quarta-feira, 22 de abril de 2015

BATIDA - "Dois" (2014, Soundway Records)




Dois anos depois do primeiro parto "Batida" Pedro Coquenão, ou DJ Mpula, apresentou-nos "Dois", o tal segundo longa-duração que, no panorama recente da música portuguesa com fortes influências africanas, por vezes alarga o horizonte inicial da lusofonia a ritmos mais globais - os segundos álbuns dos Buraka Som Sistema ou dos Throes + The Shine são exemplos máximos disso mesmo.

De facto, o sucesso logrado a partir das raizes lusófonas, onde o kuduro, o semba e a música tradicional angolana tinham particular relevo na primeira história contada por Batida traduziu-se na internacionalização do projeto e na realização de numerosos encontros com culturas, hábitos e sonoridades dos quatro cantos do mundo.
Rico da sua dupla-pertença, entre dois mundos, duas capitais, Batida sempre cultivou uma certa distância perante o que o enreda, que o leva a analisar o meio onde atua com espírito crítico, evitando toda uma visão binária. E a tradição não é forçosamente o oposto do moderno, como o explicou numa entrevista ao Rede Angola: "o kuduro do Tony Amado – foi quem fez a música que deu nome ao estilo – é a passagem do som de uma marimba para um teclado eletrónico. Foi a introdução do computador, do teclado, da eletrónica. Dá ideia de que se introduziu um novo género. Não, houve só uma nova forma de fazer a mesma coisa". 







Da mesma forma, o contactar com culturas diferentes não acaba forçosamente por apagar as suas origens. Efetivamente, o convite de inúmeros artistas para este registo - em 9 faixas vindos do mundo lusófono, tal como no primeiro álbum, mas também de países como a África do Sul, o Quénia ou a França - não fez com que o resultado final fosse muito mais internacional, comercial e globalizante do que o primeiro registo. 
Isto preservou grande parte das suas sonoridades incorporando nelas elementos que não pertencem ao mundo lusófono.

Num conjunto com 10 canções no total, surgem alguns cujo ponto fulcral é o beat, outros em que ele apenas serve de acompanhamento para a declamação de palavras e, por fim, outros que dão a mesma importância aos dois. 

Os temas mais virados para à pista são, à excepção do instrumental "Céu" com os franceses François & The Atlas Mountain, curiosamente os que são cantados em inglês: "Mama Watoto", extraído da compilação "Ten Cities" e gravado a partir de uma viagem ao Quénia; "Luxo", uma colaboração com Spoek Mathambo, Sacerdote e Duncan Loyd e "Chat With Mr. Ochieng". Por outro lado, "Pobre e Rico" e "Lá Vai Maria" contradizem um pouco essa ideia e acrescentam que é possível fazer música dançante com cariz político-social.
Já em "Tá Doce", "Bantú" e "Fica Atento!" é deixada liberdade total aos declamadores AF Diaphra e Ikonoklasta (este último sendo, segundo as próprias palavras de Pedro Coquenão, uma "extensão dele").






Um pouco à imagem de todo o trabalho, Batida consegue através do recurso a inúmeros convites homenagear os países e as culturas com os quais teve ligações nestes últimos tempos sem os deturpar. Não há nenhuma vontade em englobar as sonoridades e fazer delas uma fusão sem pés nem cabeça, mas sim uma procura incessante em reunir instrumentos, sonoridades e línguas diferentes, juntá-los e dar-lhes ritmo próprio numa festa convidativa mas sempre consciente.
Uma festa a dois, reunindo seres com percursos e trajetórias distantes, sem pressupostos e supremacias.

Mickaël C. de Oliveira





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