sábado, 27 de junho de 2015

JOANA REAIS - Entrevista

Joana Reais Pinto está à beira de completar 30 anos de vida e a sua biografia faz inveja a tão pouco tempo de vida. Um percurso que começou pelo jazz e que já a levou a trabalhos com vários artistas, coreógrafos, músicos, bailarinos e compositores quando enveredou de uma forma cada vez mais intensiva pela combinação da voz e do movimento com o teatro e a dança.
Desdobra-se em workshops e conferências que ministra e numa miríade de projectos musicais, mas é com o seu ensemble que decide finalmente colocar cá fora temas originais em que já o jazz é, de forma abnegada, uma das ferramentas que utiliza dentro do universo da música do Mundo que quer começar a descobrir melhor no Brasil onde agora está radicada.
Pelo meio, a história de um acidente aos 22 anos numa viagem de comboio.
Um pequeno apontamento para a força de vontade de quem quer multiplicar o que o seu talento alcance. Enquanto tudo o que Joana Reais fizer for a apontar para esse objectivo, ninguém da relação Joana Reais-público se quererá perder do outro.   




BandCom (BC): Em que momento é que te decidiste, entre a música, a dança e o teatro, por seguir a veia musical? E em que momento decides enveredar também por juntar músicas originais?

Joana Reais (JR): O momento inconsciente em que decidi tornar-me cantora foi provavelmente aos meus 6/7 anos de idade quando preparei um espectáculo musical na casa da minha bisavó para a família e adorei toda aquela emoção e a atenção dos outros sobre mim. A música sempre fez parte da minha vida e, em particular, o canto. Dentro da minha formação, tive a sorte de ter uns pais que se aperceberam de que a filha tinha “queda para as artes” - daí ter estudado dança e teatro -, mas a música sempre foi a primeira opção. Quanto a originais, esse passo dá-‐se mais recentemente, há cerca de um ano e meio, fruto de um caminho feito a cantar standards de jazz (que, naturalmente, são em inglês) e de ter pensado que tinha chegado a hora de me desafiar a cantar na minha língua, em português. Daí até ao desafio dos originais foi um pulinho.


BC: Todavia, alguns dos teus projectos já espelharam uma ligação bastante forte entre a música e outras artes. Como é que vês a ligação da música com outras artes? É fácil encontrar um meio­‐termo entre o que apela mais às massas ou mais a um consumo mais demorado?

JR: Sem dúvida de que aquilo em que eu mais acredito é num território artístico que pode – e deve! – ser contaminado por várias linguagens artísticas. Lembro‐me de comentar, quando estava nas Belas­‐Artes, que a faculdade também tinha cursos de Artes Plásticas pois, no dia-a-dia em Design, quase que nos esquecíamos dessa realidade devido à forma como o próprio edifício estava estruturado (Pintura e Escultura na cave, os serviços da Universidade no rés-­do-­chão, Design de Equipamento e de Comunicação no primeiro andar) e só nos lembrávamos que tínhamos colegas pintores e escultores quando as pausas do almoço coincidiam. Talvez tenha sido nesse momento que me apercebi de que uma maior comunicação entre as várias disciplinas beneficiaria toda a comunidade escolar e, sem qualquer dúvida, as próprias soluções artísticas encontradas pelos alunos. Desde então, tenho tentado encontrar esse campo aberto, fluido, que contamina e é contaminado não só pela música como pela dança, pela pintura, pela fotografia... o que não é fácil. No entanto, dentro das performances que tenho apresentado, onde misturo, sobretudo, as linguagens da Voz e do Movimento, o feedback tem sido sempre muito positivo. Diria que surpreendentemente positivo, o que me faz continuar nesta busca, mesmo tropeçando de vez em quando.

BC: Como é que se dá a tua ida para o Brasil? Em que é que essa estadia te tem ajudado a progredir na tua carreira?

JR: Acredito que a minha ida para o Brasil se começa a formular há muito tempo, desde os tempos em que ouvi as composições de Chico Buarque e me apaixonei, em que ouvi a voz de Elis Regina e me rendi, em que conheci alguns artistas da bossa nova, do samba e da MPB e os comecei a admirar, em que comecei a tocar com músicos brasileiros e me senti compreendida e estimulado de uma forma que não tinha acontecido até então. Sempre soube que, um dia, o meu caminho haveria de passar pelo Hemisfério Sul e, agora que aqui estou a concretizar objectivos profissionais e pessoais, acredito que o objectivo de gravar o meu primeiro disco está mais perto de acontecer.


BC: Apesar de teres aperfeiçoado mais o teu percurso no jazz, o teu primeiro EP “A Lisboa” está muito mais centrado na música do Mundo e especialmente. Pensas que o teu caminho até chegares a determinadas sonoridades que não o jazz seria o mesmo se não tivesses estudado jazz antes? O jazz foi deixando de ser um fim em si mesmo para passar a ser um meio para “algo mais”, mais livre?

JR: Sem dúvida, concordo completamente com a última afirmação: com o passar da minha carreira e com a experiência que fui ganhando enquanto pessoa e enquanto cantora, fui percebendo que o jazz, essa extraordinária escola onde tanto aprendi, não tinha que se encerrar em si mesmo – lá por ter estudado jazz, não significa que só cante temas dentro desse estilo! – e acredito que o meu desembarque na sonoridade das “músicas do mundo”, por um lado, tem tudo a ver com a pessoa que sou, com a forma como fui criada (com uma avó moçambicana e uma avó portuguesa), com o facto de ter nascido em Arroios e morado em Alfama, com aquilo que de mais genuíno e quente me apaixona na vida mas, por outro lado, sem o percurso no jazz, não teria conhecido os músicos com quem toco e as influências seriam certamente outras, assim como o resultado final.




BC: Consegues estabelecer algum tipo de comparação entre Brasil e Portugal no que diz respeito a públicos? Isto é, achas que poderias apresentar todos os teus projectos musicais em Portugal e no Brasil com o mesmo tipo de recepção?

JR: Embora Portugal e Brasil tenham todo um oceano a separá­‐los, e por muito que algumas pessoas estranhem ou até discordem, o facto é que falamos a mesma língua, a Língua Portuguesa. É certo que com sotaques diferentes, mas em português. Por essa razão, acredito que os meus projectos musicais assentes nas músicas do mundo estão aptos a serem apresentados nos dois países e, por não ser tão usual este tipo de linguagem no Brasil, tenho sentido um enorme impacto no público brasileiro. No entanto, espectáculos mais performáticos acredito estarem mais democratizados em Portugal, o que não deixa de ser um desafio nesta minha estadia pelo Sul do Brasil.

BC: Existem cada vez mais públicos, mais artistas e mais formas de os artistas procurarem mostrar o seu trabalho e aprenderem sobre outras perspectivas. Já estiveste em Terena, no Alentejo, numa residência artística a convite do Projecto Lamparina. Para além de residências artísticas, workshops e outras formas de exploração artística até integradas entre si, que outras iniciativas, mais ou menos alargadas, veria com bons olhos uma Mestre em Artes Performativas como tu que existissem mais assiduamente para estimular e aperfeiçoar o crescimento dos artistas?

JR: Gosto muito do formato da residência artística. Acho extraordinário que se possa reunir um número de artistas no mesmo espaço onde, para além de criarem algo, convivem, partilham refeições, conversam, trocam experiências... Acredito que os resultados finais saem bastante mais ricos do que se estivesse cada um no seu lugar, a criar isoladamente. No fundo, acredito numa maior contaminação entre arte e vida e penso que quanto mais diversificada for essa contaminação melhor: imagine-­se uma residência não só para artistas, mas também para médicos, bombeiros, engenheiros, economistas... que resultados incríveis poderiam sair desse caldeirão de experiências?


BC: O que é que mais te atrai a atenção num tema que ouças?

JR: Para te dar uma resposta genérica: o arranjo do tema. Numa resposta mais específica: a linha melódica e a sua interpretação. A voz. A respiração, a dicção, a emoção.


BC: Lembras-­te do espectáculo que mais gostaste de dar?

JR: Um dos espectáculos que mais gostei de dar foi no Terraço da Associação dos Amigos do Minho, ali no Intendente, a convite da programação de Verão do Espaço SOU, em 2013. Cantei acompanhada pelo Múcio Sá na guitarra e apresentámos repertório da nossa “guaramiranga”, um duo que foi criado para viajar pelos caminhos das músicas do mundo influenciados pelo tango, pelas mornas, pelo fado, pela bossa nova... Foi um concerto muito bonito, num local simples mas com uma vista de cortar a respiração, o horário foi muito bem escolhido, pois começámos a cantar era ainda dia e terminámos à noite, um público extremamente atento e generoso... foi mesmo muito bonito.



BC: A uma pessoa com mobilidade reduzida erguem­‐se muitas barreiras. Se essa pessoa decide seguir os seus objectivos pela via artística, ainda mais barreiras se erguem ao longo do seu caminho. Porém, a relação do público em geral com quem mesmo assim tenta ser bem sucedido é esquizofrénica: tão rapidamente aplaude e lhe presta atenção, muitas vezes por razões exteriores ao seu talento, como passivamente deixa que tudo ou quase tudo caia no esquecimento. Existe, em primeiro lugar, alguma altura na tua vida em que se pára para pensar ao colocares­te nos sapatos de outros artistas? Sentes­‐te ainda mais realizada pelo teu percurso?

JR: Bom, eu sinto imenso orgulho no meu percurso. Efectivamente, sou uma pessoa com mobilidade reduzida, ou seja, sofri um acidente que me condicionou a locomoção, alterando os meus hábitos de vida do preto para o branco. Esse foi um momento para parar, reflectir, olhar para dentro e perceber quem era e o que queria fazer. Felizmente, o acidente que sofri não me retirou a habilidade de cantar nem a capacidade intelectual para me dedicar àquilo que mais gosto de fazer, que é a performance artística. Hoje, agora, olho para trás e vejo inúmeros motivos de orgulho, em mim, nos outros, nas minhas conquistas e também nas derrotas, que me dão oportunidade para crescer. Colocarmo-­nos nos sapatos dos outros nunca é fácil, mas é extremamente recompensador.


BC: Onde é que se dão as maiores lições: nos palcos ou quando te pedem para falar aos outros?

JR: São lições diferentes... nos palcos, a comunicação é mais para dentro de cada um, enquanto que ao falar aos outros a comunicação é direccionada para o todo e aberta à troca de experiências. Acredito que quando existem trocas surge um sem número de possibilidades de crescimento e de fazer futuro, que é o maior ensinamento que podes dar a alguém.


BC: Com quase 30 anos neste momento, o que gostarias de fazer até aos 40 que não fizeste até agora?

JR: Adoraria conhecer Moçambique, onde se encontra parte das minhas raízes. Espero ter a oportunidade de conhecer o país e, quem sabe, partilhar a minha música!


André Gomes de Abreu




0 comentários:

Enviar um comentário

Twitter Facebook More

 
Powered by Blogger | Printable Coupons