Quem esteve
lá, certamente terá sentido: foi ali, bem naquela hora, que começámos mesmo a
sentir que o Reverence Valada era, ou
pretendia ser, um festival diferente de todos os outros que habitam o canto
mais à esquerda da Europa. Vive-se a altas rotações – depois da festa de
aquecimento ter durado até tarde, os concertos do primeiro dia do festival do
Ribatejo iam começar a partir do meio-dia. Ah, qual sono, qual cansaço, qual
quê; no Reverence todos éramos um
veículo em que o seu combustível eram os decibéis que iam voando a partir dos
inúmeros amplificadores montados em palco. Em alguns momentos as nossas viagens
mostraram-se viscerais e intensas, noutras nem por isso – foi o caso daquilo
que se passou durante a tarde do primeiro dia.
O primeiro
concerto que vimos seguiu a linhagem daquilo que se havia passado nos desfecho
do dia anterior: os THE FEELING OF LOVE
também são franceses e também acabaram por nos deixar um pouco aquém – claramente
abraçados à pop de perfil mais
psicadélica, deram-nos um concerto morninho onde apresentaram trabalhos como Reward Your Grace, de 2013, e Dissolve Me, de 2011. (4/10)
Sucederam-lhes
as guitarras: FRANÇOIS SKY & GUESTS
acabaram por dar um concerto sólido, onde evidenciaram que a partir das cinzas Sonic Youth também existe espaço para
aplicar uma película que catapulta a sua música para paragens mais propícias ao
psych-rock – porém, ficou a nota de
que se pode fazer menos (isto é, que se pode encurtar as suas canções para que
elas não caiam no aborrecimento) e melhor. Muito possivelmente, um dos melhores
interessantes de toda a tarde – e o aviso que devemos estar atentos a estes
alemães. (6,5/10)
Seguiam-se
os norte-americanos THE ASTEROID #4,
que tocavam no palco Rio.
Possivelmente uma das maiores desilusões do festival, os norte-americanos nunca
conseguiram elevar-nos para outro patamar que não o da monotonia – fazendo com
que, por exemplo, sentíssemos saudades daquilo que raramente está presente nas
suas canções: jams. (4/10)
Esperava-se
mais, mas ainda assim, quando comparado com o concerto que veio a seguir,
apetece dizer que o concerto de The Asteroid #4 foi monumental: os BOMBUS são uma banda sueca que, muito
possivelmente, rubricaram um dos piores concertos que já vi – não sabem o que
fazem nem o que querem fazer, não conseguem optar por uma vertente mais pesada
ou por uma vertente mais na onda do hard
rock – e convém dizer, hard rock
em 2014 de uma banda que nasceu em 2008? Alguém que lhes faça um update -, fazendo com que o seu todo soe
a um misto inócuo e vazio. (1/10)
Chega a hora
do concerto mais esperado da tarde por este que vos escreve: WOODEN WAND é um dos cantautores com
mais potencial que apareceu nos últimos anos, porém raramente o conseguiu
comprovar desmembrando as suas canções em dois distintos pólos: um pólo onde
nos consegue siderar de uma maneira medonha e outro onde estende tanto algumas
das suas canções que elas acabam por cair num beco de aborrecimento sem saída.
Ao vivo, o segundo pólo simplesmente não existe. Com uma postura em palco
impecável, amigável e com influências na maneira de tocar e cantar que enganam –
quem não se lembra da passagem «I was at
home listening to Electric Wizard»? -, James Jackson Toth assume-se, sem
medo algum, com um dos principais trunfos que o leque da história recente dos
cantautores tem para nos oferecer. Concerto soberbo e, claramente, o primeiro
grande concerto do Reverence Valada. (8/10)
Passar dos
ritmos mais calminhos da folk de
Jackson Toth para o turbilhão dos SUNFLARE
não correu bem – e talvez isto nem se tivesse dado por culpa dos próprios Sunflare.
Os lisboetas têm ideias salubres e sabem aquilo que estão a fazer, só ainda não
sabem bem aquilo que realmente querem; sabe bem em estúdio, mas falta ainda
aprimorar para a passagem para o palco. Esperemos por uma nova oportunidade. (4,5/10)
Os CAVE também prometiam, mas acabámos por
sair de lá defraudados – é o problema de grande parte dos discos de space-rock; enfatiza-se demasiado a
produção dos discos e quando estes passam para o palco vinca-se a falta dos
tais pós mágicos. Numa mixórdia que assume os sintetizadores como um dos
principais fios condutores da sonoridade, houve pouquíssimo espaço para que se
ouvissem as guitarras e o baixo, que acaba por ser preponderante na génese
musical, visto que uma das principais influências prende-se ao krautrock, o que desmoronou a ideia de
que aqui podia estar uma das surpresas do festival, infelizmente. (4/10)
E por falar
em surpresas do festival – e não que não contássemos com isso -, os RINGO DEATHSTARR foram um dos nomes
maiores da tarde do primeiro dia do Reverence
Valada e tudo porque saíram da forma pela qual mais os conhecíamos.
Contrariamente ao que mostram em estúdio, a patente My Bloody Valentine quase não pesa em palco – há muita noise pop e pouco shoegaze, desprezam-se as vozes abafadas e passam-se a criar
melodias que nos são familiares pelo carácter alegre que albergam com isso – a performance
de “So High” foi um dos momentos altos do dia - e, acima de tudo, faz-se aquilo
que quase nunca acontece em palco quando assistimos a um concerto que repesque
o legado de Loveless: eles mexem-se e
mexem-se bem. Naturalmente, um dos melhores concertos da tarde. (7,5/10)
Seguiam-se
os WOODS, que chegavam numa altura propícia
para os receber – estávamos no final da tarde e nada melhor que um som bonito e
atrevido para aquela hora. Vinham para apresentar o seu mais recente disco,
intitulado With Light and With Love,
mas também sem esquecer o seu belíssimo Bend
Beyond, de 2012. Versáteis, foram constantemente alternando entra uma
vertente de singer-songwriter, que
nos faz facilmente lembrar a doçura dos Wilco,
e uma vertente mais mexida onde as jams assumem
um papel fulcral – e, curiosamente, foi precisamente aí que o concerto foi
melhor. (7/10)
20h, abria o
palco Reverence: a banda responsável
pela abertura do palco principal do Reverence
Valada nunca na vida podia esconder de onde vinha – os THE WYTCHES são britânicos e isso nota-se em todos os aspectos: no
próprio sotaque, na maneira de actuar em palco e na maneira como não conseguem
disfarçar os seus fascínios por uma tal de banda chamada Arctic Monkeys. Nos dois primeiros pontos, não existe qualquer tipo
de problema. A partir daí é que já começam a surgir, porque apesar destes
mostrarem mais do que AM mostrou, por
exemplo, jamais poderá ser algo comparável com os primeiros trabalhos dos
Monkeys, trabalhos esses onde o r&b começou a ser implementado no rock. Não soube mal, mas já ouvimos a mesma coisa
só que melhor. (5/10)
Naquele
palco tocaram de seguida os Swervedriver, banda que do pouco que vimos não nos impressionou
e que, por isso, trouxe-nos a oportunidade para irmos até à vila carregar
baterias para o concerto dos RED FANG.
Assim foi, chegou-se ao Palco Reverence
de baterias carregadas para vermos uma das últimas esperanças que surgiu para a
salvação do espírito rock – equipados a rigor (se bem nos recordamos, o
baixista dos Red Fang estava equipado com uma camisola dos míticos Slint), os norte-americanos fizeram com
que se desse o primeiro crowdsurfing da
história do Reverence Valada. De onde
estávamos posicionados não víamos suficientemente bem, mas acredita-se que
também foram pais do primeiro mosh.
Percebe-se porquê: os Red Fang são
uma banda sem merdas no que toca a atirar-nos às feras e ainda bem, ainda bem –
existisse mais rock assim. Tocaram-nos canções de todo o seu reportório
discográfico, incluindo do seu disco homónimo de 2009, e foram responsáveis
pelo início do despertar da luz. (8/10)
Despertar de
luz que só continuou depois dos Graveyard
terem ido embora do palco: chegava a hora dos ELECTIC WIZARD. Começava a hora de abanar o pescoço
incessantemente, chegava a hora dos tempos de abano entre todos os
festivaleiros ser medido pelo tempo certeiro que o baterista dos demorava a
bater com as suas baquetas nos pratos da bateria – e certo é que estava tudo
perfeitamente compassado. O som podia estar mais alto, é verdade – diz que a
partir da minha casa, em Aveiro, não ouviram nenhum barulho do concerto a
circular pela atmosfera -, mas a cena é que a passagem dos Electric Wizard pelo
Palco Reverence foi, à falta de
melhor termo, do caralho. Para que se desse efectivamente a consolidação do stoner enquanto género musical, existe um
nome que jamais nos podemos esquecer: o dos Sleep. Os Electric Wizard
são seus fiéis seguidores e têm em Dopethrone
um dos melhores discos da história do género – foram tocadas desse disco duas
canções, curiosamente das melhores: “Dopethrone” e “Funerapolis”. A um ritmo
certeiro, e com a promessa que os #4 Asteróides / Asteroid #4 chegavam durante
a tarde, houve a desordem: os quatro asteróides chegavam ali àquela hora e eram
os quatro elementos da banda britânica. Traziam consigo imenso peso e a ideia
de que os graves que saiam daquele baixo ecoavam todas as redondezas –
felizmente, que se saiba, não houve tentativas de suicídio por parte dos
habitantes da Valada. Tudo correu como esperado: concerto do dia, do festival,
do ano, de sempre. Pode nem ter sido assim (não foi), mas no meio do turbilhão
sonoro que disparava contra nós foi com essa ideia que abandonámos o Palco Reverence. Despediram-se com “Black
Mass”. (9/10)
Dali para a
frente os concertos iriam decorrer nos palcos secundários, dando-se por
encerrada a fase do Palco Reverence.
Eram duas da manhã e chegava a vez dos portugueses PROCESS OF GUILT, responsáveis per um dos melhores discos do ano em
2012 com Faemin. Têm tanto poder que
nem parecem de onde são: quem diria que havia eborenses a tirar horas de sono
ao tempinho da sesta em pleno Alentejo. Os Process of Guilt tinham uma missão
espinhosa pela frente: tocar depois do assombro que foi o concerto de Electric
Wizard. Não se deram mal, longe disso: foram responsáveis pelo continuar de uma
luminosidade que não se sentira durante a tarde, dando um concerto intenso e
triunfal. Não é muito fácil estipular uma barreira para podermos definir os
PoG; tanto se prendem à lentidão do doom
como fazem transições repentinas para o post-metal
que uns tais de Cult of Luna têm libertado
por aí. Não escondendo as influências, a tarefa acresce em termos de
dificuldade; porém, qual dificuldade qual quê. Não sendo únicos, os portugueses
têm sangue frio e instinto animal, transportando-nos com uma frieza incrível
das ambiências típicas daquilo que é selado pelo “pós” para a entropia e o
inferno que se vai pintando através de gritos que vão nascendo de uma voz que,
diga-se de passagem, é uma das melhores vozes que podemos encontrar no metal
hoje em dia. Berrando, gritando ou contemplando: rubricou-se um dos melhores
concertos do dia naquela que é, cada vez mais, uma das melhores bandas de metal
do panorama europeu. (8,5/10)
Voltámos à
carga em THE TELESCOPES e, uma vez
mais, a luz continuava. Mais experimentais do que em estúdio e também menos
preocupados com a vertente shoegaze que
ladeia as suas composições, saímos do concerto de The Telescopes sem saber
quantas ou quais as músicas que tocaram e a verdade é que esta é também a magia
de ver um concerto ao vivo: o factor surpresa. Os The Telescopes surpreenderam
em todos os aspectos, menos num: já sabíamos que iria ser um grande concerto.
Assim foi. (8/10)
O último concerto
do dia que vimos também falava português: chegava a hora dos BLACK BOMBAIM mostrarem porque é que
são, neste momento, uma das maiores bandas do mundo (e tenho a perfeita noção
que isto jamais poderá ser considerado uma hipérbole) disto a que chamamos de psych-rock. E é fácil perceber porque é
que isso acontece: têm três elementos com uma qualidade tremenda e dentro do
mesmo estilo musical conseguem fazer música para quem não gosta dos estilos que
se encontram desse próprio estilo. Se não gostarmos de stoner, temos lá as guitarras que nos transporta para uma maresia espacial. Se não gostarmos de stoner nem de
space rock, podemos interpretar os barcelenses com uma nova vaga quem nascido do
krautrock: batida contínua, baixo em grande destaque e uma guitarra que quando
aparece, regra geral, é para partir a loiça toda. O facto de serem quatro da
manhã em nada afectou os acontecimentos: iam-nos descarregando uma energia
incrível. É a tal história: no Reverence somos, ou éramos, veículos em que o
combustível eram os decibéis que saíam a partir de cada concerto. Aqui
conseguimos encher o depósito; a luz continuava. (8,5/10)
Texto por Emanuel
Graça
Fotografias por José Vidal
Fotografias por José Vidal
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