domingo, 24 de agosto de 2014

FUSING CULTURE EXPERIENCE 2014 - DIA 3




Ao terceiro e último dia, o FUSING Culture Experience contava com um sol a queimar, menos vento para incomodar, mais artistas para ver e continuava a parecer que estava tudo a começar de novo nas próximas horas quando o fim estava já aí e, verdade se diga, cheio de momentos para voltar a contar com a energia de dias anteriores, mesmo que o alinhamento musical tivesse algumas pequenas nuances dignas de relevo.  

Não foi o caso do Cooking Lounge Pingo Doce, que continuou a ser um oásis de boa programação nesta edição do FUSING, e apropriadamente um "Rebento" com o luxuoso RED Trio de Rodrigo Pinheiro, Gabriel Ferrandini e Hernâni Faustino naquele que foi o concerto de jazz mais eléctrico, e por isso mais aproximado a algo como free rock, que teve lugar neste pequeno palco em que há que virar costas à ala gastronómica do festival por uma bela paisagem em fundo. Sem contrabaixo e piano acústico, o baixo e o piano eléctrico juntam-se à bateria num tornear de tons, ritmos e técnicas que recriam o tempo e o caos para a formação de um trio de jazz tão tradicionalmente explorado, menos de certeza a avançar, a improvisar, com segurança, ao objectivo de longo alcance de todos os vértices e de quantos mais intervenientes se lhes juntassem. Um curto seminário que só poderíamos esperar de três virtuosos como estes, a provar a grande mais-valia da parceria local com a excelência do Jazz Ao Centro Clube.


Para além da estreia, mais tarde, do projecto When The Angels Breathe nos palcos, era também altura de debute em grandes palcos para 6 bandas seleccionadas através do concurso de bandas "Da Garagem ao Palco", promovido pela organização do festival. Aproveitando melhor ou pior o pouco tempo que tinham para mostrar trabalho, em alguns casos, mesmo já editado, os PITCH, Marvin, HRRA, Lupiter, Les Crazy Coconuts e Bearbug abriram o Palco Experience aos festivaleiros e ocuparam-no até à chegada de Orlando Santos. Surpreendentemente, os Bearbug garantiram a passagem para o Palco Fusing na edição de 2015, mas há outra grande certeza: há tempo e necessidade de trabalhar para que o talento se esmere. 

De seguida, no Palco Experience, a variedade da música portuguesa foi novamente mais do que representada com a presença de Orlando Santos, o intérprete e colaborador, entre outros temas, dos famosos "Since You’ve Been Gone" dos Orelha Negra e "Time Out" de Branko. Ainda com pouca gente no recinto, o reggae do artista soou particularmente bem naquele momento do dia, com o sol a cair por detrás do mar, mesmo que a comunicação com o público da belíssima voz soul do autor de "My Soul" e primo de Kika Santos, novamente acompanhado pelos Jahmmin, não tivesse de todo sido bem sucedida e explorada ou consubstanciada, um pouco à semelhança da sua música a que falta ainda dar passos mais significativos.    




É um Bernardo Fachada solitário, claramente diferente mas não menos incrível na sua simplicidade e inspiração que encontramos pouco depois no Palco Fusing. É visível a necessidade e inesperado o resultado de explorar o pouco que se define cruzando irremediavelmente amores e desamores pela electrónica e métrica do cancioneiro português: por muito que o público tentasse combater, a atenção foi toda para "Criôlo" e o mais recente "B Fachada", o que não impediu um "Zé!" arrancado acapella e um delicioso "Não Pratico Habilidades" com pretexto para uma das tiradas saborosamente mordazes do costume face à maior reacção do público nas grades: "Sim, esta é boa e as outras são uma merda!". Numa agradável surpresa, a assistência não descolou e entrou em saudável confronto com o músico quando não estava a soltar grandes gargalhadas nos momentos entre canções. No final de um dos concertos de alma cheia deste FUSING, com "Tó-Zé" a ecoar, o B não caiu em definitivo do "one man band", do "legendary" B Fachada, mas onde ficaram os gritos orgásmicos de "É Normal"?  

Pelas 23h, foi a vez de David Francisco, cara bem conhecida da música portuguesa pela sua presença no grupo Uni_form, entrar em cena com o post-rock já não a solo When The Angels Breathe. Ao FUSING faltava uma banda sonora que ilustrasse na perfeição a ascensão épica de um conceito único em Portugal, o de juntar a música à arte, à gastronomia e ao desporto. Poder-se-á dizer que este tipo de música adaptar-se-ia melhor ao cenário figueirense post-23h, talvez longe da Figueira que imaginamos ao vermos fotografias que a retratam. Mas há em When the Angels Breathe o sopro melancólico que nos faz chorar por mais, por mais música portuguesa, por mais música desta, por mais FUSINGS que proporcionem a emergência de grupos deste gabarito. É verdade que a atuação enorme do Tigerman acabou por chamar toda a atenção do público, que a pouco e pouco foi abandonando o Palco Experience, com a excepção de alguns resistentes ao apelo do conhecido. E para o próximo ano, porque não, poderia muito bem dar o salto para o palco maior... "Savage", "Magdalena" e "Dark Wolf" foram alguns dos temas que os fãs reconheceram e que se tornaram ainda mais pujantes com a forte presença em palco do David e dos seus parceiros, entre os quais se alistaram João Pedro dos Murdering Tripping Blues, (Luís) Azevedo Silva e também os Opus Diabolicum.

Sobretudo com a influência de Alexandre Frazão na bateria, a música dos Dead Combo sai reforçada quando tem de o ser, as suas qualidades e veios são desenvencilhadas a 100% e criam mais facilmente o ambiente necessário para grandes palcos, mesmo que clássicos como "Rodada" percam uma boa parte da sua magia e cadência. Ainda que a música dos Dead Combo seja feita de uma portugalidade - sim, aquela genuína que está mesmo e sempre à nossa frente - que engrandece a adequação e intepretação por parte de um país da globalidade das canções de todos os outros, havia que crescer e esse trabalho foi feito para deixar Tó Trips e Pedro Gonçalves sem grandes problemas na altura de se apresentarem a partir do seu novo cantinho quase relicário a uma esfera pública altamente ruidosa. Do novo "A Bunch of Meninos", "Miúdas e Motas", "Dos Rios" e uma "Waits" que é a "Temptation" que não se esquece, mesmo para a enchente que surge atrasada em relação às indescritíveis "Lusitânia Playboys", "Eléctrica Cadente", "Pacheco" e "Mr. Eastwood".
Há quem diga que este novo arranjo espacial com tradução artística é inferior ou superior ao formato anterior; na realidade é diferente e incomparável.





































A Ana Miró já conhece bem os cantos da Figueira. No ano passado, tinha atuado com as costas viradas para o mar e tinha surpreendido com as sonoridades asiáticas de JIBÓIA quem ainda não a conhecia. Este ano, a Sequin defendeu o seu disco "Penélope" acompanhada por um teclista, com uma audiência bem composta e pronta para dançar ao ritmo das soantes "Beijing" e "Naïve". Para os mais emotivos e adeptos das sensações planantes e chill do palco Experience, a primeira música tocada, "Meth Monster", foi mais que convincente.

Parece que nem todas as expectativas estavam concentradas no que Paulo Furtado faria como The Legendary Tiger Man - se calhar falar de ir para casa e fazer amor a famílias com crianças pequenas não é aceitável para quem se afasta gradualmente da restante assistência ao nosso lado - mas este foi sem dúvida o momento de transcendência que faltava ao Palco Fusing até à altura, onde se cumpriu o rock n' roll que entre dentes se prometia e que salvou segundo Moisés o concerto dos PAUS - e não falamos apenas da quebra das barreiras de segurança finalmente conseguida. Que "True" é um dos discos do ano e mais uma obra de arte blues-rock suada e bem junta ao ouvido como se quer e quando já não se imaginava como poderia ser excitante, isso é um preconceito. Colocar estas e tantas outras verdadeiras malhas num alinhamento rumo a um clímax de alívio, de libertação de energia num ambiente perto do saudável descontrolo em que todos são personagens principais, isso é simplesmente parte de The Legendary Tiger Man. O crescimento que cada vez menos palcos receiam e o FUSING reconhece aos seus convidados musicais tem que incluir os cavalheiros Paulo Segadães e João Cabrita, fundamentais para despegarmos dos clássicos como "Big Black Boat" que conservam o espaço de Paulo Furtado em frente a uma multidão de "gente de bem" e continuar-se a dizer "não" ao cativeiro de banda mas poder-se gozar do nervo a pulsar, da batida a sujar, dos coros a abater drones imaginários - não fosse assim e não poderia haver o punk daquele "Let's Do The Bird All Night Long", daquele "Danse Craze", daquele "21st Century Rock n' Roll" no epílogo. Antes disso, a versão do clássico de Lee Hazelwood e imortalizado por tantos outros "These Boots Are Made For Nothing" e a reunião com os Dead Combo não para os "Blues da Tanga", mas sim para uma versão em família de outro clássico, "Teenage Kicks", dos The Undertones.         

A tarefa de tocar no palco principal depois dos ogres Dead Combo e The Legendary Tiger Man não é fácil para ninguém, nem mesmo para o grupo que deu o melhor concerto da primeira edição deste evento, os PAUS. Consciente de que a participação do público ia ser mais que necessária para reeditar a atuação do ano passado, o baterista Hélio Morais pediu aos seguranças que deixassem uma parte do público entrar no acesso reservado aos fotógrafos. A banda nem tinha começado a tocar e já tinha a Figueira toda no bolso. “Eu não toco enquanto não abrirem as barreiras”, ousou o baterista aliando-se às palavras proferidas já no primeiro dia do festival por Capicua e instantes antes por Paulo Furtado. A partir daí, explodiram as baterias, numa desgarrada que não parecia deixar nenhuma chance ao guitarrista e ao teclista. Erro de quem não os conhece, pois por detrás da violência há sempre uma grande harmonia tanto quando são tocados os singles mais antigos como “Deixa-me Ser” ou “Mudo e Surdo” como quando são tocados os mais recentes “Bandeira Branca” ou o próximo single “Cume” do novo registo "Clarão". Ainda tiveram tempo para deixar alguns recados ao Governo, às gerações portuguesas mais jovens mas também ao facto de ser raro num festival em Portugal haver tantos fotógrafos a imortalizar os seus concertos. Uma aparição em grande, perfeitamente adequada para fechar um palco Fusing repleto de estrelas.

Numa fase em que os festivais de música portuguesa estão na moda, o FUSING Culture Experience percebe ao segundo ano que a diferença cria-se com todas as actividades paralelas à música, que ajudam a envolver pessoas no conceito, mas também construindo um futuro, com memória e com artistas internacionais que afastem a terrível ditadura do nacionalismo/proteccionismo barato e hipócrita. Para primeira tentativa, há a felicidade (menos na tesouraria) de estar à vista que os artistas nacionais não esquecem o festival e que as pessoas não os poderão ignorar no melhor do "seu" festival.
Não se deve repetir um fim-de-semana tão concorrido em matéria de acontecimentos de celebração da música portuguesa - o calendário tem 51 outros, estamos num país pequeno, em crise e podemos passar a ver sempre "os mesmos" também em festivais que teimarão sempre em não desistir -, não podemos morrer pelo realismo da estupidez. Como o Centro de Portugal tem direito a um espectáculo destes dividido por vários dias, é altura de fazer contas ao que se tem que afinar e estimar as redes de afecto e de parceria que tão bem suportam o FUSING Culture Experience. Os Bearbug voltam para o ano e parece que não serão os únicos.  







Textos de André Gomes de Abreu e Mickaël C. de Oliveira
Créditos das fotografias: Organização do FUSING Culture Experience




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