segunda-feira, 9 de junho de 2014

NOS PRIMAVERA SOUND 2014 - DIA 0 E DIA 1

É sempre fatídico; durante a época primaveril dos últimos três anos, todos os caminhos nos têm levado ao sítio do costume. E não, não falamos do poderio bélico romano – é já unânime olharmos para o Parque da Cidade, Porto, como um espaço de convívio e devoção onde a linguagem é universal. Fala-se, respira-se e sente-se música. Outrora Optimus Primavera Sound, o agora NOS Primavera Sound encarregou-se de nos trazer uma vasta quantidade de nomes assinaláveis ao longo dos três dias de festival (caso para dizer que a tradição se cumpriu). A novidade deste ano na programação do evento deu-se com uma Primavera nas Virtudes, onde os portugueses Sopa de Pedra e os Dead Combo tiveram a honra de dar as boas vindas aos festivaleiros.

Chegámos às Virtudes depois do concerto de Sopa de Pedra e ainda a tempo das primeiras canções de Tó Trips e Pedro Gonçalves. Repletas de gente, as Virtudes revelaram-se uma paisagem perfeita para o sentimento mais do que português que os DEAD COMBO fazem brotar a cada instante sem que para isso o tenham de restringir à ponta esquerda Ibérica – o perfil norte-americano também está sempre presente (o western, o blues e o jazz), assim como as tonalidades figuradas pelo ritmos quentes oriundos de África. Jamais lhes poderíamos chamar A Bunch of Meninos, título do último disco da banda lisboeta. No mínimo, seriam A Bunch of Senhores – senhores amigos do sol e do revestimento solarengo que estabelecem em cada um dos sorrisos que se vão esboçando na cara de quem os vê, senhores maduros e senhores de si. Sangue lusco a correr-lhes pelas veias como quase ninguém, tocam “Esse olhar que era só teu”. Faz sentido; ser português é nunca comer queijo, é comer barras de nostalgia que teimarão sempre em não se desvanecer da nossa despensa. Habitualmente, não desiludem. Ali também não o fizeram: o coro imitador do ritmo de “Lisboa Mulata” assim o confirmou. Grandes.



Depois de um fogo-de-artifício a dar as boas vindas ao NOS Primavera Sound, depois de terminado o dia zero do NPS, depois de umas horas de descanso e de, para os mais sortudos, uma francesinha no bucho ao almoço, o Parque da Cidade decidia abrir as portas. Entrámos a horas mais do que decentes de ver OS DA CIDADE, dupla que reúne, entre outros, Miguel Araújo (d’Os Azeitonas) a António Zambujo. Em fachadês, diz-se que vocês curtem é Zambujo. Acaba por ser verdade: Zambujo tem construído uma carreira sólida e tem conseguido captar muita atenção por parte de um público que tem teimado em parar de crescer. Sobre Araújo e os Azeitonas, idem. Juntos, existe ainda uma possibilidade maior de chegar a mais gente. Embora a sua identidade não fosse muito semelhante à porrada de nomes que iriam encher o NPS, a verdade é que o concerto que abriu oficialmente o festival portuense correu bem. Por entre as piadas de que as gentes só lá iam par ver Caetano Veloso, desvendaram-se alguns temas de Zambujo ou d’Os Azeitonas interpretados em conjunto por todos aqueles que eram da Cidade, mas também foi possível a alguns bons momentos de descontracção onde se parafraseou algumas das canções icónicas da música portuguesa: “Dunas” ou “Não Há Estrelas No Céu” foram apenas algumas delas.



A língua portuguesa foi quem mais reinou nos tempos primórdios da edição de 2014 do Primavera Sound versão portuguesa; RODRIGO AMARANTE, por volta das 19h, chegou ao palco Super Bock para nos trazer Cavalo, um dos discos mais vistosos do ano passado. Depois do legado prolífero que construiu com Los Hermanos, Rodrigo Amarante lançou-se à música brasileira em nome próprio e acabou por conferir-lhe uma das melhores coisas que ela viu nascer nos últimos tempos. Simpatia em palco, foi-se desdobrando entre o piano (onde tocou temas como “Cavalo” ou a estrondosa “Fall Asleep”) e a guitarra, entre a língua portuguesa, a francesa ou a inglesa, mas mantendo sempre um sorriso vincado no seu rosto (possivelmente porque Portugal é um dos países onde não se gera uma barreira linguística quando o ouvimos). Tal como nos deixou, o concerto foi um dos mais felizes de todo o festival e isso nem mesmo os momentos mais tristes e cinzentos que canções como “Irene” ou “Tardei” nos trazem apagou. Terminou em extrema beleza: todos brasileirámos (e ainda viríamos a brasileirar mais em Caetano) e dançámos em “Maná”; estava feito um dos melhores concertos do primeiro dia.




SPOON era o nome que se seguia. Sem nunca se transcenderem, os norte-americanos acabaram por dar um concerto minimamente agradável onde os seus tempos mais idos se pautaram como os seus melhores. Apesar de não parecer, Britt Daniel & companhia contam já com mais de duas décadas de existência e a verdade é que em palco isso pouco se nota: a sua sonoridade juvenil e altamente propícia a não ficarmos quietos pesa muito. No fim, não saímos insatisfeitos do palco Super Bock (ao contrário do que, confesso, esperava). Tendo raízes nacionais, SKY FERREIRA era a mulher que todos queriam ver a seguir (em alguns casos, era apenas quem interessava – que o diga a plateia das primeiras filas, raparigas ainda na casa dos 16 ou 17 anos que passaram o tempo a guardar o seu lugar de ouro na frente do palco Super Bock. Night Time, My Time, disco editado em 2013, tinha sido uma lufada de ar fresco na indústria pop e as expectativas para ver um dos nomes da música massiva mais idiossincráticos dos últimos tempos era grande. Felizmente, não fomos defraudados; SKY FERREIRA deu um concerto bastante interessante, mas pouco homogéneo e regular (como, de resto, é o seu disco). É óbvio que o ponto forte da norte-americana prende-se ao modo como suaviza de uma maneira impensável a noise pop que reveste parte das suas canções (paroxismos disso são músicas como “Omanko”, “Boys”, “Heavy Metal Heart” ou a magnífica “I Will”), o resto acaba por passar um pouco ao lado mesmo tendo sido os momentos que causaram uma maior euforia na plateia. Tanto lhe faz, diz “I Blame Myself” ao mesmo tempo que caminha a passos largos para montra da pop – e, para isso, a tour com Miley Cyrus ajudou ao crescimento da sua identidade. Em palco, é elegância pura que nem se vê/mostra e que desmistifica qualquer paradigma da pop; no fim, depois de um belíssimo concerto, só tivemos pena de não ter havido cosplay da capa do álbum. Ah, mas que merda!



A Bossa Nova é foda? Bem, é-o às vezes. Bem, para o dinossauro CAETANO VELOSO parece sempre ser. A passagem de um dos nomes maiores da história da música popular brasileira pelo Parque da Cidade foi monumental e o presságio da bossa nova ser foda foi logo dado na primeira jogada. Abraçaço, disco editado em 2012 e último disco de uma carreira que já conta com mais anos do que quase todos nós, pede uma banda de apoio (o próprio a apresenta como sendo a Banda Cê (C.), mais tarde popularizada como Banda C, Banda do Caralho) que nos leva para bem longe a ideia de ver CAETANO VELOSO em palco desprovido de banda, desprovido de companheiros. Ganhamos e ganhámos todos; sentimo-nos todos amigos, sentimos uma cumplicidade mútua. Exclamámos em uníssono que a bossa nova era foda e jamais, depois de um concerto como aquele, equacionámos mudar a opinião geral. Triste, mas feliz (bem constatável pela parabenização feita logo nos primeiros instantes do espectáculo; não será novidade nenhuma assumir uma veia triste perante as letras persuasivas de Veloso, ele próprio o diz «Estou triste, tão triste. Estou muito triste. Mais triste que o ligar mais frio do rio, o meu quarto», contudo não nos passa outra coisa que não a felicidade quando nos deparamos com a riqueza que Caetano nos traz. Irreversivelmente um senhor-canção, trouxe-nos, para além das canções mais recentes, alguns temas clássicos com óbvio destaque para “Leãozinho” – onde toda a moldura humana foi cantora e companheira. Possivelmente, superando as expectativas de muitos (eu inclusive), CAETANO VELOSO acabou por dar um dos grandes concertos do festival (que todos os abraçaços fossem tão foda como o imaginário que foi estabelecido entre nós e o músico brasileiro) em que, uma vez mais, brasileirámos que nos fartámos.



Superar o concerto anteriormente descrito adivinha-se complicado; as primeiras a tentar fazê-lo (mesmo que o fosse impensável) seriam as HAIM. Fotogénicas, atrevidas e quase horríveis em questões de estúdio, as norte-americanas tinham em Days are Gone o maior leque de trunfos para (tentar) contagiar o público. Totalmente diferentes daquilo que nos mostram em estúdio, mas mantendo sempre um perfil de diferenciação ao longo do decorrer do concerto, as HAIM mostram que respiram mais rock daquilo que se pode pensar e que afinal não são assim tão más (6/10).

Dentro da actualidade do hip-hop mundial poucos são aqueles com tomates suficientes para rivalizar com o poderio de Kanye West; um dessa lista é obrigatoriamente o nome de KENDRICK LAMAR. Tal como aquilo que tinha acontecido em Sky Ferreira, havia imensa gente a guardar os primeiros lugares para o concerto do rapper norte-americano. Subiu ao Palco NOS quando faltavam poucos minutos para que se fizesse chegar a uma da manhã; contrariamente ao que acontece em discos fê-lo com uma banda de apoio para reforçar a vertente instrumental de M.A.A.D City, disco que o catapultou para a ribalta. Rapidamente nos lançou às feras e aos subúrbios de uma região metaforicamente destroçada «Quem quer vir comigo até à West Coast?»



Fomos com ele sem medos até atracarmos em Compton. Por lá diz-se que ele é rei, mas a figura que este em cima do palco NOS também o foi mesmo milhares de kilómetros de distância a separar os dois espaços. Ver KENDRICK LAMAR em palco com uma banda de apoio foi arrebatador (quase tanto como as histórias avassaladoras de Compton que nos são retratadas incessantemente pelo próprio); assistiu-se a um senhor espectáculo, dançou-se como se não houvesse coisas a acontecer no dia seguinte, fizeram-se vénias múltiplas àquele que, não duvidamos, deixará um legado bem próprio na história do hip-hop. Por entre as canções e uns desaparecimentos do palco por parte de Kendrick para, possivelmente, fumar porrinhos, um olhar por aqui e por ali: liam-se cartazes na primeira fila onde de escrevia “Obrigado por nos trazeres o hip-hop de volta». Não sabemos se ele o trouxe de volta, na verdade suspeitamos que ele sempre por cá esteve, mas jamais poderemos negar que um disco como Good Kid, M.A.A.D. City veio dar um novo ânimo ao hip-hop. Despediu-se com um «I’ll be back, I’ll be back». Vamos esperar, seguramente, mas por agora resta-nos agradecer-lhe (pelo concerto e pelo disco e por, já agora, uma canção como “Sing about me, I’m Dying of Thirst”); estava superada a barreira imposta por Veloso.
O primeiro dia encerraria, pouco depois, ao som dos interessantes, mas inócuos,
JAGWAR MA.


Texto por Emanuel Graça
Fotografias cedidas pela organização
(créditos: Hugo Lima)




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