domingo, 29 de setembro de 2013

A MÚSICA PORTUGUESA QUE FRANÇA VÊ E OUVE

Na opinião de muitos portugueses, a música portuguesa que se exporta restringe-se a dois géneros e pouco mais: fado, pimba e algum material dos Buraka Som Sistema ou Moonspell. Na opinião de muitos franceses, apenas se faz fado em Portugal e nenhum país do mundo consegue transmitir a pujança e a emoção caraterísticas desse género senão Portugal. Mas se déssemos uma pequena vista de olhos na agenda dos grupos e cantores portugueses que estiveram em França nos últimos meses, tanto os franceses como os portugueses na generalidade ficariam mais que surpreendidos ao descobrir a diversidade/qualidade destes últimos.
Como é óbvio, nomes como António Zambujo, Mariza, Cristina Branco, Kátia Guerreiro, Ana Moura, Joana Amendoeira, Carminho, Camané, Mafalda Arnault, Rodrigo Costa Félix, Marta Pereira da Costa, ou se alargarmos um pouco, Deolinda e O'questrada, conseguem dar o salto muito mais facilmente do que grupos de hip-hop, de rock ou de electro - mesmo que estes cantem em inglês para facilitar a internacionalização – e beneficiam de alguns apoios financeiros e institucionais. 
São esses os artistas que alcançam as capas de jornais e revistas dedicados à lusofonia, passam nas rádios (lusas e não lusas) e enchem as maiores e mais conhecidas salas de França. Mas existem algumas excepções: Tony Carreira, claro, que enche à vontade três noites seguidas uma sala como o Zénith, e talvez os Moonspell, que estiveram recentemente no Divan du Monde e que são aclamados em França. Os Buraka Som Sistema também têm actuado assiduamente no país, mas só conseguiram recentemente a sala Hype da Gaïté Lyrique. 





Dito isto, temos na realidade um verdadeiro mar de bandas e grupos interessantíssimos que passam (quase) por completo ao lado da comunidade portuguesa de França, por falta de apoios institucionais ou pela simples inexistência de um acompanhamento por parte dos meios de comunicação luso-franceses e não só. Atualmente, a revista mensal CapMag e o semanário LusoJornal conseguem falar da realidade da música portuguesa, do pimba/folclore ao fado, passando pelo metal, a música clássica e o hip-hop, ainda que com uma abrangência a nível de géneros musicais diferente entre si.

No entanto, já se tem sentido, até na própria Rádio Alfa, algum vento de mudança, como o demonstra o cartaz da Festa dos Santos Populares que este ano apostou na Ana Moura, no José Cid, no Boss AC, na Lura e no Tim dos Xutos & Pontapés. Estamos bem longe do cartaz perfeito, mas para quem todos os anos vê um mesmo tipo de artista – Quim Barreiros, Lucenzo, etc. – não falta tudo.
Como era de esperar, o público não gosta e as mensagens postadas nas redes sociais não têm sido muito reconfortantes. E é neste limbo que podemos sublinhar o dilema de quem trabalha no meio cultural ou musical, ou até mesmo na TV : será que temos de agradar às pessoas que nos lêem e dar-lhes a mesma papinha todos os anos, ou diversificar a nossa oferta e mostrar-lhes outra coisa?

Não querendo ser ofensivo apenas contra a comunidade portuguesa de França, aproveito para deixar aqui bem visível a introdução de uma crónica que li num site francês aquando da saída do último disco dos Process of Guilt: “Não se pode dizer que Portugal ocupa um lugar preponderante no mundo da música. Tirando o fado que costumamos inserir por polidez nas músicas do mundo, é raro vir-nos alguma coisa de lá". E é mesmo isso que o francês quer quando ouve fado: o mesmo exotismo que procura quando ouve Amadou & Mariam, como se o português fosse incapaz de produzir ao mesmo nível um bom rock, um bom metal, um bom jazz, um bom hip-hop.





Ultimamente, fala-se da "Les Inrockuptibles" em Portugal pelos artistas que começam a passar por lá. O público português aplaude e os jornalistas portugueses tendem a denotar isso mesmo em artigos a lisonjear as bandas. Ok, têm todo o direito, mas reparem: para já, a Les Inrocks está a anos de luz de ter o reconhecimento que teve numa certa altura e os bons músicos franceses quase têm medo de aparecer nela. Ou seja, apareces na Les Inrocks e a tua "qualidade" musical "desaparece". 
Além disso, quase todos os artigos que falam de projetos portugueses (Gala Drop, Long Way To Alaska, :papercutz, Utter, Best Youth, X-Wife, Luísa Sobral, a Jigsaw, ...) foram ou escritos na altura de festivais ou para edições especiais para destacar um país ou por…luso-descendentes! Ou seja, a Les Inrocks ou a Libération podem escrever sobre fado, jazz ou blues de origem lusa, mas quando é para falar de géneros que não é costume associar a Portugal, lá vai o luso-descendente tentar preencher a brecha.
 

O público mais “especialista”, dentro de cada género, parece ser mais recetivo àquilo que vem do estrangeiro. Vemos isso no metal, sobretudo no hardcore, onde o próprio espírito incita à entreajuda. Bandas como os Devil in Me, An X Tasy, Process of Guilt, A Thousand Words ou More Than A Thousand já estiveram várias vezes em França, algumas delas associando-se a editoras ou a promotoras europeias. Nem sempre em salas com grandes condições, mas dentro desses géneros, são conhecidas e reconhecidas por franceses.
O mesmo acontece no mundo da música electrónica: Diamond Bass, Klipar, Karetus, Xinobi, Moullinex, Mirror People, Trikk... todos estiveram nestes últimos meses em França e em salas como o Social Club, o Wanderlust, ou o Batofar e vão aparecendo também em revistas como a Tsugi. A D.I.S.C.O.TEXAS começa a ser associada a um verdadeiro selo de qualidade e atrai cada vez mais estrangeiros, seguindo as pisadas da Enchufada. E claro, também acontecem milagres, como aquela pequena história que Noiserv nos contou em que depois de ter atuado em Guimarães acabou por receber um convite de Dijon de mulheres francesas que tinham ficado encantadas com a sua actuação.
 





Enquanto jornalistas ou simples bloggers, temos o dever de mostrar que a música portuguesa não é apenas fado, Buraka Som Sistema, Moonspell, The Legendary Tigerman, Wraygunn ou outros nomes já sedimentados no território francês. É também Throes + The Shine (a caminho de terem o mesmo reconhecimento internacional das bandas precedentes), Black Bombaim, Dead Combo, Orelha Negra, Process of Guilt, mas também a banda portuguesa que sai de Portugal de camião, sem nenhum apoio, e atua à frente de dez pessoas. Há que reequilibrar a balança e ser justo na abordagem que fazemos da música portuguesa, até porque ela nunca esteve tão bem artisticamente, apesar de nunca ter estado tão mal a nível financeiro.
A solução encontra-se possivelmente numa aliança bem maior entre os meios de comunicação luso-franceses e os franceses, pois o seu dever tem de ser o de criar uma ponte entre França e Portugal. Mas dizer isto acaba por ser um pouco utópico quando vemos o que o Consulado, os deputados luso-franceses e a Embaixada promovem, e a imagem que os franceses têm e sempre terão dos portugueses, tanto a nível social como a nível musical. 
Para acabar, queria falar-vos do caso de uma associação do sul da França, a Casa Amadis, que após ter pedido subvenções ao Languedoc-Roussillon para promover ações culturais tendo como base a lusofonia recebeu esta resposta: “La Lusophonie n’est pas dans le dictionnaire”.






Mickaël C. de Oliveira





2 comentários:

JN disse...

Muito, muito interessante o seu artigo. Dá mesmo que pensar, sobretudo para quem não está atento a estas coisas da música portuguesa em França. Interesso-me mais pela literatura e o cinema,
Tomei a liberdade de publicar o seu artigo no meu blog, criado há poucos dias portugalbrasilparis.wordpress.com e passarei a estar atento ao que for aparecendo no seu blog. Cumprimentos, João Neves

Unknown disse...

Boa noite João

Nós é que agradecemos. Esperamos que o nosso trabalho também te inspire a estares mais por dentro da música que é feita pelos portugueses em todo o Mundo.

Cumprimentos

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