segunda-feira, 8 de setembro de 2014

ASIMOV - Entrevista

Não é de todo ficção científica que os Brainwashed By Amalia, Mamute ou mesmo os The No-Counts Doctrine of Mayhem tenham feito parte de um pequeno grupo de verdadeiros "combatentes" que inspiraram rapidamente a diversidade actual da cena musical portuguesa quando a Merzbau e a Bor Land ainda estavam bem activas e mesmo quando os Novos Talentos FNAC não custavam meramente 4€ mas sim a presença por vários locais de música ao vivo e boas horas de pesquisa e audições.
Os Asimov, Carlos Ferreira e João Arsénio, estiveram em alguns destes momentos e agora explicam-nos que nem sempre foi tudo assim, que nem sempre o que vemos agora é o mesmo que conhecemos há alguns anos atrás mas que serviu para termos quem possa levar história musical menos mainstream nos seus dedos.
Para corolário de tudo isto, Carlos Ferreira aceitou responder a algumas questões sobre uma das bandas que se estreia ao vivo em festivais de maior dimensão na muito refrescante armada portuguesa do Reverence Valada, festival deveras evocativo dos rios que delimitaram e delimitam alguns focos de vida artística e editorial, e que estará a poucas horas de diferença a tocar com referências basilares da sua sonoridade. Descubram as diferenças, se faz favor. 






BandCom (BC): Se pensarmos na obra do Asimov, com que livro mais se identificam? Porquê?

Carlos Ferreira (CF): Creio que é a colecção de contos "Nove Amanhãs". Como fã dos Hawkwind, interessei-me por ficção científica no final dos anos 90. Nomes como Robert Moorcock, Philip K. Dick e Isaac Asimov apareciam referenciados várias vezes mestres do sci-fi. Então, quando encontrei o "Nove Amanhãs", comprei para saber ao certo quem era o Asimov e o que é que ele escrevia ao certo. Desde essa altura, já li vários livros dele mas tenho um carinho especial por esses nove contos de um futuro não tão fantasioso quanto isso.


BC: Os Asimov têm cerca de 3 anos de existência, já uma experiência de palco assinalável e parecem estar com condições para lançar-se para outros voos maiores. Apesar de já terem estado noutras bandas, sentem que o tempo que estão a demorar a ganhar notoriedade poderá ser inferior pelas experiências do passado?

CF: A nossa ideia é um pouco "quando as coisas tiverem de acontecer, acontecem". Claro que o facto de já termos alguma experiência nos dá um pouco mais de traquejo para evitar erros do passado mas não temos pressa de chegar a algum lado específico. Temos os nossos objectivos mas gostamos de fazer as coisas à nossa maneira e ao nosso ritmo. Assim não estamos tão dependentes de ninguém ou tão permeáveis ao que é esperado de uma banda de heavy psych rock como a nossa.


BC: “Overseas” significa “ultramar”. Tendo nós um “Ultramar” no passado, este novo trabalho é feito do imaginário que se alicerça nessa análise às raízes passadas?

CF: Não necessariamente numa análise profunda mas numa análise mais pessoal de quem teve os pais na guerra. Podemos realmente falar a fundo sobre o que achamos do conflito e de como achamos que ainda não há uma grande noção do que foi a guerra colonial e do que implica ter de viver em situação de guerra. A angústia da partida e a dúvida sobre se aquela pessoa volta intacta e pelo seu pé ou se volta estropiada ou numa caixa deve ser tão terrível que não há como o imaginar.
O nosso foco recaiu em como é que terá sido para os nossos pais estar numa guerra. Pura e simplesmente, é-nos inconcebível a ideia de "viver em guerra". Para mais, nós somos a geração que nasceu depois da guerra e do fascismo. O nosso primeiro contacto com esses tempos vem de histórias que os nossos pais nos contam quase como histórias da carochinha e não como reais. Não temos como saber como é que seria. Como é que seria ir para África em busca de algo melhor, sem saber à custa de quê e de quem e deparar-nos com a realidade vivida no local? Como será ter 18/20 anos e ser enviado para outro continente para combater quando só se quer é viver a vidinha? Em parte, é uma homenagem aos nossos pais. Não como soldados ou pelos seus feitos militares mas sim como putos que tiveram de passar por situações extremas só porque lhes disseram que era o que tinha de ser feito.





BC: Do primeiro para o segundo disco o que sentem que muda? É uma abordagem diferente às mesmas referências ou a um maior número de referências? 

CF: Para nós, o segundo disco é uma continuação do primeiro. É óbvio que há diferenças entre os dois. Enquanto o "Algures No Mundo É Noite" tinha o conceito de fazer um álbum de classic rock à anos 70, com os clichés e o azeite envolvido, neste quisemos fazer algo mais refinado. Não que tenha sido pensado clinicamente. Foi um processo natural e esperamos evoluir no próximo disco sem que percamos contacto com o que nós começámos a fazer no primeiro e segundo disco.


BC: Estando os Asimov fortemente ligados ao rock n’roll, mais ou menos psicadélico, blues, folk ou stoner, quanta é a capacidade de invenção que sobra quando já tantos nomes sonantes tentaram seguir os mesmos caminhos e internacionalmente há cada vez mais banda a saírem do underground com as mesmas referências? Por outro lado, notamos que as músicas de Asimov têm tendência a não se estenderem muito e a serem mais directas. É algo que vos agrada/já compuseram outras canções mais compridas que vos agradassem para além da “Grim Harvest...”, da “On Through The Night” e da “Kingsize Mark”?

CF: Nós nunca fizemos músicas com a ideia que têm que ter "X" duração. Acontece. Quando compomos, é um processo quase instintivo de definir para onde é que a música vai. Uma música tanto pode ir até aos dois minutos, como pode ir até aos dez e como tanto pode ultrapassar os quinze minutos. Só porque tocamos um estilo que tem músicas longas como imagem de marca, não quer dizer que o tenhamos de fazer obrigatoriamente.
Quanto à capacidade de invenção, isso depende de coisas que não se explicam como, por exemplo, a inspiração. É diferente de pessoa para pessoa e a mesma referência pode inspirar visões diferentes. É como contar uma história mas com outro ponto de vista, outras metáforas e outras imagens.


BC: Os Asimov são um dos casos de uma banda que tem a sua própria editora para lançar os seus discos – neste caso, a BlackCat Records 1965. Não há espaço para a vossa música ou, contudo, há também a vontade de usar a BlackCat para dar espaço a outras bandas que apreciam?

CF: Há espaço para os nossos discos mas em vez de perdermos tempo à procura de uma editora, enviarmos demos e ficarmos à espera de uma resposta, como já fizemos com bandas anteriores onde tocámos, decidimos tomar uma atitude mais "do it yourself" e lançarmos nós o disco. Apesar de ser uma estratégia mais associada ao punk/hardcore, há uma quantidade infindável de bandas heavy rock e psych que também o faziam. No punk/hardcore chama-se "do it yourself", no heavy, no psych e no rock chama-se "private pressing" mas é a mesma coisa. 
A Black Cat Records 1965 está em vias de editar um single de sete polegadas de Peter Wood, um fingerpicking folk bluesman do Cacém. Já está gravado há algum tempo mas ainda não tem data de lançamento. Como é financiada por nós, não temos como nos tornar numa editora capaz de editar muitos projectos mas talvez no futuro o consigamos fazer.


BC: O lançamento do “Overseas” veio beneficiar a vossa internacionalização?

CF: Nós temos tocado este álbum em Portugal com imensas bandas estrangeiras e isso abre logo portas de contacto para um próximo passo. Nesse sentido, o Reverence é o melhor evento para ser banda de abertura. 
Com o primeiro álbum tivemos distribuição internacional com a Clearspot/Shiny Beast da Holanda e este também lá está para o Mundo conhecer e ter acesso aos discos de Asimov. Estivemos prestes a ir duas vezes ao estrangeiro (Espanha e Escócia) mas, infelizmente, ainda não conseguimos fazer a nossa estreia fora do país. Como dissemos antes nesta entrevista, as coisas acontecem quando tiverem de acontecer e nós queremos que isso aconteça. Quando acharmos que as condições estão reunidas para o fazer, há de acontecer naturalmente.


BC: Como surge, entretanto, “Asimov Folkways”?

CF: Surge por haver interesse também no acid folk e no folk blues. No entanto, são estilos algo díspares do que fazemos como Asimov. Então, para não haver um choque entre as duas vertentes musicais, Asimov Folkways é o veículo para os nossos demónios acid delta folk blues e Asimov é o nosso veículo para os demónios do volume, distorção, fuzz e improviso.


BC: Os Asimov vão fazer parte do cartaz do Reverence Valada. Para um alinhamento tão extenso, quem é que falta neste cartaz que poderia nele encaixar e que gostariam de ver ou ouvir? Este festival é também uma oportunidade de novos nomes emergirem nos cartazes e de se mostrarem a outros palcos, a outros festivais, a outros cartazes dos quais não é fácil fazerem parte?

CF: O Reverence é um excelente cartão de visita para bandas novas ou com pouca visibilidade. Poder dizer "nós somos banda 'X' e estamos no mesmo cartaz de bandas como os Hawkwind, Electric Wizard, Red Fang ou Graveyard" é sinal de credibilidade. O convite para nós lá tocarmos não foi feito por favor mas sim pelo reconhecimento no nosso trabalho. Para mim, que ouço Hawkwind desde os nove anos, é uma espécie de sonho tornado realidade (por mais lamechas que isto possa soar). Nunca na minha vida imaginaria que um dia ia tocar no mesmo dia de Hawkwind e sei também que o João sente a mesma coisa, não só em relação aos Hawkwind como a muitas mais.
Em relação ao que faz falta ao festival, Goat é o nome que salta à vista. Sabemos que o Reverence tentou "apanhá-los" mas os suecos foram parar ao Paredes de Coura. O Reverence seria definitivamente o festival perfeito para eles em Portugal mas a vida é assim. Talvez aconteça na próxima edição do festival.


BC: Qual é a vossa opinião sobre a cena psicadélica em Portugal, quando parece haver uma tendência internacional de bandas com algumas influências psicadélicas ganharem mais notoriedade mesmo sobre bandas que se mantêm mais fiéis ao rock psicadélico?

CF: Nós tivemos uma banda chamada Brainwashed By Amalia que, tirando uma reunião em 2013 para o festival Re-Sonic Fest, tocou entre 2000 e 2005. Na altura, quando dizíamos que tocávamos rock psicadélico, muita gente não se interessou porque não era "cool" gostar de rock e, tirando um par de cromos, coleccionadores ou curiosos em música, nomes como Hawkwind, Blue Cheer, MC5 ou Thirteenth Floor Elevators não eram comuns como hoje em dia.
O que era credível era música com laptops e pós-rock. Ou então, bandas como os Strokes é que eram os grandes salvadores do rock (em detrimento de bandas mais genuínas nesse papel como os Make Up). A ser mais direccionado para os anos 60, era o garage. Música psicadélica era reduzida a Hippies e Woodstock e rock era reduzido ao azeite de um best of do 2001, a discoteca Catedral do Rock no Autódromo do Estoril. Havia também pessoal que, se agora anda a tocar música psicadélica, na altura estava preso a estilos como o hardcore ou o grunge de um modo quase fundamentalista. 
Para nós, é bom que haja esta atenção mas pode haver o risco de saturação e de os media classificarem tudo como psicadélico, desviando talvez a atenção de bandas que andem a fazer este tipo de música há mais tempo. Na verdade, o que é ser psicadélico. Pode tomar tantas formas. Até os ABBA têm músicas que podem ser consideradas psicadélicas.





BC: A Internet é uma ajuda decisiva a que o mapa do rock psicadélico passe a incluir 
Portugal e que o mapa musical português passe a descentralizar música e associar 
outras cidades a outra oferta musical?

CF: A Internet é uma ajuda. Dilui distâncias. Ao mesmo tempo, há tanta informação a rolar em simultâneo que não há como gerir tanta informação ao mesmo tempo. Mas, de facto, quebra barreiras e é mais fácil para sítios como Barcelos passar de ser um ponto de referência nacional a referência internacional. Torna também mais fácil explorar a cena underground de países como a Suécia, Austrália, Brasil ou Japão.


BC: Como vêem o futuro de Asimov? Quais os vossos planos?

CF: De momento, já temos concertos agendados até Outubro e mais alguns em vista para Novembro. Também estamos a compor o nosso terceiro disco com planos de o começar a gravar em breve. Aliás, já tocamos imensas músicas novas nos concertos que não vêm em nenhum álbum e que farão parte desse terceiro disco. Queríamos ver também se conseguíamos finalmente tocar fora do país. Cá dentro, queremos chegar a mais gente e sair mais vezes de Lisboa e da zona Centro. 
Basicamente, vamos continuar a fazer o que temos feito até agora, tentar chegar ao maior número de pessoas possível e tocar o máximo de vezes possível. Já dizia o outro: "it's a long way to the top if you want to rock and roll"!


André Gomes de Abreu




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