Na língua portuguesa, Ermo pode ser adjetivo ou substantivo masculino. Se por um lado significa "o que está só, solitário", por outro está associado a um "lugar desabitado, deserto". Composta por António (voz) e Bernardo, a banda homónima natural de Braga encontra-se de algum modo ligada à raíz da palavra, tendo sido uma das revelações do passado ano na música portuguesa. O seu percurso artístico é traçado essencialmente por terras lusitanas, mas conta já com alguns tentáculos investidos em conquistas além fronteiras. E se houve garantidamente sucesso com o álbum "Vem Por Aqui", lançado em parceria com a Optimus Discos, o novo ano tem vindo a trazer a continuação da apresentação deste trabalho (entre as várias atuações poder-se-á destacar a mais recente no SWR Barroselas Metalfest), mas também a preparação do EP que será lançado ainda em 2014.
Bandcom (BC): Ermo é, sobretudo, intervenção. Que inquietações, que artistas (além do “padrinho” Adolfo Luxúria Canibal), que livros, que Braga (para além do “Projéctil”) vos move para criar a vossa música?
Ermo (EM): Ermo é sobretudo intervenção se quisermos ver o projecto dessa forma. O “Vem por Aqui” é um disco mais etnográfico que outra coisa. O facto de falarmos sobre um país degradado não quer dizer que o pretendemos salvar ou que queremos puxar pelas pessoas para lutar por ele. Cada vez mais sentimos uma indiferença enorme face a tudo o que se está a passar. Talvez isso nos torne miúdos imaturos, mas estamos na idade certa para o ser. Quanto a influências, não gostamos muito de falar sobre isso. Não consigo dizer onde vamos buscar o quê, mas sim, Braga é provavelmente o factor mais decisivo na música que fazemos, quer seja pela ambiência da cidade ou pela arte que se lá se pratica e praticou.
BC: A vossa música destaca-se pelo minimalismo do instrumental onde letras com fortes referências ao país se vão desenvolvendo na ironia de que "tudo correrá bem". Como acontece o vosso processo de composição? Quem trata de que parte? As vossas ideias são semelhantes ou complementam-se entre si?
EM: Eu (António) e o Bernardo fazemos tudo a 50/50, basicamente. Escrevemos letras e compomos instrumentais juntos. Só na parte da execução é que os papeis se dividem e acho que essa é que é a piada do processo de composição. Se as nossas ideias são semelhantes, já não sei. Um dia que ambos tenhamos projectos a solo vamos todos descobrir.
BC: Os Ermo fizeram parte da colectânea "Novos Talentos FNAC" com "Primavera". Há espaço para os novos talentos em Portugal? Sentem que está mais difícil ou mais fácil procurar o vosso próprio espaço?
EM: Não sei. Creio que os novos talentos estão sempre a nascer, difícil é ouvir falar deles. Cada vez mais a imprensa dedicada a música alternativa se deixa levar por hypes e promotoras que estão em voga. Isso é tanto uma coisa má como uma coisa boa. A crescente organização neste meio pode vir a dar num seio musical português bastante sólido e é para lá que caminha. A ver vamos.
BC: O tratamento do Luís “Stereoboy” Salgado na parte da produção é uma lição para no futuro procurar novamente quem entenda tanto do orgânico como do maquinal para um resultado final satisfatório para a vossa música?
EM: Sim, trabalhar com o Salgado foi uma experiência fantástica. Aprendemos imenso e, sempre que estamos a trabalhar em algo novo, fazemos questão de o consultar para saber a opinião dele. Talvez isso venha a dar lugar a mais colaborações futuras.
BC: Contavam com o sucesso do "Vem Por Aqui"? De que maneira isso influenciou o traçar de novos caminhos?
EM: Sim, estávamos cientes de que o disco estava bom e que o público ia aderir à sonoridade. Acho que a recepção por parte do público e as críticas influenciam sempre o que vem depois, mas como foi isso que aconteceu, não sei como seria de outra forma. No entanto há críticas e críticas e, por vezes, há uma ou outra que nos chama a atenção para outros caminhos que podemos tomar, nas entre-linhas. Ou, pelo menos, é essa a maneira que as lemos.
BC: O “Vem Por Aqui” continua disponível para “download” gratuito via Optimus Discos, o EP homónimo também…é ou não, de certo modo, apocalíptico que encontremos tanta e cada vez mais música de forma gratuita?
EM: Tem dois lados. Claro que cada vez mais, muita música passa ao lado de muita gente, mas é impossível negar que o download gratuíto nos permite fazer quase uma enciclopédia musical no nosso PC.
BC: Além da referência com o título, o vosso LP consegue associar-se muito perfeitamente à ideia transmitida por José Régio em "O Cântico Negro". A influência e importância de autores como José Régio, O’Neill, é algo que para vós está perfeitamente reconhecida em Portugal?
EM: Acho que a influência desse tipo de autores é tanto consciente como inconsciente. Acho que toda a arte que consumimos nos influencia mais tarde ou mais cedo e, toda a gente, acaba por ter contacto com os artistas portugueses, quer queira, quer não.
BC: Durante as vossas performances é interessante reparar no modo como o António aborda todo o contexto em que a vossa música coloca o público, assumindo uma postura singular em palco. Como costumam as pessoas reagir a essa teatralidade em palco, ao caderno preto com os textos que o António costuma recitar?
EM: Acho que, acima de tudo, a minha performance, ou como lhe preferires chamar, deixa as pessoas desconfortáveis, tanto pela vergonha alheia ou pela surpresa de ver alguém em convulsão em palco durante uma hora. Isso é algo que me agrada.
BC: Que apoios mais têm sido importantes e com quem gostariam de trabalhar a curto prazo? O do NAAM Barroselas será certamente um dos apoios importantes…
EM: Sim, a NAAM foi uma das melhores coisas que já nos aconteceu. Contamos com o apoio de quase toda a gente com quem já trabalhámos, porque fazemos questão de desenvolver sempre relações pessoais com quem vamos encontrando pelo caminho. Não temos propriamente a ambição de trabalhar com alguém em específico, mas qualquer pessoa que tenha interesse em ajudar-nos a crescer é totalmente bem vinda.
BC: Os momentos que marcam até agora a vossa carreira estão mais dentro ou fora de Portugal? Que recepção tiveram nos palcos estrangeiros que já pisaram?
EM: Dentro, claro. Lá fora correu tudo bem. Tínhamos gente à nossa espera em algumas cidades e conseguimos encher alguns espaços. Impressionou-me o facto de termos tido uma óptima reacção... Pensei que as letras se tornariam um entrave, mas pelos vistos não. Acho que a expressividade é mais importante que as palavras, por vezes.
BC: O Entremuralhas e o SWR Barroselas Metalfest, em que actuam este ano, são festivais à imagem dos Ermo?
EM: Qualquer festival pode ser um festival à nossa imagem. Fazemos questão de adequar o nosso espetáculo aos sítios onde vamos, portanto não me parece que haverá grandes problemas além da estranheza que já nos é habitual.
BC: O “Amor vezes Quatro”, que andam a preparar, é um EP em que é tudo novas composições ou músicas antigas que poderiam ter feito parte do “Vem Por Aqui”? Algum conceito por detrás deste novo trabalho? Ainda o ouviremos este ano em disco ou apenas ao vivo?
EM: Nenhuma das músicas podia ter entrado no “Vem por Aqui”. São músicas muito libidinosas. Extremamente pessoais, aparte da Recreio, que já podem conhecer num show case que fizemos, recentemente, para a Yellow Glasses. O disco sai ainda este ano e é sobre 4 perspectivas diferentes de amor, num som bastante mais cru do que habituámos o nosso público.
BC: Compreender o passado para construir o futuro, regressar às raízes musicais e analisar algo do que já se fez, é essencial para também construir sonoridades de vanguarda?
EM: Totalmente. O futuro é sempre uma recriação do passado. De uma maneira ou de outra.
BC: O que é ser português?
EM: Ser português é apertar o cinto e, ainda assim, ficar com o rego de fora.
João Gil
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