domingo, 2 de março de 2014

FILHO DA MÃE: ENTREVISTA



No ano passado, Filho da Mãe editou "Cabeça", segundo disco a solo do artista que vai caminhando no sentido de ser uma referência na música nacional quando de guitarra se fala. O próprio álbum foi bastante bem recebido pela crítica, encontrando-se no presente ano a ser apresentado em diversos concertos (um dos quais aconteceu no Passos Manuel, o qual poderão ler mais aqui).

O Bandcom foi conversar com Filho de Mãe e desenterrar alguns segredos por detrás do seu trabalho.


Bandcom (BC): Como se conta uma história com um instrumento e seis cordas?

Filho da Mãe (FM): Depende da história que queres contar. Eu vou deixando que os dedos a levem, às vezes paro e interfiro outras vezes não. Muitas vezes não tenho história nenhuma para contar.


BC: E como surgiu a pessoa "Filho da Mãe" enquadrada nesse contexto? Até que ponto ela se aproxima e distancia do próprio Rui? "Eu sou o Filho da Mãe e vocês também" é a frase que mais ninguém teria coragem de dizer?

FM: Não creio... não tem muito de coragem.. aliás, nem creio que a coragem interesse muito a quem se deslocou a um concerto ou comprou um disco. Também não é uma catch frase. Filho da Mãe ou Rui trata-se da mesma pessoa, embora às vezes até a mim me pareça que existe alguma diferença... muitos dos meus amigos tratam-me por filho da mãe... ou pior... não sei que te diga.


BC: Li que nunca tiveste qualquer formação em guitarra. Que pontos essenciais da tua aprendizagem achaste cruciais para a carreira que tens vindo a construir?

FM: Essencialmente tocar com amigos desde miúdo. Acho que foi assim que aprendi e fui ouvindo coisas novas... acho que maior parte das pessoas mais próximas que tocam aprenderam da mesma maneira, com ou sem escola. 


BC: Quando se ouve um projeto que seja meramente instrumental é perfeitamente normal ele poder tornar-se uma soundtrack para pensamentos que não sofram a forte influência da componente temática de uma letra, por exemplo. O que te passa, como autor, pela cabeça quando apresentas o projeto ao vivo e és só tu e a guitarra em palco?

FM: Muita coisa, mas nada de interessante do ponto de vista musical...admito que tenho de fazer algum esforço para me concentrar só no que ouço e no que sinto. Não creio que tenha imagens na cabeça ao vivo, é uma espécie de salto para a água...tento fazer o que posso até mergulhar e sobretudo não bater com a nuca na prancha. Ás vezes a maior influência para uma letra é a música que lhe antecede. É tão natural uma coisa como a outra.




BC: Sem a ajuda da parte lírica, como surgem os nomes das várias faixas? Se existem, quais as referências? Ou essas referências surgem por si mesmas, após dado o nome?

FM: Não te consigo dar referências. Os nomes fazem sentido maior parte das vezes depois de ter surgido a música ou parte dela. Algumas vezes já tenho algo na cabeça e tento concretizar essa coisa esquisita de definir com palavras...daí a música.


BC: Reparámos que no decorrer do teu processo de gravação vão surgindo detalhes interessantes, como a tua respiração, o arrastar da cadeira ou aquilo que parece ser o pousar da guitarra. São apenas particularidades que quiseste deixar estar, ou pretendes influenciar de algum modo o ouvinte a enquadrar a música em algo que é capaz de se tornar visual?

FM: Esse tipo de coisas ajudam, para mim, a transportar a pessoa que ouve o disco até à sala onde o gravei... é bom por isso... mas não mais importante que o resto. Gosto do aspeto cru das coisas e já íamos com a ideia de aproveitar o ambiente como pudéssemos desde que fizesse sentido com a música. Ainda tentamos procurar espaços mais controlados de gravação, mas percebemos imediatamente que isso ia tirar piada à coisa.


BC: O que mudou em “Cabeça” relativamente a “Palácio”?

FM: Já me fizeram essa pergunta algumas vezes. Espero que se ouça o que tem de diferente. No fundo é um disco de guitarra, é só um disco de guitarra. O facto de ser o segundo disco acrescentou certamente algo, o ter sido gravado no Espaço do Tempo, certamente que também. Além disso foi gravado com o Guilherme Gonçalves (Gala Drop) e isso também tem impacto na criação da coisa. A este nível creio que tê-lo composto essencialmente na sala em Montemor-o-Novo e portanto ter tido menos planeamento prévio, talvez lhe tenha acrescentado um espaço nas músicas que doutro modo não teria...




BC: Como surgiu a oportunidade de gravar esse disco no Convento da Saudação?

FM: Foi um acaso feliz... surgiu a oportunidade através de um contacto comum... havia o espaço e interesse e portanto decidi aproveitar para gravar o disco.


BC: Há uns meses escrevi sobre “Cabeça” que "o resultado foi positivo, sem grandes alaridos nem destaque principal, mas também sem demónios e com muita classe." Apesar disso, sinto que esse alarido podia existir. Que principais obstáculos encontras na indústria musical portuguesa?

FM: Não percebo muito da indústria musical em Portugal ou seja onde for. Passo pouco tempo a refletir esses assuntos. Acho que o que vai acontecendo na escala em que vai acontecendo já me surpreende bastante. Não tenho grandes ambições a nível de alarido ou destaque. Creio que é compreensível, dada a natureza do som, que a coisa não chegue propriamente aos “tops” ou a certos meios, e isso – não que interesse muito - é certamente compatível com a minha natureza. No entanto, sinto que cada vez mais pessoas ouvem e se deslocam aos concertos e sobretudo que entendem o que estão a ouvir no disco ou no palco. Os obstáculos são outros... esses estão por todo o lado.


BC: Como surgiu a colaboração na edição vinil com a Lovers & Lollypops? Apesar da edição de autor, foi importante ter esse nome de alguma forma associado ao álbum?

FM: É uma ideia antiga finalmente posta em prática. É óbvio que é importante, mas não no sentido de ter um “nome” associado ao álbum. Gosto de estar associado com aquelas pessoas e o trabalho que desenvolvem...na verdade, sinto que em relação ao Cabeça, estou bem associado em várias direcções. 


BC: Existe algum festival ou sala nacional em que tivesses algum carinho especial em um dia tocar?

FM: Porque não....no Coliseu...mas gostava de ter aquilo cheio! (muitos risos)




BC: Recentemente pisaste alguns palcos internacionais e passaste por cidades como Paris ou Londres, e mesmo Utrecht no decorrer do Le Guess Who. Como foste recebido pelo público? Tens tido sucesso a exportar a tua música?

FM: Creio que por vicio profissional maior parte das pessoas têm o hábito de usar termos como “exportação” que se aplicam mais a outros ramos da actividade económica. Quero que mais gente ouça, quero mais palcos e pessoas diferentes a olhar para mim no palco - talvez com estranheza - mas não tenho falsas esperanças de me “exportar” na verdadeira acessão do termo... a música é feita para se espalhar, não é para ficar contida em espaços pequenos delimitados por fronteiras que não fazem musicalmente sentido nenhum. Pegar nos ouvidos de muita gente? Isso já é outro fenómeno e desse também não percebo nada... até agora tem corrido tudo muito bem e mais experiências fora de Portugal se parecem erguer no horizonte.


BC: E mais concretamente sobre Londres, notaste que pelo facto de o evento ser organizado pela “The Portuguese Conspiracy” tornou-o mais virado para a comunidade emigrante nessa cidade ou, pelo contrário, houve uma maior curiosidade pelos locais por conhecer o que de música se faz em Portugal?

FM: Estão a começar o trabalho, acho que a coisa vai a pouco e pouco. Já há gente local com interesse e claro que lá estavam a ouvir e comprar discos, mas naturalmente pegou mais facilmente na nova vaga dos portugueses emigrados. Adorei o convite e adorei lá estar. Espero que o projecto lhes corra pelo melhor.


BC: E quanto a 2014? Novidades com os If Lucy Fell, ou estarás mais concentrado no projeto Filho da Mãe? Antecipa-nos um pouco a tua agenda nos próximos tempos. Que podemos esperar desses concertos?

FM: Quero tocar o "Cabeça" por aí... estou a alinhavar as datas dos próximos meses mas divulgo tudo ao mesmo tempo quando as definir de uma vez por todas. Em relação a Lucy, lamento não poder dizer nada em relação a isso. (mais risos)


João Gil
Fotografia por Rodolfo Rodrigues




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