quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O EXPERIMENTAR - Entrevista

É a partir da primeira edição dos Prémios Megafone que sobressai uma das mais belas aventuras da música portuguesa dos últimos tempos. Transglobal, underground, nem muito tradicional, tão pouco vanguardista, que nem DJ Shadow nem os Gaiteiros de Lisboa recusariam em pleno calçadão de Copacabana.
O protagonista é o açoriano Pedro Lucas aka Septimus Warren 
Smith, que embora não se tenha sobreposto aos Galandum Galundaina em Outubro de 2010, mostrava o percurso de regresso à música tradicional com que convivia de perto na infância e se desligou quando passou a adolescente. Depois de estudar e aperfeiçoar, na teoria e no terreno, a sua cidadania musical, aquilo que era inicialmente uma brincadeira transformou-se no convite para que todos pudessem redescobrir o cancioneiro das ilhas e, em especial, "O Cantar Na M' Incomoda", disco do ex-vocalista da Brigada Vítor Jara e membro do Trio Fragata Carlos Medeiros que passou quase despercebido por entre o universo da música tradicional portuguesa há mais de 15 anos. Nascia assim O Experimentar Na M' Incomoda, a amizade e respeito por Carlos Medeiros mantém-se até hoje, mas O Experimentar Na M' Incomoda é agora apenas O Experimentar.
Silenciosamente despertou e silenciosamente hibernou, mas a dupla Medeiros/Lucas, recolectores de inspiração mútua, volta ao continente em Outubro como parte do cartaz da 8ª edição do Jameson Urban Routes para estrear novas paisagens de um novo disco. Pedro Lucas, a determinada altura agente e promotor na editora Transformadores, conta agora um pouco mais sobre a evolução e transformação deste projecto e daqueles que o rodeiam. Uma prova de amor em nome de qualquer português. 





BandCom (BC): “O Experimentar Na M’ Incomoda” era simplesmente um nome extenso e/ou já desadequado para este projecto ou o experimentar já não vos incomoda de todo?

Pedro Lucas (PL): Experimentar nunca incomodou de todo. A mudança de nome foi só uma simplificação. 



BC: Antes de O Experimentar, tiveram o sonho de ser rockstars ou apenas sonha(ra)m ser portugueses bem sucedidos e conquistar o Mundo com a tradição portuguesa mas de uma forma diferente da que religiosamente é conhecida lá fora? Pensaram alguma vez em regressar ao passado e a outros projectos que por lá ficaram?

PL: Em primeiro lugar sempre estiveram os discos, o desafio de fazer música de que gostasse e a ideia de construir um percurso. Esta sempre foi a forma de “conquistar o mundo”, a tradição portuguesa nunca foi um meio para chegar a lado nenhum. Quanto ao passado dá sempre para lá regressar e buscar ideias.


BC: Ainda se surpreendem a redescobrir o cancioneiro tradicional açoriano? Este pano de fundo açoriano vai-se manter ou antes dar lugar a outras inspirações? 

PL: O Experimentar neste está em hibernação. Se voltarmos a fazer alguma coisa será com outra matriz. Se bem que ainda há um ou outro tema que ficou por gravar.
  

BC: As opções que tomaram para reinventar alguns dos temas com que se foram deparando reflectem mais o que ouvem/ouviam ou o que se adequa em específico a alguma canção?

PL: Obviamente, os dois.





BC: A ambição de O Experimentar com o agitar das raízes tem paralelo evidente recentemente, talvez, em B Fachada e nos Ermo. O trabalho de outras pessoas ligadas à música tradicional portuguesa, como executantes ou colectores, serve como uma fonte de inspiração ou como um alerta para saberem por onde querem e não querem ir?

PL: Mais uma vez, serve para ambos. 


BC: Apesar da primeira edição dos Prémios Megafone ter sido ganha pelos Galandum Galundaina, com quem o João Aguardela queria ter colaborado, para O Experimentar ficou, apesar de tudo, uma menção honrosa de realce para o futuro e uma relação com A Naifa aprofundada ao nível da colaboração da Mitó e do Luís Varatojo em alguns concertos e do António Bragança na produção dos vossos discos. É uma relação próxima, de respeito/admiração, a que se mantém? 

PL: (Correção, o Luís nunca tocou connosco). A Naifa, cujos elementos fazem parte da Associação Megafone, acarinhou e apoiou muito este projecto desde o berço, quase, e só lhes devo gratidão. Existe de facto respeito e admiração mútuos, pelo trabalho de cada um. Na realidade, há pouco tempo em conversa com o Pedro Gaspar, chegámos à conclusão que uma continuação d’O Experimentar passaria muito por seguir a fórmula que eles encontraram, que é perfeita - fazer música original e moderna a partir de poesia contemporânea, utilizando influências de música tradicional. Obviamente que nós teríamos de encontrar o nosso próprio caminho.

BC: Já este ano morreu, entre outros, Manuel Medeiros Ferreira, o autor das “Ilhas de Bruma”, canção que felizmente puderam revisitar no primeiro volume. Temem que, com o passar do tempo, seja cada vez mais difícil trabalhar com ou ter a opinião de quem originalmente escreveu as canções?

PL: É um grande privilégio ter podido sentar-me com o Manuel Ferreira num jardim em Ponta Delgada e ter-lhe mostrado a minha versão das "Ilhas de Bruma" mas de certa forma é só isso. É preciso aproveitar as oportunidades mas a vida continua. Se não poder trabalhar com X terei de ir à procura de Y e isso vai ser um trabalho diferente, mas não faz mal.  


BC: Quem é que nomeariam para uma edição futura dos Prémios Megafone e, por outro lado, elegem para a vossa playlist entre os artistas nacionais? E por que razões?

PL: Nâo vou nomear ninguém mas posso dar uma lista de coisas que gosto de ouvir (e por ordem alfabética): B Fachada, Buraka [Som Sistema], Capitão Fausto, Dead Combo, Ermo, Filho da Mãe, Lula Pena, A Naifa, Norberto Lobo, Ricardo Ribeiro, [The Legendary] Tiger Man, Throes + The Shine, Zeca Medeiros...muitos mais. 





BC: Toda a imagem de O Experimentar, desde as capas dos discos aos respectivos videoclips, tem em linha de conta ou em linha de horizonte o que se quer transmitir com a música produzida?

PL: Sim. Não esquecer os vídeos dos concertos. 


BC: O panorama actual da música do Mundo passa inegavelmente, a nível europeu, pelo país onde o Pedro vive, a Dinamarca, dados os hábitos de consumo do seu público e mesmo dos seus festivais. A música de O Experimentar poderá ter o seu espaço em países como a Dinamarca, mesmo que não seja algo tipicamente catalogável como música do Mundo?

PL: Discordo bastante. Não acho que Portugal seja inferior à Dinamarca de todo. O FMM e o MED têm uma programação muito mais interessante, nesse espectro musical, que o Roskilde por exemplo, que é a única coisa que tenta dar alguma visibilidade à música do Mundo (o que quer que isso seja). A música d’O Experimentar teria lugar sem dúvida em alguns circuitos aqui.


BC: O Pedro Lucas e o Carlos Medeiros vão em Outubro regressar ao Musicbox para o Jameson Urban Routes depois de outras eventos na capital como o Taina Fest em que estiveram presentes e onde o que apresentaram de novo pareceu ser ligeiramente diferente da lógica de O Experimentar dos dois discos editados. É uma linha mais orgânica de Medeiros/Lucas que deveremos aguardar para esta data e para o novo disco que irão apresentar?

PL: É uma linha diferente, e sim, é bastante mais orgânica. 


BC: E outros planos para o futuro? Regressar ao formato de banda de O Experimentar?

PL: Vamos ver. É sempre uma grande alegria conseguir juntar as pessoas que formaram O Experimentar. 



André Gomes de Abreu




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