terça-feira, 21 de outubro de 2014

FESTA DO 45º ANIVERSÁRIO DO TEATRO MARIA MATOS - REPORTAGEM



“I'm not a minister, I'm not a philosopher, I'm not a politician, I'm in another category.” Sun Ra

No passado Sábado o Teatro Maria Matos presenteou-nos com uma dupla celebração: o seu quadragésimo quinto aniversário e o centenário do nascimento da icónica e complexa figura Sun Ra num espectáculo que envolveu uma série de ilustres da música portuguesa quer em cima do palco quer fora dele. Mas tal como referira o programador de música Pedro Santos, o objectivo principal era o de "celebrar o aniversário, mas subverter o foco de atenção. Não deve estar em nós, mas no que se passa em palco”. Como já havia sido feito há dois anos com John Cage, Sun Ra, nome artístico do norte-americano Herman Poole Blount, considerado figura proeminente, visionária e revolucionária do jazz pela sua originalidade e influências – afrobeat da Nigéria, improvisação, funk do Peru, electrónica, avant-garde, hard bop, religião e filosofia - mas também pintor, filósofo e poeta, através do convite endereçado a 4 artistas e aos frutos das suas vivências. Nuno Rebelo, o ex- “Street Kids” e “Mler Ife Dada”, Bruno Pernadas, extraordinário e tecnicista guitarrista que tem exactamente no jazz um dos seus mais sólidos pontos de interesse a solo ou em grupo, os Gala Drop e por fim Mo Junkie, juntos numa viagem que teve origem na Av. Roma, com passagem pelo Egipto (a cultura que mais influenciou Sun Ra) e ponto de paragem em Saturno.





A casa estava recheada quando pelas 16h30 a comitiva dirigida por Nuno Rebelo, da qual faziam parte jovens músicos do Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Braga e o bracarense Gil Teixeira de La La La Ressonance, subiu ao palco para dar início às festividades.
O palco e a indumentária dos músicos permitiam-nos sentir claramente em frente à Sun Ra Arkestra e o concerto começou com uma série de documentos vídeo de Sun Ra e sonoros experimentais que criavam o mote para que numa linguagem musical crescente incorporássemos a viagem tortuosa pelo espírito misterioso e sideral de Sun Ra. Nota para a originalidade e irreverência da direcção artística e musical de Nuno Rebelo que teve até um momento em que o palco deixou de se limitar pelas paredes das instalações do Teatro e passou para um pequeno largo nas imediações do Edifício – porque afinal, as filosofias de Sun Ra, leiam-se pouco ortodoxas, pediam e mereciam sempre o menos convencional. Todo o momento revelou-se uma justa homenagem por aquele que tinha mais ligações ao músico, onde os sopros, os violinos a secção rítmica e o poderoso coro celestial conseguiram amplificar e eternizar temas como “We Travel The Spaceways” ou o clássico “Space is the Place”.






Por volta das 18h45 era a vez de Bruno Pernadas subir ao palco para nos abrilhantar com os seus arranjos, musicalidade e técnica naquela que é a sua praia – o jazz e a improvisação. Trazia consigo velhos companheiros de trabalho e outros colegas de projectos mais atuais, entre eles Pedro Pinto, João Rijo e João Mortágua. No palco, um tripleto de saxofones, trompete, vibrafone, duas baterias, piano e por fim Margarida Capelo e Afonso Cabral que vieram acrescentar uma nova dimensão à epicidade criada pelos instrumentos. A sua abordagem foi diferente: não se limitou a fazer réplicas da obra de Sun Ra, mas sim a construir edificações sonoras a partir dos alicerces de temas como “Lanquidity” ou “Rocket Number Nine” num percurso de verdadeiros momentos de improvisação para os saxofones e duelos guitarra-vibrafone sempre acompanhados de uma robusta secção rítmica e um piano poliglota. Era, por isso, no meio de grande cumplicidade musical e humana que Bruno Pernadas e companhia realizavam uma fusão de pensamentos e viagens cósmicas através de um espírito aberto a todas as possibilidades musicais.





Já próximo das 20h15, o som dos Gala Drop, através da sua forte componente electrónica, fez por materializar o arquétipo dos mitos e da suprema harmonia do universo de Sun Ra. Através do uso intensivo do sintetizador, da distorção da guitarra, do reverb ou do simples eco, os Gala conseguiram de facto narcotizar o público e trazer até ao Maria Matos todo o espírito rítmico de Sun Ra, apoiando-se no seu extenso portefólio angariado em experiências variadas de palco. Grandes fãs de Sun Ra, mas pouco ligados ao jazz, conseguiram estabelecer uma comunicação tal com uma outra dimensão onde mora Sun Ra que a certa altura parecia que o mesmo estava ali em cima do palco a dirigir-se a todos, de uma forma curta mas enérgica.





Nos intervalos entre os concertos e no fim do espectáculo chegava sempre a hora de ir beber um belo porto ao MM Café e ouvir aquilo que Mo Junkie, alter-ego de Edgar Matos ainda nos tinha para contar. Como prescrição de clínico para uma melhor digestão, Mo Junkie, munindo-se da sua electrónica esotérica, iam passando pelo seu gira-discos canções como “Angels and Demons at Play” ou “A Joyful Noise” conjugados com samples milimetricamente escolhidos numa operação caótica, mas ao mesmo tempo intuitiva, num novo plano temporal.
Foi uma tarde intensa para todos, ao nível do magnetismo do Mundo do "génio-Líder" da Arkestra. Sun Ra. 




Texto de João Ribeiro

Créditos das fotografias: José Frade




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