quarta-feira, 27 de novembro de 2013

ERMO - VEM POR AQUI (2013, OPTIMUS DISCOS)


Título: Vem Por Aqui
Edição: Novembro de 2013, Optimus Discos
Classificação final: 9.3/10

Há cerca de um ano atrás, no âmbito das nossas listas de fim de ano de 2012, onde classificámos o EP de estreia dos Ermo como um dos dez melhores EP’s nacionais do ano, dissemos que o duo bracarense formado por António Costa e Bernardo Barbosa não se resume apenas a música propriamente dita: há história e estórias, devaneios criativos como, por cá e não só, pouca gente até agora se atreveu e viagens que, a avaliar pela obra discográfica da dupla, parecem pouco preocupadas em chegar a um porto seguro.

Certamente é essa a sua intenção, a experiência de ouvir Ermo, quer no seu EP quer agora em Vem Por Aqui é abaladora, inquietante e, desculpem-me se me sirvo de hipérboles, quase única: não espanta, por isso, que no fim da viagem, no momento de atracar a caravela, desconheçamos as terras que se encontram; é um espaço novo, nunca antes, por nós, navegado, onde tudo o que lá existe e habita se resume àquilo que poucos esperariam encontrar. Sabemos apenas que é por lá, nos seus lugares mais sombrios, que os Ermo viram o seu sol, a iluminação paradoxal do seu estro, da sua essência: como sabe bem mirar um hipotético horizonte e encontrar caravelas, parte da história e glória nacional, a chegarem a novas terras em pleno século XXI, porém terras diferentes, mais tristes que outrora. Da glória dos nossos antepassados e da tristeza de Portugal versão 2013 se serve o triunfo dos Ermo.

«Porque é que queremos ser pequenos? // De lá fora cada vez mais // de Portugal cada vez menos. // Porque é que vemos sempre escuro // quando p’ra dentro nos olhamos.». Somos um país triste, com uma história irreversivelmente triste, onde a felicidade é, por estes dias, apenas uma miragem. As pessoas do nosso Portugal sabem disso, preferem ver nas conquistas do passado as alegrias dos dias de hoje; é sempre assim, hipotecando-se o futuro, deixando-o de parte, viver hoje à espera do amanhã, com o ontem sempre na lembrança. Os Ermo sabem disso e, exactamente por saberem disso, vivem no passado, no presente e no futuro: do ponto de vista lírico existem oito canções ilustrativas, ou seja, todo o disco, do ponto de vista sonoro idem; habita a certeza de que as composições mais clássicas se cruzam com os tempos futuros das composições folk.

As guitarras que outrora serviam de máxima à canção habitué da folk são, em Vem Por Aqui, substituídas por jogos concitantes de teclas e sintetizadores, sempre trabalhados com um carga electrónica bastante apreciável, e desviam-se do cliché de estarem em fase com as vozes: é demasiado evidente que a produção de Vem Por Aqui enfatiza e dá mais importância à voz de António Costa do que a tudo o resto; é ele o principal trovador do duo de Braga, é sobre ele que, como se esperava, recaem todas as atenções. António fala mais do que canta, berra mais do que murmura: podia-se, por isso, chamar Antónimo Costa que ninguém, por certo, se incomodava (matem-me).

E é por todas estas razões que Vem Por Aqui é um disco tremendo em todas as suas vertentes: esplêndido na sua plenitude enquanto registo que afilia tempos distintos da canção folk, exímio na abordagem política a interventiva que faz à sociedade portuguesa da primeira metade da segunda década do século XXI – onde as doutrinas de nomes como Fausto, Sérgio Godinho ou Zeca Afonso foram bem aprendidas – e soberbo no modo como a sua capacidade criativa consegue chamar e alertar a atenção das pessoas. “Correspondência”, “Primavera”, “Porquê?” ou “Projéctil” são apenas quatro das canções que fazem do primeiro LP dos Ermo um disco enorme, gigante. «Cala-te e come // Tu não tens fome. // És surdo e mudo // Orelhas de burro», os quatro versos delineados, escolhidos a dedo, para desenlaçar Vem Por Aqui ainda se ecoam na minha cabeça. Talvez não nos encontremos em tempos de não comer porque os outros comeram tudo e não nos deixaram nada, talvez agora a gente não coma porque não tem fome, porque somos uns burros e mesmo famintos mentimos a nós próprios dizendo que não temos fome. Afinal quem é que andamos a querer enganar? Está na hora de ver o nosso próprio sol porque Portugal está p’ra acabar e não podemos deixar o cabrão morrer.

Emanuel Graça




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