segunda-feira, 30 de junho de 2014

3/1 #2: Todo o hip-hop instrumental tem a sua voz












É comum ouvir-se, seja no próprio meio do hip-hop nacional ou no exterior, que falta profissionalismo e seriedade ao hip-hop português. Em 2006, Rocky Marsiano dizia numa entrevista: “Acho que muito poucos vêem isto de uma forma profissional e isso reflecte-se na maneira como nos vêem de fora. Se calhar olham para nós de uma maneira muito diferente daquilo que eu gostava que nos vissem. Existe muita imaginação e talento no hip-hop em Portugal, só que falta depois esse à-vontade… talvez mais experiência e idade”. Não se fala portanto de falta de ideias, de originalidade, mas sim do alcançar do último degrau - dificilmente atingível, é verdade - pelo pouco dinheiro que ainda hoje flui nessa área mas também por falta de apoios e por culpa também de certos estereótipos. 
No entanto, há que salientar que o hip-hop instrumental nacional, sombra e essência do hip-hop português, tem dado bons frutos.
Exemplos máximos dessa boa colheita: os registos de Rocky Marsiano (aka D-Mars), um dos avós da cena nacional, Roulet, da casa ENCHUFADA, e MOZE.



Dado o boom de bandas e beatmakers que apareceram graças à banalização da Internet, no hip-hop, como em todos os géneros musicais, impera o reino da quantidade.
Para se desmarcar, trazer a sua pedra ao edifício, o beatmaker cada vez mais tem de ir beber no seu íntimo profundo para extrair dele a peça fundamental que fará dele um elemento crucial e relevante. 

Nesse campo, onde Rocky Marsiano celebrou o Brasil, o funk e o jazz, Roulet seguiu o caminho mais sinuoso do zouk, da kizomba, do R&B e do kuduro, género que até agora mais lhe associávamos. 
A viver actualmente em Amesterdão, Rocky Marsiano quis neste álbum transmitir um espírito de verão, contrastando com o ambiente frio que o rodeava. Do seu "Music for All Seasons" sobressai uma pesquisa sofisticada, cool, lounge, bem acompanhada nalguns temas pelas vozes sublimes e bem-vindas de Yinske Silva e de Bruce James, em "Standing". O espírito festivo e dançável não é levado ao extremo, nunca se utilizando os brasileirismos como clichés mas empregando respeito maxímo. 

No caso de Roulet, a ousadia é maior. Porquê? Aparentemente, a credibilização do kuduro ou mesmo de quase tudo o que vem de África como influências claras e benéficas para a evolução da música eletrónica e/ou rock 
em Portugal não está ainda totalmente finalizada - “Tanto azeite”, lia-se num dos primeiros comentários feitos em directo ao Boiler Room em que passou DJ Marfox. Contra isso, Roulet apostou claramente em todos os ambientes musicais que associamos aos PALOPS e acrescentou-lhes o R&B, a soul e o zouk. "Beats d’Amor" soa quase como uma declaração de amor a todos esses géneros que sempre o influenciaram mas que só agora se traduzem em música sua. O resultado é claramente positivo, original e demonstra que Roulet tem tudo do músico instrumental multifacetado, tanto no kuduro como no zouk, como também na vertente chill que desenvolveu em "Home Again".

No caso de MOZE, se a capa é bem sugestiva, no conteúdo de "Best of Nothing" ouvem-se laivos agradáveis de electrónica onírica, pontuados com EUA e, na segunda metade, com a presença assídua do piano, glorificada no angustiante "Goodbye". Mais uma vez, impera neste registo a mestria e a versatilidade do artista, que vai beber a todos os géneros os elementos plásticos da sua obra musical de hip-hop, de qualidade acima da média.


Mickaël C. de Oliveira




0 comentários:

Enviar um comentário

Twitter Facebook More

 
Powered by Blogger | Printable Coupons