quarta-feira, 17 de setembro de 2014

REVERENCE VALADA - DIA UM | "Fez-se luz a partir da escuridão da noite"

Quem esteve lá, certamente terá sentido: foi ali, bem naquela hora, que começámos mesmo a sentir que o Reverence Valada era, ou pretendia ser, um festival diferente de todos os outros que habitam o canto mais à esquerda da Europa. Vive-se a altas rotações – depois da festa de aquecimento ter durado até tarde, os concertos do primeiro dia do festival do Ribatejo iam começar a partir do meio-dia. Ah, qual sono, qual cansaço, qual quê; no Reverence todos éramos um veículo em que o seu combustível eram os decibéis que iam voando a partir dos inúmeros amplificadores montados em palco. Em alguns momentos as nossas viagens mostraram-se viscerais e intensas, noutras nem por isso – foi o caso daquilo que se passou durante a tarde do primeiro dia.



O primeiro concerto que vimos seguiu a linhagem daquilo que se havia passado nos desfecho do dia anterior: os THE FEELING OF LOVE também são franceses e também acabaram por nos deixar um pouco aquém – claramente abraçados à pop de perfil mais psicadélica, deram-nos um concerto morninho onde apresentaram trabalhos como Reward Your Grace, de 2013, e Dissolve Me, de 2011. (4/10)

Sucederam-lhes as guitarras: FRANÇOIS SKY & GUESTS acabaram por dar um concerto sólido, onde evidenciaram que a partir das cinzas Sonic Youth também existe espaço para aplicar uma película que catapulta a sua música para paragens mais propícias ao psych-rock – porém, ficou a nota de que se pode fazer menos (isto é, que se pode encurtar as suas canções para que elas não caiam no aborrecimento) e melhor. Muito possivelmente, um dos melhores interessantes de toda a tarde – e o aviso que devemos estar atentos a estes alemães. (6,5/10)

Seguiam-se os norte-americanos THE ASTEROID #4, que tocavam no palco Rio. Possivelmente uma das maiores desilusões do festival, os norte-americanos nunca conseguiram elevar-nos para outro patamar que não o da monotonia – fazendo com que, por exemplo, sentíssemos saudades daquilo que raramente está presente nas suas canções: jams. (4/10)



Esperava-se mais, mas ainda assim, quando comparado com o concerto que veio a seguir, apetece dizer que o concerto de The Asteroid #4 foi monumental: os BOMBUS são uma banda sueca que, muito possivelmente, rubricaram um dos piores concertos que já vi – não sabem o que fazem nem o que querem fazer, não conseguem optar por uma vertente mais pesada ou por uma vertente mais na onda do hard rock – e convém dizer, hard rock em 2014 de uma banda que nasceu em 2008? Alguém que lhes faça um update -, fazendo com que o seu todo soe a um misto inócuo e vazio. (1/10)



Chega a hora do concerto mais esperado da tarde por este que vos escreve: WOODEN WAND é um dos cantautores com mais potencial que apareceu nos últimos anos, porém raramente o conseguiu comprovar desmembrando as suas canções em dois distintos pólos: um pólo onde nos consegue siderar de uma maneira medonha e outro onde estende tanto algumas das suas canções que elas acabam por cair num beco de aborrecimento sem saída. Ao vivo, o segundo pólo simplesmente não existe. Com uma postura em palco impecável, amigável e com influências na maneira de tocar e cantar que enganam – quem não se lembra da passagem «I was at home listening to Electric Wizard»? -, James Jackson Toth assume-se, sem medo algum, com um dos principais trunfos que o leque da história recente dos cantautores tem para nos oferecer. Concerto soberbo e, claramente, o primeiro grande concerto do Reverence Valada. (8/10)

Passar dos ritmos mais calminhos da folk de Jackson Toth para o turbilhão dos SUNFLARE não correu bem – e talvez isto nem se tivesse dado por culpa dos próprios Sunflare. Os lisboetas têm ideias salubres e sabem aquilo que estão a fazer, só ainda não sabem bem aquilo que realmente querem; sabe bem em estúdio, mas falta ainda aprimorar para a passagem para o palco. Esperemos por uma nova oportunidade. (4,5/10)

Os CAVE também prometiam, mas acabámos por sair de lá defraudados – é o problema de grande parte dos discos de space-rock; enfatiza-se demasiado a produção dos discos e quando estes passam para o palco vinca-se a falta dos tais pós mágicos. Numa mixórdia que assume os sintetizadores como um dos principais fios condutores da sonoridade, houve pouquíssimo espaço para que se ouvissem as guitarras e o baixo, que acaba por ser preponderante na génese musical, visto que uma das principais influências prende-se ao krautrock, o que desmoronou a ideia de que aqui podia estar uma das surpresas do festival, infelizmente. (4/10)


E por falar em surpresas do festival – e não que não contássemos com isso -, os RINGO DEATHSTARR foram um dos nomes maiores da tarde do primeiro dia do Reverence Valada e tudo porque saíram da forma pela qual mais os conhecíamos. Contrariamente ao que mostram em estúdio, a patente My Bloody Valentine quase não pesa em palco – há muita noise pop e pouco shoegaze, desprezam-se as vozes abafadas e passam-se a criar melodias que nos são familiares pelo carácter alegre que albergam com isso – a performance de “So High” foi um dos momentos altos do dia - e, acima de tudo, faz-se aquilo que quase nunca acontece em palco quando assistimos a um concerto que repesque o legado de Loveless: eles mexem-se e mexem-se bem. Naturalmente, um dos melhores concertos da tarde. (7,5/10)

Seguiam-se os WOODS, que chegavam numa altura propícia para os receber – estávamos no final da tarde e nada melhor que um som bonito e atrevido para aquela hora. Vinham para apresentar o seu mais recente disco, intitulado With Light and With Love, mas também sem esquecer o seu belíssimo Bend Beyond, de 2012. Versáteis, foram constantemente alternando entra uma vertente de singer-songwriter, que nos faz facilmente lembrar a doçura dos Wilco, e uma vertente mais mexida onde as jams assumem um papel fulcral – e, curiosamente, foi precisamente aí que o concerto foi melhor. (7/10)


20h, abria o palco Reverence: a banda responsável pela abertura do palco principal do Reverence Valada nunca na vida podia esconder de onde vinha – os THE WYTCHES são britânicos e isso nota-se em todos os aspectos: no próprio sotaque, na maneira de actuar em palco e na maneira como não conseguem disfarçar os seus fascínios por uma tal de banda chamada Arctic Monkeys. Nos dois primeiros pontos, não existe qualquer tipo de problema. A partir daí é que já começam a surgir, porque apesar destes mostrarem mais do que AM mostrou, por exemplo, jamais poderá ser algo comparável com os primeiros trabalhos dos Monkeys, trabalhos esses onde o r&b começou a ser implementado no rock. Não soube mal, mas já ouvimos a mesma coisa só que melhor. (5/10)



Naquele palco tocaram de seguida os Swervedriver, banda que do pouco que vimos não nos impressionou e que, por isso, trouxe-nos a oportunidade para irmos até à vila carregar baterias para o concerto dos RED FANG. Assim foi, chegou-se ao Palco Reverence de baterias carregadas para vermos uma das últimas esperanças que surgiu para a salvação do espírito rock – equipados a rigor (se bem nos recordamos, o baixista dos Red Fang estava equipado com uma camisola dos míticos Slint), os norte-americanos fizeram com que se desse o primeiro crowdsurfing da história do Reverence Valada. De onde estávamos posicionados não víamos suficientemente bem, mas acredita-se que também foram pais do primeiro mosh. Percebe-se porquê: os Red Fang são uma banda sem merdas no que toca a atirar-nos às feras e ainda bem, ainda bem – existisse mais rock assim. Tocaram-nos canções de todo o seu reportório discográfico, incluindo do seu disco homónimo de 2009, e foram responsáveis pelo início do despertar da luz. (8/10)


Despertar de luz que só continuou depois dos Graveyard terem ido embora do palco: chegava a hora dos ELECTIC WIZARD. Começava a hora de abanar o pescoço incessantemente, chegava a hora dos tempos de abano entre todos os festivaleiros ser medido pelo tempo certeiro que o baterista dos demorava a bater com as suas baquetas nos pratos da bateria – e certo é que estava tudo perfeitamente compassado. O som podia estar mais alto, é verdade – diz que a partir da minha casa, em Aveiro, não ouviram nenhum barulho do concerto a circular pela atmosfera -, mas a cena é que a passagem dos Electric Wizard pelo Palco Reverence foi, à falta de melhor termo, do caralho. Para que se desse efectivamente a consolidação do stoner enquanto género musical, existe um nome que jamais nos podemos esquecer: o dos Sleep. Os Electric Wizard são seus fiéis seguidores e têm em Dopethrone um dos melhores discos da história do género – foram tocadas desse disco duas canções, curiosamente das melhores: “Dopethrone” e “Funerapolis”. A um ritmo certeiro, e com a promessa que os #4 Asteróides / Asteroid #4 chegavam durante a tarde, houve a desordem: os quatro asteróides chegavam ali àquela hora e eram os quatro elementos da banda britânica. Traziam consigo imenso peso e a ideia de que os graves que saiam daquele baixo ecoavam todas as redondezas – felizmente, que se saiba, não houve tentativas de suicídio por parte dos habitantes da Valada. Tudo correu como esperado: concerto do dia, do festival, do ano, de sempre. Pode nem ter sido assim (não foi), mas no meio do turbilhão sonoro que disparava contra nós foi com essa ideia que abandonámos o Palco Reverence. Despediram-se com “Black Mass”. (9/10)



Dali para a frente os concertos iriam decorrer nos palcos secundários, dando-se por encerrada a fase do Palco Reverence. Eram duas da manhã e chegava a vez dos portugueses PROCESS OF GUILT, responsáveis per um dos melhores discos do ano em 2012 com Faemin. Têm tanto poder que nem parecem de onde são: quem diria que havia eborenses a tirar horas de sono ao tempinho da sesta em pleno Alentejo. Os Process of Guilt tinham uma missão espinhosa pela frente: tocar depois do assombro que foi o concerto de Electric Wizard. Não se deram mal, longe disso: foram responsáveis pelo continuar de uma luminosidade que não se sentira durante a tarde, dando um concerto intenso e triunfal. Não é muito fácil estipular uma barreira para podermos definir os PoG; tanto se prendem à lentidão do doom como fazem transições repentinas para o post-metal que uns tais de Cult of Luna têm libertado por aí. Não escondendo as influências, a tarefa acresce em termos de dificuldade; porém, qual dificuldade qual quê. Não sendo únicos, os portugueses têm sangue frio e instinto animal, transportando-nos com uma frieza incrível das ambiências típicas daquilo que é selado pelo “pós” para a entropia e o inferno que se vai pintando através de gritos que vão nascendo de uma voz que, diga-se de passagem, é uma das melhores vozes que podemos encontrar no metal hoje em dia. Berrando, gritando ou contemplando: rubricou-se um dos melhores concertos do dia naquela que é, cada vez mais, uma das melhores bandas de metal do panorama europeu. (8,5/10)



Voltámos à carga em THE TELESCOPES e, uma vez mais, a luz continuava. Mais experimentais do que em estúdio e também menos preocupados com a vertente shoegaze que ladeia as suas composições, saímos do concerto de The Telescopes sem saber quantas ou quais as músicas que tocaram e a verdade é que esta é também a magia de ver um concerto ao vivo: o factor surpresa. Os The Telescopes surpreenderam em todos os aspectos, menos num: já sabíamos que iria ser um grande concerto. Assim foi. (8/10)


O último concerto do dia que vimos também falava português: chegava a hora dos BLACK BOMBAIM mostrarem porque é que são, neste momento, uma das maiores bandas do mundo (e tenho a perfeita noção que isto jamais poderá ser considerado uma hipérbole) disto a que chamamos de psych-rock. E é fácil perceber porque é que isso acontece: têm três elementos com uma qualidade tremenda e dentro do mesmo estilo musical conseguem fazer música para quem não gosta dos estilos que se encontram desse próprio estilo. Se não gostarmos de stoner, temos lá as guitarras que nos transporta para uma maresia espacial. Se não gostarmos de stoner nem de space rock, podemos interpretar os barcelenses com uma nova vaga quem nascido do krautrock: batida contínua, baixo em grande destaque e uma guitarra que quando aparece, regra geral, é para partir a loiça toda. O facto de serem quatro da manhã em nada afectou os acontecimentos: iam-nos descarregando uma energia incrível. É a tal história: no Reverence somos, ou éramos, veículos em que o combustível eram os decibéis que saíam a partir de cada concerto. Aqui conseguimos encher o depósito; a luz continuava. (8,5/10)



Texto por Emanuel Graça

Fotografias por José Vidal




0 comentários:

Enviar um comentário

Twitter Facebook More

 
Powered by Blogger | Printable Coupons