beat ou mesmo do ataque a cada sílaba e da sua relação com o teor da mensagem e o ambiente denso criado para um declamador que enreda e carrega tudo sem aparentemente grande esforço. Terror em directo a partir de Alfama e cruzamentos incestuosos de linhagens musicais remodeladas.   

19. Heat, por Glockenwise, Lovers & Lollypops



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Perderam o "The", o caleidoscópio gira mais negro e a maturidade traz-lhes a relação mais feliz que já tiveram com a sua ambição e com o seu apurado sentido pop. "Heat" dos Glockenwise aprofunda a matéria dada e emerge como o melhor disco da carreira da banda, um dos melhores do género dos últimos anos sem o risco de estagnação nem de corrupção e um passo decisivo para o estabelecimento de uma carreira em que as verdadeiras viragens continuarão a acontecer com o perfume da multiplicidade sensorial do factor "grupo". Se o que ficar lá para trás for esquecido e abençoado, que se importe a racionalidade de saber gozar a juventude em todos os instantes para que não exista o sempiterno receio de ser adulto.

18. 10000 Russos, por 10000 Russos, Fuzz Club Records



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É sob o selo da Fuzz Club Records que os 10000 Russos reiteram os desafios à lei do EP de estreia, com mais e melhores companhias de palco mas com os amores e tributos insurrectos e escondidos de sempre - ou melhor, a vaguear livremente pelo alcance de um descampado mental específico com o embalo da quasi-atonalidade de uma incursão seca e indivisível de bateria, baixo e guitarra pelas sensações da marginalização psicadélica avant-garde.
Mas aqui, o acto de riscar mandamentos um por um é assumido como essência e como um produto inacabado. Este não é, certamente, o capítulo final e os 10000 Russos não se preocuparão minimamente se ficarmos perdidos, de gosto ou desgosto.


17. Nagual, por Albatre, Shhpuma



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O anterior "A Descent Into The Maelström" já era gigante mas os Albatre conseguem trepar esse muro com o seu mais recente "Nagual". O trio de Hugo Costa, Gonçalo Almeida e Philipp Ernsting não deixa de partir dos preâmbulos do jazz mas também não se deixa apanhar pela introversão simples do género: antes, a urgência de se libertar não cede a pressões e torna-se frenética e ameaçadora quando se cola ao doom e ao rock telúrico mais pesado e também mais minimal.   
A mais séria erosão de limites de 2015...ou quando o jazzcore encharma

16. Sou Imortal Até Que Deus Me Diga Regressa, por Tiago Lacrau, FlorCaveira/Amor Fúria



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O disco que o artista agora conhecido como Tiago Cavaco assina 10 anos depois de "Tiago Guillul Quer Ser O Leproso Que Agradece" explica-se, em parte, por si próprio: um intérprete e compositor que acumulou a sabedoria necessária para um ciclo em que é momento de gravar um disco rock n' roll que seja seu, que seja o seu espelho ou o reflexo da sua opinião e que saiba guiá-lo por mais (do que) uma auto-estrada. Um desafio para todos os que seguem a sua carreira e de quem o ajuda neste registo, um momento de combate à fobia de múmias bem conservadas para qualquer altura em que se tornem de novo imponentes e bebam da sua própria modernidade.
É reconfortantemente bom, de sentir, de ouvir, de fazer sentido aqui e em qualquer lugar. E Tiago Cavaco não é nome que se dê a qualquer incompreensão que se queira admirar: é só o nome de um rocker português.





15. V, por ATILA, Bisnaga Records



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Cenários decadentes, matéria em conflito, vibrações gélidas, desolação industrial construída, em partes quase semelhantes, pela acidez do black metal e da electrónica pálida do drone.
Colagem de sucessivas mutações de um tom inicial em que a discrição conta o romaneio mais profundo e o desgaste é sedutor em busca do enleio favorito para a salvação.
Assim é o ATILA que aprisiona em "V" um equilíbrio difícil de dominar entre o fuso e a roca e que não o irá libertar da mesma forma. Para apreciar em qualquer passeio.



14. Paradoxo, por Mic Selva x Last Hope, Ed. Autor



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Mic Selva a escrever, Last Hope a produzir. Dois nomes, uma colaboração que não é virgem e o pedido de ajuda a nomes como KappaJotta ou Valas que não só criam novas pistas (enquanto Nébula, por exemplo) mas também estão num patamar de auto-estabelecimento superior e já assinalável no panorama nacional.
Desta mistura resulta uma série de promessas cumpridas - a principal, o contraponto necessário à fúria da emergência de discos como os de L-Ali ou VULTO enquanto busca de uma aproximação das intenções do hip-hop clássico e depurado pelas décadas e pelos seus actores a elementos da pop ou do chill electrónico mais abrangente. Batam depressa a estas portas.
 

  
13. Hightower, por Equations, Lovers & Lollypops



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"Frozen Caravels" e "Hightower": duas fricções gémeas de uma banda que caminha já com a segurança de dominar o que o rock pode albergar e de criar a alternativa a si própria. As teclas mandam mais na beleza dos novos  Equations que levam a destreza das guitarras e o sr. Rickenbacker para uma demanda limitada em tempo mas não em possibilidades, um novo olhar para um futuro inexacto com as ferramentas que representavam progresso no passado, uma espiral precisa do seu gosto para despertar diferentes reacções.
Agora, "Hightower" é um disco de mão cheia; amanhã, poderá ser "Frozen Caravels". Nada mais podemos pedir.


12. Coclea, por Coclea, Shhpuma



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O trabalho que Guilherme Gonçalves lançou como Coclea revela um guitarrista que opta por posicionar as cordas ao serviço do etéreo e da krautmusik estrelar que recebe uma visita aconchegante mas tão distante do blues e de esparsos assomos vocais. Para além do produtor e companheiro de banda de excelência, o reafirmar do arquitecto de um som encharcado de melodias e latitudes, com pouco adorno à sua honestidade de movimentos que só conseguimos conjecturar, sem apontar a um clímax nem fugir à lipemania.  
Como se fossem jogos de sombras a contemplar a sua própria identidade.



11. Trabalho & Conhaque OU A Vida Não Presta e Ninguém Merece a Tua Confiança, por Nerve, Mano A Mano



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A próxima etapa após o porta-estandarte "Eu Não das Palavras Troco a Ordem" só chegou em 2015. Honra seja feita: sete anos atordoados pela procrastinação. Mas dificilmente poderia haver melhor vantagem, a de ser o grande "Big Brother" que analisa e assimila os esforços globais para o enraizamento do hip-hop com uma veia para o mainstream e outra para a sua própria sobrevivência. Na altura certa, Nerve demonstrou que a sua personalidade está acima do rótulo da sua própria independência; é a mesma que prevalece sobre o sample massificado e se renova pelas fracturas que cria com o passado, o presente e o futuro do género, até mesmo na difusão da sua geografia.
Está na hora de o príncipe ser perfeito. Pobres dos reis que não queiram companhia, o trono de Nerve não precisa de ser majestático para ser do seu sangue.


10. Quarto Crescente, por Márcia, Warner Music Portugal


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Não há dores de crescimento que afastem Márcia de uma escrita límpida e escorreita de belas canções pop. "Quarto Crescente" mantém a cantora e compositora perto dos temas que partilha com quem quer seguir a sua música mas todo esse poder de criar beleza evidencia-se ainda mais com a diversificação e claridade da produção instrumental, permitindo-lhe tornar-se ainda mais expansiva e concretar a soberba dos pormenores e das criptas em soluções efectivas. Mais do que um passo em frente, um passo certo e seguro de quem o tinha que dar: a própria Márcia e a sua entourage de palco. 



09. Arqueologia, por Balla, EdiMusic



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Pode ser quase um pecado para um artista parecer que o público demora a gravar o seu nome e que a crítica repisa, faz por votar um passado bem sucedido ao esquecimento. Se pensarmos no nome de Armando Teixeira, aqui enquanto parte dos Balla, é estarmos ao favor ou saborear inconscientemente um crime. Et voilá: "Arqueologia". O charme maquinal e o encadeamento irresistível das composições de quem destapa sentimentos sem pudor alia-se, de novo, à forte matriz pop electrónica que contamina o rock mais pulsátil. Todas as ruas de Portugal e da sua mente são recantos luminosos de todo o Mundo, tudo o que existe pode ser substrato para o mesmo conceito. Uma ode ao romantismo das memórias para dar importância à surpresa do futuro num disco soberbo e que interage connosco.



08. The Beast Shouted Love, por Beautify Junkyards, NOS Discos



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"The Beast Shouted Love", longa-duração de estreia dos Beautify Junkyards, passou de um dos discos mais aguardados dos últimos tempos a um dos poucos que sobrevivem às expectativas mais elevadas. Soa a uma continuação séria, feliz das coordenadas do primeiro disco da banda exclusivamente dedicado a rever originais alheios: aonde a alt-folk bucólica anglo-saxónica radica, crescem pequenos focos de psicadelismo e electrónicas como souvenirs conscienciais de todo o Mundo, brota um conjunto de canções que destroem e erguem, parte a parte, uma noção de pertença global pescando a intimidade mais pura. A ligação à Natureza gentilmente revista ao toque de uma caixa de música do século XXI. 


07. Cara D'Anjo, por Luís Severo, Gentle Records



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O talento fora de série de Luís Severo como compositor e intérprete não vem de ontem e as comparações com Éme, com quem convive e partilha amigos e colaboradores, também não. "Cara D'Anjo" revela mais o amigo daquele casamento, de reverência para com a desconstrução de lemas musicais aparentemente datados de um ponto de vista, felizmente, naïve, honesto mas de fato inteiro.
Se há a mesma história para ser contada de maneira diferente, será essa e outras mil as que Luís Severo adoptará para se tornar uma estrela de palco e de estúdio que poderia ser da nossa própria família. Um trovador boémio debaixo dos holofotes, um engraxador de patine enquanto os procura. 





06. Mar Aberto, por Medeiros/Lucas, Lovers & Lollypops



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Com O Experimentar Na M' Incomoda em pausa, Pedro Lucas e Zeca Medeiros decidem trabalhar em dupla para produzir "Mar Aberto", um trabalho que procura a melhor companhia musical para poetas mais ou menos conhecidos, nacionais ou estrangeiros, de cujo legado se esventra um complexo lírico intrincado e tenso como a reacção do mar e dos marujos. Pedro Lucas é quem toma em mãos a tarefa de fazer chegar o disco vivo ao seu término e, conseguindo-o de forma magistral ao afastar-se da linha de O Experimentar, inspira mais vida em quem também chega ao fim. Um álbum carregado de camadas de sons de todo o Mundo que não se atropelam na hora de preencher minutos adamastorescos com a eficácia e imaginação tão familiares aos melhores Radiohead.

05. Atlas, por Branko, Enchufada



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Do descanso dos Buraka Som Sistema, Branko não se satisfaz com o que todo o Mundo lhe dá para conhecer ou percorrer de novo. É a actualização e o tratamento com respeito das cores da música da comunidade global para furar com licença pelas pistas de dança que "Atlas" representa num testemunho da amizade como arte em constante evolução e não como um travão para a sua própria emergência no papel de caule de múltiplas raízes. Só as melhores intenções impedem repetições, só a ambição e a leniência moldam o sincretismo das batidas, do trabalho das vozes e da tolerância dos fragmentos melódicos. Acção-reacção. 


04. Silence & Remorse, por Purple, WeDidIt Collective




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Salvé tamanha pérola. A estreia comovente em disco de Purple faz-se da liderança da sua voz baladeira, descontrolada por vibrações emocionais efémeras e íntimas, sob o isolamento e o transtorno que os instrumentais electrónicos feéricos e obscuros alimentam e abandonam qual presente envenenado pela textura e pelo palpitar dos ritmos. Um labirinto de desejos e dissonâncias cognitivas por explorar, vergar com luxúria obsessiva mas sem a rispidez de outros exemplos.
Tragam os vossos remorsos.  





03. Highway Moon, por Best Youth, Ed. Autor



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A ansiedade chegou finalmente ao fim. Os Best Youth colocaram cá fora "Highway Moon", e se as pistas deixadas por "Still Your Girl" e "Red Diamond" (que abre o álbum) eram férteis em dúvidas, o disco de estreia da dupla projecta-se para muito mais do que satisfatório. E aqui é que entram as certezas, a marca d'água a denunciar que quem tem uma voz quente e fantasiosa e usa tamanho poder de delusão e sofisticação para deixar respirar os mais naturais preceitos musicais e arrancar o que pretende para cada canção só nos pode encher de orgulho em qualquer sala onde a sua música ecoe. 


02. Alfarroba, por Pega Monstro, Upset The Rhythm



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O crescimento rápido das irmãs Pega Monstro não surpreende: antes, criou-se uma bonita aura de encantamento geral com o jeito que Reis & Reis têm agora para fugir mais facilmente a comparações e superar-se num terreno ágil para evocar a história riot grrl. As letras continuam a responder com realismo aos problemas de expressão que os amplificadores não têm, as suas vozes soam mais do que nunca aos responsos que recusamos e tentamos contrariar. São pequenas mudanças que só as tornam mais queridas de todos à medida que estes clássicos engrossam o catálogo.
Só se perde o dó que temos por não haver 365 canções das Pega Monstro lá porque possamos não entender de imediato que uma só canção preenche uma temporada inteira.



01. Híbrido, por Allen Halloween, Ed. Autor



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Não há qualquer vergonha nem qualquer engano: o novo tomo de Allen Halloween é, para todos aqueles minimamente identificados com o meio envolvente, um dos álbuns favoritos do ano. A actualidade e a relação do guineense com a mesma acelerou o enredo de uma salvação anunciada potenciada pelas provas poéticas exemplares tatuadas com o seu próprio sangue, pela experiência anterior com os facilitismos e as facilidades do hip-hop, pela filosofia que nos passa sem lhe tocarmos, pelo desprezo em loop de sempre contra tudo e todos os que desestabilizam e deixam de merecer ser familiares, ser humanos. Veio um guineense ensinar-nos a ser um monstro melhor e a exorcizar a aculturação que o possa merecer? Obrigado e, esperemos que não, até sempre.







TOP 10 EP's NACIONAIS DE 2015:

10. No Honor Among Thieves, por Raccoon, Ed. Autor

No jogo de consola de Raccoon, os heróis descobrem-se rapidamente. Mas cuidado, o objectivo final não é ceder à saturação. É por isso que, dentro do fácil pinpoint de arrastar o dubstep, o witch-house ou o slowcore electrónico, percebe-se que "No Honor Among Thieves" esconde profissionalmente outras vidas vestigiais e vozes despidas em muito pouco tempo. A mesma distorção de luminosidade e de regras aquece o suspiro pela sucessão de "Burial" e "Ilunga" -  a posterior e isolada "Status 1.24" não retorna, para já, a chamada...




09. Noite E Dia, por DJ Nigga Fox, Príncipe Discos



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Um ano mais de Príncipe Discos nas nuvens faz-se do cruzamento de cabos pela frescura dos artistas que lá editam. O novo EP de Nigga Fox preside a um objectivo felino pela via mais difícil: democratizar a dança fingindo que não se é coerente. Mesmo assim, é menos aziago do que tentarmos explicar a palavra single à enciclopédica África musical que desvendamos: porque estes 4 temas estão aptos a sê-lo pela sua exuberância e não por sua deliberada vontade, pelas ondas de percussão metalizada, melodias açucaradas e vozes texturadas. 




08. EP5, por Galgo, Ed. Autor



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Mesmo que as comparações com os PAUS e os Quelle Dead Gazelle sejam inevitáveis (a influência da produção nos Blacksheep Studios faz-se sentir de forma massiva), a Contentor Records finalmente conseguiu furar como merecia e os Galgo oferecem trabalho e vontade para isso. Mas já se disse que os Galgo não desistem, não têm porque o fazer e o facto de a exploração das guitarras ser separada da exploração da bateria dá um outro gás a estas quatro canções com o excelente final de "Torre de Babel". Fica para outro trabalho confirmar-se a confiança no rock tropicalizado e como é que os Galgo se querem apanhar no velódromo da sua carreira.




07. Adversarial Light, por Vaee Solis, Signal Rex/Degradagem



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Também em Portugal o metal deixou de se isolar do seu poder criativo e reinventou-se. A voz de Sofia quebra o gelo brincando com ele, fazendo ferida rouca, chutando o inconveniente da cratera sludge e dronítica. Porém, os Vaee Solis resultam em doom negro e progressivo até à espinha sem nos afugentar a mania punk de os acompanhar. A pressão era relativamente inexistente para a banda mas, ao torná-la aridamente baixa na música, puxa-a agora para o rito dos ídolos.




06. When Lost At The Ocean, A Fellow Comes Out Of Anxiety, por Sease, Ed. Autor



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O espanto que nos toma pelo facto de os Sease, com o jovem AUROR de que já tínhamos ouvido falar, fazerem miséria dos The XX no seu próprio terreno não se dilui ao longo das 5 faixas deste EP de estreia. As guitarras e as electrónicas mais ou menos disfarçadas e deixadas a fluir no vazio pelo trabalho de produção posterior dão sempre a mão a vozes jovens sempre de sorriso e soluções entreabertos pelo impacto da nostalgia. Esperem para ver o que valem estes filhos do minimalismo.




05. I/II, por Papaya, Revolve



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Mesmo que a escassez seja quase ofensiva, os Papaya não são ilustres decetivos.
Os requintes math-rock, hardcore, noise e punk sobre o fundo indie-rock esticam minutos de fúria e caos como há muito não se escuta - certamente, desde que "Um/I" já erguia esse colosso de criatividade e desde que os Vicious Five nos deixaram orfãos.
Um eixo de superlatividade do DIY que se entretém a si próprio antes que haja um plano para abrir as portas a todos os ouvintes. E todos os ouvintes serão groupies.  
  




04. Love & Forgiveness, por Vaarwell, Azáfama



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Basta um EP de estreia para que os Vaarwell tratem a indie-pop por "tu" e lhe inspirem o firmamento de outras identidades. Quaisquer semelhanças com ensinamentos dos Best Youth que os Vaarwell querem seguir por uma via mais harmónica, multicéfala e quase abstracta para que possa ser genuína em todos os cenários são líquidas coincidências.
A fragilidade dos retoques finais pede-se e recomenda-se.
Oh (já fora do alinhamento), e aquela versão de "Hotline Bling", que (novo) sonho.



03. Odyssey Of The Mind Part II, por Bison & Squareffekt, Ed. Autor



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Bison e Squareffekt estão a contas com o esoterismo e o Universo para a segunda parte de "Odyssey Of The Mind" e fazem bem em não sair de lá.  A imagem rampante de marca da dupla de produtores que mais sabe sobre como raptar a essência da música de dança africana e casá-la com o seu contraponto mais parecido incorpora aqui, bem a propósito, uma dissonância futurística controlada por "Blade Runner" e pelo synthético melodrama amor/ódio com que se empurram os arpeggios. Já não nos mexemos sem estes dois.




02. Serendipity, por Isaura, NOS Discos


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Fechar o ano passado com a apresentação de "Useless" significava que o EP de estreia que Isaura preparava para este ano teria de jogar bem com a necessidade de se estabelecer e não apenas de surpreender. E, de facto, isso é conseguido. As canções de "Serendipity" fazem jus ao título cativando o poder da voz e das letras extremamente profundas sobre uma produção electrónica sóbria e invulgarmente amarga, decidida e rugosa para os hábitos do género em Portugal.
Não é fácil para ninguém sair-se tão bem e ser-se tão bom.





01. The Free Food Tape, por Slow J, Ed. Autor



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Posicionamento da voz perfeito, atacar letras em directo de um arranha-céus e a liberdade descomunual de apresentar qualquer instrumental blindando-o das regras e da solidão imerecidas. O EP de estreia de Slow J é personalidade e viralidade rápidas e gordas descentrando o risco de querer buffet livre, resvalando para a harmonia que ficou lá atrás da estagnação. Os que venerava já não o largam, a sua singularidade é lustro para o rasto dos que se seguem (como pretochinês ou Baked Donuts, por exemplo).
Com quem se pode dar a anunciar com tamanha pompa, menos é definitivamente mais. 




Textos por André Gomes de Abreu




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