domingo, 18 de agosto de 2013

NOISERV - ENTREVISTA

Instantes depois de Noiserv ter-nos oferecido um dos melhores momentos do primeiro dia da primeira edição do FUSING Culture Experience, David Santos ainda arranjou um tempinho para responder às nossas perguntas. Humilde, sincero, o artista partilhou connosco alguns detalhes da sua vida, falou-nos de algumas experiências que vivenciou no estrangeiro, de "Almost Visible Orchestra", o novo disco que chega já em Outubro, e ainda teve tempo de dar os parabéns à organização deste festival figueirense.




BandCom (BC): Quando se está a falar com um dos maiores sucessos da música portuguesa, o que nos vem logo à cabeça é perguntar-te se consegues viver só da tua arte. Ainda és engenheiro eletrotécnico?

Noiserv: 
Não, não. Trabalhei na Siemens durante dois anos e tal como engenheiro. Depois voltei para a faculdade, obtive uma bolsa de investigação e aí estive até Abril de 2011 (acho eu). A partir daí dediquei-me mais à música. Concertos, representações teatrais, cinema… Acho que em Portugal, e se calhar noutros países também, para conseguires sobreviver de uma arte que tu gostas, nunca pode ser com uma coisa apenas.


BC: A pergunta que te costumam fazer a ti e a muitos músicos é sempre a mesma: "quais são as tuas influências/ o que é que te inspira". A minha é mais assim : o que é que não te inspira ?

Noiserv: Uma cena comum, que se calhar intriga grande parte dos músicos, que é a parte das relações amorosas. É uma coisa que não me faz sentido nenhum pôr numa música. Se escreveres uma música num estado de espírito mais triste ou mais melancólico, até pode fazer algum sentido. Mas a música não tem nunca que falar dessa situação. Se calhar as coisas que nunca uso como inspiração são essas: as relações amorosas.


BC: Porquê? Vergonha?
Noiserv: Não creio que seja isso. Para mim, a música é um meio de ver o mundo e o que está em volta. Se calhar quando fazes uma música sobre relações amorosas, estás a envolver outra pessoa naquela inspiração ou naquela história. E a minha ideia é que as histórias revelem as minhas histórias, como se eu fosse eu a contá-las a uma pessoa. 


BC: Disseste numa entrevista que se pudesses fazer alguma coisa em ou por Portugal, farias com que os centros comerciais desaparecessem. Achas que conseguias fazer uma música sobre um centro comercial? O que é que te inspiraria?

Noiserv: Talvez não no centro comercial, mas se calhar mais na ideia de que o mundo inteiro tem que ser um só, e se tens uma loja de camisas, tem de ser igual em todos os sítios do mundo. Um centro comercial acaba por ser um franchising global, de tudo o que as pessoas podem precisar na vida. E eu acho que a vida é mais do que isso. Que cada pessoa tem a sua identidade própria. E também a ideia de que acabam com as lojas mais autênticas. Porque se veres uma velhota portuguesa, uma espanhola ou uma grega, acho que são todas diferentes e se fores comprar uma peça de roupa a uma dessas lojas, és atendido de três formas diferentes. O que acaba por não acontecer num centro comercial desses três mesmos países onde tudo acaba por ser muito parecido. Portanto, a minha letra não teria bem a ver com os centros comerciais, mas mais com toda essa ideia de globalização de que sou um bocado contra. Acho importante que as coisas sejam próprias de cada pessoa e não ideias à escala global, porque depois somos todos iguais.


BC: O facto de teres participado numa homenagem a Al Berto e no filme "José e Pilar" fez com que voltasses a redescobrir a língua portuguesa? Deu-te mais vontade de trabalhar com ela?

Noiserv: A questão de eu cantar em inglês e não em português é sempre difícil de explicar. Quando comecei a cantar saiu em inglês mas nunca tive nada contra o cantar em português. Foi uma circunstância eu cantar em inglês. Depois, felizmente, como referiste, o facto de ter sido convidado para essa homenagem e para o filme sobre Saramago satisfaz-me imenso porque demonstra que a minha música funciona das duas formas, tanto para uma letra em português como para uma em inglês. Portanto mais para a frente, nunca me interdirei uma música em português, acho que também é um bocado um desafio. E é sempre bom ver que a música não se limita a uma "língua".





BC: Já tocaste em Espanha?

Noiserv: Sim, uma vez em Madrid, num concurso, no "Boss Loop Station World Championship".


BC: E conheciam a história do teu candeeiro?

Noiserv: (pausa) A história de Palma de Mallorca?! (risos) Acho que não, mas também nunca lhes contei! (risos).


BC: Conta-nos um pouco aquela história de Dijon e como é que correu o concerto em terras francesas?

Noiserv: A história de Dijon...a abordagem foi assim meio estranha. Estava a tocar num festival em Guimarães que se chama "Mi Casa Es Tu Casa", uma ideia do Fernando Alvim que curiosamente surgiu quando eu lhe contei as minhas histórias de quando eu fui tocar à Escócia: uma das 10 datas que eu tive lá era em casa de umas pessoas. 
Em Guimarães, veio uma senhora que estava a viver em França mas a passar férias no norte de Portugal e disse que queria levar-me para lá. Eu disse "tudo bem", ficou com os meus contactos, mas isso acontece muitas vezes e depois nada acontece.
Três meses depois, ligou-me uma senhora, a falar num português meio-francês. Disse-me que era para uma inauguração de uma casa de Portugal, e para eu levar outros artistas amigos meus, principalmente bandas com um só músico para as viagens serem mais baratas.
Era um espaço pequeno, uma sala pequena… acabei por convidar o JP Simões, o Norberto Lobo, a Minta...Quando chegámos lá, estava tudo um bocado atrasado - claro, era uma abertura de uma sala portuguesa. O ambiente era um bocado estranho, pessoal muito mais velho, no primeiro concerto estavam só umas 20-30 pessoas. Curiosamente, no dia seguinte, correu tudo muito melhor, já com cerca de 100 pessoas na sala, um bom ambiente entre as pessoas e os músicos…
E também é estranho, porque apanhas o avião, fazes não sei quantos kilómetros, o autocarro, e acabas num sítio tão português na mesma! (risos)






BC: Tu que gostas de ter essa interação com o público, e que várias vezes mencionaste que um dos teus melhores momentos enquanto músico foi um workshop que deste na Áustria, não achas que falta a alguns músicos interagirem mais com o público, um pouco como o fazem muito bem os artistas do street art, nomeadamente neste Fusing ?

Noiserv: Nunca me senti mais que ninguém por ser músico. Tive sempre esse gosto pela música desde pequeno, essa paixão, e ao lutar muito por isso, consegui que isso acontecesse. E por isso, não acho que por ser músico, ou artista ou o quer que seja, te torne mais iluminado ou mais importante que as outras pessoas. Se calhar, há muitos músicos que têm essa visão, o que cria uma distância entre a "estrela" que é o músico ou o artista plástico, e o público. E acho que esse contacto com o público te faz evoluir muito enquanto pessoa, e o que te faz evoluir enquanto pessoa faz-te evoluir enquanto músico.
E há outra coisa: fazes música para as pessoas. Aquela ideia muito egoísta de "eu faço as minhas músicas, quer eles gostem ou não"... Acho que se as pessoas não gostarem do que eu fizer...não é que eu vá criar música somente para lhes agradar, mas numa altura em que eu fizer um disco novo e que sinta que as pessoas não gostam, se calhar não vale a pena fazer mais. Essa ligação entre o músico e o público para mim é muito forte.

Também há outra coisa: de alguma forma, os músicos quando tocam, podem estar a inspirar uma pessoa. Mas sim, poderia haver mais workshops de músicos. 


BC: Gostarias de participar?

Noiserv: Sim, ficaria um bocado envergonhado mas sim (risos). 


BC: Como é que a organização do FUSING te convidou e como é que te convenceram?

Noiserv: Acabou por ser um convite para um concerto num âmbito normal. Na altura, foi o Tiago Cação, um dos responsáveis da organização, que falou comigo e disse-me "estou-te a ligar para um concerto na Figueira, vai ser o primeiro ano, o cartaz vai ser muito bom e era muito importante que os artistas todos se juntassem para fazermos uma coisa grande". E quando me disseram que era um cartaz só com música portuguesa, isso convenceu-me logo. E o facto de não haver apenas música mas também desporto, gastronomia, arte urbana é uma iniciativa de louvar. Espero que tenham muito sucesso e que se volte a repetir. 


BC: E como é que correu o teu concerto aqui na Figueira?

Noiserv: Gostei muito, até porque foi naquela altura de crepúsculo, de lusco-fusco. Há muitos anos que eu tinha curiosidade em saber como é que a minha música funcionava naquela hora em que de repente parece que não vês nada. Mas acho que o concerto correu bem e que o público gostou.


BC: Foi melhor teres actuado no palco Fusing e não no Casino? Houve alguma razão em especial para isso?

Noiserv: Não faço ideia, mas se calhar ainda bem que toquei aqui. Não que o Casino tenha algo de mal mas acho que são coisas diferentes. A parte da organização convidou bandas para aqui e "A Música a Gostar Dela Própria" outras para lá. E se calhar já estava confirmado aqui no recinto e não podia ir ao Casino. Mas não sei. 





BC: Planos para 2013? O disco...e mais?

Noiserv: À partida, a grande novidade é o vídeo disponibilizado no Youtube. Uma tournée pelo país para apresentar o disco. E depois poderão surgir convites com outras pessoas. Mas para já, não tenho nada. A questão de ir para fora é sempre muito relativa, porque para preparares uma tournée para fora é preciso sempre tempo, e felizmente em Portugal tenho tido muita coisa para fazer ao mesmo tempo, o que não me tem permitido ir lá fora. 


BC: O que acha o público estrangeiro da tua música?

Noiserv: Fiquei muito contente de ver que a minha música, como disse há pouco, funciona em português e em inglês. E sobretudo, para públicos portugueses e estrangeiros. Acho que sou um felizardo porque nunca tive experiências más. Mas claro, há sempre experiências melhores que outras. 


BC: E nunca acharam estranho seres português?

Noiserv: Sim, principalmente na Alemanha, onde seres português equivale quase a seres do fim do mundo ("E como é que vieste de Portugal para aqui?")
E claro, isso dá-te um orgulho maior ainda. Depois ainda perguntam "Então mas em Portugal não há só fado?" E eu respondo que não, que há muita coisa boa, como na Alemanha.




Mickaël C. de Oliveira




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