domingo, 23 de fevereiro de 2014

PERNAS DE ALICATE : ENTREVISTA


Começou por música e alastrou-se pela imagem. Desde então tem-se feito tanto de vontade como de momentos. Pernas de Alicate resultam da harmonia criativa de Carlos Bb e Sara Feio. De um lado, encontros de músicos improváveis em novos terrenos, sempre com Carlos na bateria como condutor. Do outro, diferentes expressões visuais a pensar em conjunto com Sara. “Mosca” e “Barba” são os dois primeiros rebentos, onde gente como Alex Klimovitsky (Youthless), Miguel Nicolau (Memória de Peixe), Guilherme Gonçalves (Gala Drop) ou Fábio Jevelim (Riding Pânico) foram alguns dos intervenientes. Canções perversas (entendam-no como elogio), imprevisivelmente desviantes, com argumentos e personalidade para se tornarem das mais originais experiências da música portuguesa dos últimos tempos. Os vídeos e todas as direcções da produção visual reforçam ainda a ideia de que não se pode dissociar o som da paisagem, ou vice-versa. 

Aqui não há EP’s nem álbuns, há instantes. Mas há que dar-lhes corpo também. É por isso mesmo que sai agora uma edição limitada em formato mini-livro com inúmeros pormenores coleccionados. Uma espécie de arquivo de todo o trabalho feito. Colaborações visuais, fotografias soltas, letras das músicas e a possibilidade de download dos dois temas já lançados, com um bónus extra: os remixes de "Mosca" por Dj Ride e de "Barba" pelos Octapush. Sim, podemos contar com mais material em erupção. Atípicos na abordagem, no método e nas estruturas de trabalho, apostam neste livro como primeiro lançamento físico resultante do percurso-experiência Pernas de Alicate

Como se não bastasse o terceiro tema está a ser trabalhado para Março. Já sabemos que há um talentoso baterista e uma inventiva ilustradora aos comandos, resta-nos esperar pelo resto. Esperar que vai ser diferente é o mais acertado. 



Bandcom (BC): Como surgiu esta união entre os dois?

Carlos BB (C): Foi um desenrolar de acontecimentos. Eu sou baterista e dono do Black Sheep Studios, e quis juntar o útil ao agradável: aproveitar o espaço que tenho, as ideias de beats que queria experimentar e os contactos que fui fazendo para criar um projecto de colaborações sobre o qual tivesse controlo. Logo de início percebi que ia necessitar de um bom suporte visual para chegar até onde queria e a Sara começou por dar uns pézinhos de dança no projecto a fazer fotos e ilustrações. Aconteceu que ela criou uma imagem tão sólida do projecto que achei logo ali que faria todo o sentido convidá-la para se juntar a mim. E assim surgiu a dupla Pernas de Alicate.


BC: Vêm esta fusão dos componentes imagem-som, como cada vez mais uma necessidade actual para as novas bandas?

C: Acho que no nosso projecto funciona muito bem, agora cada um sabe o que é melhor para o seu projecto ou qual o caminho a seguir. Mas na nossa opinião a imagem é cada vez mais importante. Se formos a ver quase toda a gente ouve música no youtube e se lançares uma música na internet sem ser acompanhada por um vídeo se calhar chega a menos gente.

Sara Feio (SF): Mas se o vídeo for mau também te pode estragar a música… Ter vídeo só por ter às vezes pode ser pior.  Falando de maneira geral, sinto que a maioria das bandas portuguesas só agora é que começa a ter uma preocupação maior com a imagem. A imagem não tem de ser um assunto pesado, pode ser algo muito divertido, mas tem de ter qualidade e contar uma história no mesmo tom que a música. No caso de Pernas é diferente porque não somos uma banda, o nosso projecto tem estas duas vertentes que estão unidas mas que também funcionam muito bem em separado uma da outra.






BC: Carlos, a construção das canções de Pernas é particularmente peculiar, fala-nos mais sobre este processo.

C: É uma nova abordagem, aqui não há uma banda a compôr as músicas nem há ensaios.  É tudo muito imediato, eu sento-me na bateria e descarrego ideias que tenho sem ter qualquer preocupação ou referência do que poderá vir a seguir. Geralmente no caso de uma banda existe a preocupação de compôr em conjunto mas em Pernas sou eu que inicio o processo e dou a base, ou a estrutura, para o que que virá a seguir e vou acompanhando os próximos passos como Produtor. 
Depois de gravada a bateria (e às vezes também algumas percussões) vou convidando músicos um a um para virem ao estúdio deixar o seu contributo musical, sem nunca cruzarem caminho com os outros convidados. 
Convido pessoas com base no que conheço do trabalho deles, por admirar o modo como tocam ou compõe ou cantam, quer os conheça pessoalmente ou não. É engraçado ver a forma como cada um vai reagindo às pontas soltas que o músico anterior deixou. Há sempre um momento inicial de pânico e de pressão em cada um.
No fim de todos terem gravado faço uma selecção de takes e depois é feita uma edição e por fim a música é misturada e masterizada.


BC: É fácil chegar a um consenso de ideias, de coerência e coesão sonora? Dado que existe a participação de uma panóplia de artistas dos mais variados géneros da música desde o pop ao post-rock.

C: Quem decide o caminho da música sou eu mas não de uma forma rígida, existe muita liberdade para se experimentar e testar.
Basicamente o que acontece é que, como bom Produtor que sou, sugo a Alma aos músicos! Eles chegam ao estúdio e tento espremer todo o sumo e todas as potencialidades dos convidados. Geralmente prefiro gravar a mais do que a menos e só posteriormente num processo de edição é escolho o caminho a seguir. 
Posso desde já dizer que às vezes as pistas gravadas para 1 música davam para fazer mais 10 músicas diferentes…
Isto tem o lado bom e o mau: é mais fácil chegar à ideia final por não estar dependente de ninguém, mas é também uma pressão muito maior porque me preocupo em respeitar ao máximo o que cada convidado trouxe para a mesa. O risco e a responsabilidade caem apenas sobre mim e confesso que isso às vezes tornas-se um pouco assustador, mas não sou pessoa de desistir e com o tempo e as experiências feitas até agora estou cada vez mais a perder esse medo de arriscar.


BC: A introdução da voz nos singles teve que ver com uma preocupação acrescida para tornar as canções mais acessíveis ao público? Tendo em conta que provém de uma linha mais pop.

C: Não foi nada disso, não tenho a preocupação de tornar as músicas mais ou menos pop ou mais acessíveis ao público. A parte boa de Pernas é que tanto eu como a Sara usamos o projecto para explorar ideias que temos, para colaborar com pessoas talentosas e para libertar o nosso caos mental. 
Como não é nem um projeto lucrativo nem uma banda onde temos de consultar outras pessoas, fazemos basicamente o que nos apetece, ela na parte visual, eu na música.
Apeteceu-me ouvir vozes nestes temas, e correu bem. Mas se para o próximo me apetecer fazer uma música instrumental não me seria algo de novo, faço e pronto.


BC: Costumas ter um certo cuidado, preocupação para antever e colocares-te no papel dos músicos convidados que vão construir a partir da tua batida?

C: Eu já escolho os convidados a pensar no desafio que lhes vou dar, a ideia é dificultar-lhes a vida ao máximo! Para mim isso torna a construção da música muito mais aliciante e desafiante. O plano é criar um certo desconforto, obrigá-los a trabalhar mais e a puxar pela sua criatividade.


BC: Teres um estúdio devidamente equipado e com a experiência do Black Sheep Studio torna tudo mais fácil?

C: Sim. Tenho acesso a material como deve ser, a óptimos técnicos e a inspiração que não teria se não tivesse um estúdio. 
Tenho a possibilidade de poder gravar quase quando quero e também de ter conhecido alguns dos músicos que participaram nos temas gravados através do Black Sheep. 
E é claro que havendo um espaço para fazer estas colaborações musicais o processo de construção das músicas torna-se um pouco menos dispendioso, monetariamente falando, mas mesmo assim não tanto como gostava.


BC: Sara, em relação à parte visual fala-nos sobre o processo, também assentas a construção da narrativa na improvisação?

SF: Quanto às fotos, ilustrações ou animações, é tudo muito espontâneo. Tanto do meu lado - tenho ideias e ponho-as no papel (ou no computador) - como do lado dos convidados. Quando os contacto faço-o com uma ideia em mente mas dou-lhes muita liberdade para a transformarem à sua maneira sem me explicarem o que vão fazer.
A narrativa dos vídeos é uma história diferente, é sempre bem planeada. Há uma conversa entre mim e quem convido, vamos trocando ideias e parvoíces mas sou mais control freak do que o BB com os convidados dele. Claro que acaba sempre por haver muita improvisação durante as filmagens porque há imprevistos ou ideias novas que se quer experimentar na altura.
A parte menos planeada dos vídeos talvez seja a edição, porque quando começamos a construir uma narrativa ainda não existe uma música terminada. É na altura da edição que tem de haver uma junção entre a história que as imagens contam e o que a música nos faz sentir, e é aí que improvisamos mais.


BC: Tens uma preocupação acrescida em completar as paisagens melódicas construídas pelo BB e convidados?

SF: Não funciona bem assim. Quando começo a planear os vídeos com os convidados muitas vezes ainda só temos o beat da bateria, que não tem nada a ver com o resultado melódico final. A única informação que peço ao BB é a duração final da música, para perceber o tempo que tenho para brincar. 
Tento que a música só influencie os vídeos no processo de edição final, mas claro que a vou ouvindo nos seus vários estados porque o BB me vai mostrando, e porque tenho muita curiosidade! Mas também lhe vou contando as nossas ideias e mostrando imagens em construção, por isso acredito que de certa maneira,  e sem querer, nos vamos influenciando um ao outro.


BC: Como é vestir o papel de líderes de um projecto tão ambicioso e desafiante, que obriga muitos dos participantes a sair da sua zona de conforto?

C: Adoramos correr riscos e levar as coisas ao limite e é isso que queremos que os nossos convidados sintam também.  Aqui o desconforto é bem vindo e não é visto como uma coisa má, gostamos de desafiar e ser desafiados.

SF: É excitante pensar em colaborar com pessoas tão talentosas, acho que ambos temos aprendido imenso com o projecto e com estas trocas de ideias com tantas pessoas incríveis. Melhor ainda quando podemos ser nós a ter a decisão final sobre tudo o que sai. Mas claro que é super assustador pensar que temos a responsabilidade acrescida de fazer com que a interacção entre nós e os colaboradores corra bem, e de que o resultado final respeite também o trabalho deles. 


BC: Os artistas convidados sentem-se confortáveis neste mundo novo de ideias, texturas e imagéticas onde a base é a improvisação?

C: Todos os artistas têm mostrado muito interesse e abertura para experimentarem coisas e adoram a ideias do projecto. Pode haver uma ou outra situação de desconforto mas isso até é encarado como uma coisa boa, contornável, porque não há nada mais gratificante do que superar um problema ou obstáculo. Esse é o plano, superarmo-nos a nós mesmos.  


BC: Como é que se definem dentro do panorama musical luso, tratando-se de um projecto que não começa como tantos outros, com a fixação de uma formação para depois passar temas que se gravam para os concertos, e depois toda a componente visual muito presente?

C: Não gostamos de nos definir como projecto X ou Y, somos criativos e gostamos de fazer música e ilustração. A preocupação dos rótulos e de dar um nome áquilo que fazemos sinceramente não a temos. Queremos apenas fazer boa música, bons videos, boas imagens e divertir-nos com isso.





BC: O que têm pensado para 2014, como querem editar o vosso trabalho?

SF: O nosso trabalho já está editado, está online para quem o quiser ver e rever. Outros formatos que possam vir a aparecer, como foi o caso do livrinho de edição limitada a que chamamos de Edição Física, são mimos para quem gosta do projecto e quer guardar uma lembrança.
Agora em Março vamos lançar a próxima música+vídeo, online, mas aviso já que vem com um bónus! 
Depois disso não sabemos ainda, fazemos tudo passo a passo. Vão ter de ficar atentos pra ver o que acontece.


BC: Têm planos para apresentar ao vivo?

C: Por enquanto não. Uma coisa de cada vez, vamos passo a passo, música a música, vídeo a vídeo, imagem a imagem. Ainda não tivemos tempo e disponibilidade mental para pensar nisso.

SF: Temos tido vários convites para participar em festivais e eventos tanto o ano passado como para 2014, e ficamos sempre muito contentes porque é bom sinal. Mas infelizmente ainda não estamos nesse ponto.

C: Para já isso também não é uma prioridade. O tempo o dirá. 


BC: E por último, a vossa base da concepção são as pernas, e daí parte para o resto do corpo. Estão satisfeitos com o resultado anatómico final?

S: São Pernas juvenis, ainda estão a crescer. Estamos os dois muito contentes com o que temos feito e de coração cheio com o feedback que temos recebido, mas ainda há muito espaço para as Pernas ganharem músculo, para as vestir, despir, tatuar, depilar… Temos muitas ideias que queremos experimentar.


João Ribeiro




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