quinta-feira, 5 de março de 2015

XINOBI - ENTREVISTA

Não haverá melhor lugar para XINOBI se inserir do que na cena electrónica portuguesa que está cada vez mais exportável. E não haverá, a julgar pelo Verão passado, pedestal mais honroso do que o sucesso da personalidade dos Vicious Five como nota de que sem eles haveria toda uma década musical que não teria sido a mesma em Portugal.
Agora é Tio Patinhas de tudo o que se quiser derivar da palavra "festa", pai de remisturas de temas de gente tão diversificada como John Grant, Toro Y Moi, Nicolas Jaar e, bem recentemente, Redshoes, Bruno Cardoso tem um passado rico em vivências que não riscam histórias para se substituir à interpretação das suas memórias, ao que agora vê como a direcção certa de uma encruzilhada profissional, pessoal, melómana, constante.
"1975" está para XINOBI como o recente "Voyager" está para Mirror People: cada um deles, um primeiro capítulo altamente mastigado por novos formatos e ideias para divulgar criatividade vítima do abraço em tempo útil da divisão portuguesa da Universal Music.
Eis a auto-exploração de um protagonista táctico nas próximas linhas.






BandCom (BC): O título do teu disco, “1975”, remete para o ano em que os teus pais regressaram de Moçambique e foram viver para Trás-os-Montes. Afirmaste, numa entrevista ao Público, que algumas fotografias deles nessa altura fizeram-te lembrar uma série de filmes com a mesma estética. Como explicas que por exemplo o cinema português, como também o teu disco, nutram uma atenção tão particular a esse período da história? Que lembranças tens hoje dos tempos que passaste no norte de Portugal?

XINOBI: Este período da História de Portugal é fértil para qualquer cineasta ou escritor. É suficiente recente para cimentar com factos um documentário sólido. Para a Ficção torna-se fácil moldar uma história familiar ou um romance – que tenha como base memórias de inúmeras pessoas, pois embora tenhamos 40 anos passados sobre 1975, não houve ainda um salto geracional suficiente amplo para diluir memórias e enredos.
Eu nunca vivi realmente no Norte. Nasci na ressaca do “retorno” das colónias e acabei por vir viver para Lisboa antes de completar 1 ano de vida. Mas em puto fiz muitas férias e passeios no Norte, pelas terras dos meus avós. Os meus pais quando chegaram, nascidos em Moçambique, não pertenciam a lado nenhum. Naturalmente acabaram por pertencer ao êxodo dos muitos que partiram rumo às cidades em busca de trabalho e estabilidade. A minha infância está cheia de momentos com referências a esta transição – o antes e pós 25 de Abril: pessoas a falar sobre o assunto; discussões animadas sobre política sobre o que era bom e já não é, sobre o que era mau e agora vai ser melhor; sobre expectativas. A televisão, a rádio, etc.
Consigo perfeitamente pintar a conjuntura dos anos antes de eu nascer, podia ilustrá-la em escrita, por exemplo. Acabei por referir-me a ela musicalmente - no entanto, neste álbum não procurei, de todo, fazer um retrato do ano de 1975.



BC: Quais seriam, neste teu disco, as tonalidades que mais te fazem lembrar esses tempos?

XINOBI: Principalmente as tonalidades que geram momentos mais contemplativos. Por exemplo, eu não considero este álbum como uma obra nostálgica, de todo - mesmo sabendo que tenho nele elementos que remetam para a nostalgia, como a letra da "Mom and Dad" ou alguns dos momentos mais melancólicos. Diria que associo mais as três primeiras músicas a “esses tempos”, principalmente o ambiente que podem ouvir em “Polana” que, creio, é também o meu tema favorito.


BC: Noutra entrevista, disseste que não conseguias “ver música desprovida de raízes”. Quais são, para ti, as “raízes” da tua música?

XINOBI: As raízes da minha música são tão dispersas quanto o minha procura incessante por música que não conheço. Sou muito adepto de absorver o que me é novo e agregar rapidamente ao que faço. Mas, para ser simples, posso afirmar que as raízes centrais da minha música se encontram no disco e no house, nas bandas-sonoras dos meus filmes favoritos, no rock e na Jamaica. Pelo meio está o meu sangue latino e luso, mas esse é-me intrínseco – não é a raiz da minha música, mas completa-a.


BC: Conta-nos um pouco mais sobre a escolha dos singles deste trabalho e da sua ligação com os videoclips criados.

XINOBI: Honestamente, para singles escolhi, ou ando a escolher, os temas que são mais canção e que fogem um pouco ao enredo mais abstracto de alguns dos instrumentais. É uma escolha clássica contundente com a “norma” da indústria da música. Não me chateio nada com isso, pois não fiz nenhum dos singles com o objectivo de o serem. Deixei os videoclips um pouco na mão de outras pessoas, ainda que no primeiro para a "Mom and Dad" tenha contribuído com input extenso. No segundo single, "Real Fake", cujo vídeo estreou agora, o meu input foi residual. O realizador Rui Vieira interpretou a música de uma forma que eu não esperaria e eu adorei.


BC: O teu disco poderia servir de banda sonora para um filme. Qual seria o enredo e qual seria o teu papel? A tua experiência com o teatro Praga inspira-te a pensar numa aventura cinematográfica?

XINOBI: Eu sou muito timído para actor. O filme, no entanto, seria a história de um rapaz a lutar para fazer do seu hobby a sua profissão. E sim, seria meio auto-biográfico.
O trabalho que fiz com o Moullinex e com o Teatro Praga para uma re-interpretação d' "A Tempestade" de Shakespeare musicada por Purcell foi talvez a minha maior aventura artística até à altura de lançar o álbum. Tenho a certeza que o input emocional, estético e físico que apreendi aquando do trabalho com o Teatro Praga foram cruciais para alguns momentos do álbum. Eu quero fazer música para filmes, independentemente da proveniência dessa vontade de a fazer.


BC: Um dos teus autores favoritos é o Paul Virilio, pensador, entre outras coisas, da velocidade e do medo, dois elementos segundo ele interligados. A “sincronização mundial das emoções” é também um dos elementos que aborda. São preocupações tuas? Achas que a música, hoje em dia, é mais fácil de chegar a todo o lado por haver uma maior uniformização da cultura no mundo e porque as pessoas tendem a ter as mesmas expectativas?

XINOBI: A primeira vez que li Paul Virilio fiquei deprimido e achei que não havia qualquer tipo de futuro para a relação humana com proximidades definidas, e que tudo o que era físico iria ser desvalorizado, que no imaterial residia um futuro, negro, etc. Hoje, por exemplo, não sinto desconforto para com isso. Não me choca nada a elasticidade espacio-temporal que os canais de comunicação nos permitem usufruir. É interessante que do meio da fumarada de lixo cibernético ainda haja multidões virtuais que se materializam na rua com objectivos que não se podem limitar ao online. Arrepia-me que, como Virilio defende, uma nova tecnologia traga inerentemente um “acidente” ou uma catástrofe anunciada, ou que uma tecnologia inventada para um bem seja usada de forma atroz. Algures, ele falava do comboio como tendo sido uma invenção que unificaria povos mas com o comboio veio também a possibilidade tecnológica que disparou a Primeira Guerra Mundial...etc. Com a Internet veio uma ideia de proximidade absoluta mas também apareceu um novo ser solitário, que se entrega ao online e esquece o offline. Um pouco uma versão radical d' "O Homem Da Multidão" de Edgar Allan Poe, desolado e sem identidade, ou d' "A Multidão Solitária" de David Riesman - com tanta gente por perto a sentirmo-nos mais sozinhos do que nunca.

A  música e principalmente o consumo de música reflectem tudo isso. E padecem de algo como um totalitarismo do excesso: tens tudo em demasia e não consegues quase nunca canalizar um foco de atenção a algo em especifico. É muito fácil ser melómano de superfície, principalmente com o Google ou um Shazam mesmo à mão. Eu adoro a disponibilidade total da música mas por outro lado sinto saudades de lutar para poder ter um disco.  Ou de acreditar numa review e encomendar um disco mesmo à bruta, sem medos – “logo se vê se é mesmo bom”. Hoje, [os] problemas são tentar que conteúdos do Spotify que desejo ter offline caibam na memória de um dispositivo. Que preocupações mais fúteis diria eu de mim mesmo e de uma geração que vai alargando a idade...  

Tenho pena de não conseguir ter disciplina de audição. As sugestões de Youtube ou Spotify que aparecem recorrentemente mexem em demasia com a atenção que atribuis à música.





BC: Antes de chegarmos ao teu primeiro disco, assistimos ao funeral condigno dos Vicious Five de que também fizeste parte. Já consegues olhar para trás e analisar a importância de todo o trajecto dos Vicious Five? É verdade que ficam mais marcados os melhores momentos do que os piores momentos?

XINOBI: Os melhores momentos ficam sempre acima, mas os momentos maus que tenham sido decisivos não são nada fáceis de apagar da memória. Sei que os The Vicious Five foram importantes para uma data de putos e que os levaram a fazer bandas e a celebrar o facto de estarem vivos. Missão cumprida.


BC: Cada vez mais vê-se pessoas a dançar num concerto de pop-rock da mesma forma que o fariam numa pista de dança e, por outro lado, cada vez mais pequenos públicos que concebem a música de dança como demasiado texturada e preferem compreender passo a passo, camada a camada, o que vão ouvindo. É mais difícil entender aquilo que faz, como se faz alguém dançar e/ou mexer-se ao som de uma música do que se possa imaginar?

XINOBI: Eu tenho uma dificuldade tremenda em estruturar de forma certa uma música para que ela apele da melhor forma aos sentidos de uma pessoa numa pista de dança. Até porque uma pista de dança não se pode resumir e unificar numa pessoa só. Consigo, no entanto, fazê-lo. No fundo, é estar no estúdio a pensar como DJ. Unir esta disciplina de música para pista com as directrizes de uma canção pop-rock sem que se desrespeite nenhum dos géneros é outra luta. Há artistas que a fazem tão bem que acabaram por unir públicos e daí o comportamento de que falas se tornar normal. O caso de Caribou é paradigmático de como se podem unificar subtilezas de vários géneros pop sobre uma base dancy.


BC: Entre diversas remisturas, colaborações com outros artistas e originais teus, já muito vimos e ouvimos falar de XINOBI mas, certamente, estará muito trabalhado guardado numa gaveta. A que é que dás maior importância na altura de desenvolver um determinado tema? Acontece-te com frequência empenhares-te tanto numa faixa e depois chegar a um beco sem saída por tanto trabalho e tantas ideias concretizadas em tão pouco tempo?

XINOBI: Tenho um contentor de esboços, ideias, músicas quase terminadas...
A dada altura acabo por desenvolver o que vai correndo melhor dentro do material que gosto. Se até certo ponto este processo pode parecer – e até é – meio aleatório, depois o pragmatismo tem de vencer e nada melhor que um deadline que me faça focar em definitivo nos temas que tenho a desenvolver.



BC: A palavra “snobismo” aparece em algumas entrevistas tuas. Em que é que isso te afecta na tua actividade como músico? Onde o vês mais presente? Será que, por exemplo, um clube mais "snob" é forçosamente menos acolhedor para um músico como tu ou nem por isso?

XINOBI: Obviamente que todos acabamos sempre por julgar os outros por acharmos que o nosso entender da vida é o mais fixe. Somos todos "snobs" em certo ponto do nosso universo. Não me recordo bem em que contextos falei de snobismo...
Um clube "snob" será um clube que te julga pela roupa que trazes? Ou será aquele que oferece uma programação que agrada menos às massas e mais a nichos? Não sei muito bem. Mas nenhum destes casos me afectou por aí além enquanto músico. É entrar, fazer o que se tem a fazer. Detesto que haja alguém que se pense superior só porque detém consigo mais conhecimento sobre algo, mais dinheiro, uma cara mais bonita ou whatever; no entanto, curto ser um "snob" gigante quando, por exemplo, vejo o apogeu de uma mediocridade absolutamente indiscutível, como por exemplo numa Casa dos Segredos (ahah). Da mesma forma, um músico virtuoso pode olhar para mim e rir – "olha para este fedelho... pfff, não sabe nada, anda aqui a desacreditar o que é realmente a música".


BC: As ligações que tu e a própria D.I.S.C.OTEXAS em que apareces integrado conseguiram estabelecer com grandes salas europeias são o fruto de uma nova apreciação da música portuguesa, mais actualizada, no estrangeiro?

XINOBI: Creio que de início foram fruto da desterritorialização da nossa música. Isto é, quando comecei a ter feedback fora de Portugal não o tive como consequência de viver em Lisboa mas porque a música que fazia não representava claramente o lugar de onde vinha. Nos "entretantos", tenho a plena noção que alguma da música que escrevi tem roots populares portuguesas - ainda que maioritariamente distorcidas, e também acredito que se olhe para, por exemplo, a cidade de Lisboa como mãe de cultura exótica que é fixe enquadrar num festival ou num clube europeu ou seja de onde for. Muito por culpa de uns Buraka Som Sistema, dos Madredeus, dos Dead Combo, ou Moonspell e por exemplo, mais recentemente, dos PAUS. Portugal hoje oferece realmente algo fresco – simultaneamente genuíno e universal – que pode contaminar o Mundo. Aqui anda-se a fazer do melhor que se faz no Mundo, ainda que sem as infraestruturas que muitos tem acesso lá fora.





BC: Muitos espectáculos e muitas horas no estúdio depois, este é ainda o teu primeiro LP. Ainda subsiste alguma pressão, sobretudo na hora de o apresentar ao vivo?

XINOBI: Eu, por mais seguro que esteja em relação a algo meu, na altura de o defender tenho sempre o nervoso miudinho à perna. Entro em modo autista uma boa meia-hora antes e devo parecer um pateta antipático. Para mim, a pressão aumenta quando há expectativas sobre ti, e por exemplo num DJ set é muito fácil arruinar a tua posição para com os teus fãs se quiseres agradar rapidamente a todos os presentes que ainda não te conhecem e que se calhar nem estão preocupados em conhecer-te. Num concerto também podes desapontar muito mas com outras texturas e, por norma, a apresentar apenas a música que é da tua autoria. Nunca deves soar mais "xôxo" ao vivo do que o que gravaste em estúdio, por exemplo.


Mickaël C. de Oliveira




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