quarta-feira, 28 de agosto de 2013

JP SIMÕES - "ROMA" (2013, FNAC Cultura)

De JP Simões, um dos autores mais positivamente criticados e publicamente ignorados do nosso país, chega a este universo "Roma", onde todos os caminhos vão dar. Produz o conceito de uma "quase-Babilónia" harmoniosa: em onze faixas, quatro línguas, mais dois sotaques ao português. O álbum tinha sido inicialmente associado ao título "Carnaval Radioactivo", do espectáculo que o antecedeu, e o certo é que não lhe ficaria nada desajustado à lombada. 





Como se diz, “Em Roma, sê romano”, e talvez por isso seja "La Strada" a abrir caminho, em jeito de quem desempoeira do passado mais obscuro, mais sóbrio, mais recatado – pelo menos a solo. Uma música de estrada, que fala de “amar como a estrada começa”, do céu aberto, uma energia bem positiva, quase alegre e, é claro, em italiano.
Em jeito de confirmação desta luz toda, chega "O Português Voador", uma canção repleta de som, uma ode ao sonho e à vontade de viver a vida maravilhosa que há-de surgir um dia no mar. Uma homenagem aos portugueses de outros tempos, uma força aos portugueses de agora.

Qualquer fã, mesmo inconfesso, já estará a sentir uma pontinha de saudade da ironia cirúrgica e cheia de classe do antigo JP. Pois bem, "Rio-me de Janeiro" chega como uma bárbara machadada no ouvido do capitalismo, precedida de um educado “com licença”. Sempre revolucionário mas, de algum modo, distante de absolutismos, traz-nos este samba em português de Portugal – quando damos por nós, estamos a dançar e a rir de óptima disposição ao som de uma letra que começa com “Bem-Vindo ao Inferno”. Se for assim, “com licença”, já cá estamos.
E como o Inferno ainda é coisa para doer no toutiço, “então mais vale estar embriagado”. O single de apresentação de Roma, "Gosto de Me Drogar", tem feito algum sucesso pela Internet. Mais uma vez, desta feita em jeito de bossa-nova, por detrás do tom jocoso esconde-se uma profunda mensagem cultural e sociológica. Uma mensagem de frustração e desprezo ao status quo, embebida de uma das letras soberbas a que JP nos vem habituando, afirma-o uma vez mais como um cantautor incontornável no universo musical português.





Em seguida, três dirigidas ao romance, em línguas diferentes e com significados bem distintos. "O fardo do Amor", primeira música do autoproclamado "género do fardo", privilegia os efeitos electrónicos, num género de "fado-pop–qualquer coisa" com um instrumental de Donna Maria e uma voz de, bem, JP Simões. Na letra, um tom de desinteresse face ao jugo do amor, um descanso em que se pode “cair nas tentações”. Depois, vem "A Million Songs Of Yesterday", uma reminiscência apaixonada às baladas que ficam do passado, que atravessam gerações, que são “a nossa música” para tantos apaixonados, daquelas que se ouvem quando se vai em direcção ao pôr-do-sol.
"No Dia Em Que Vi O Meu Bem", a fechar a tríade da lamechice, tem um bonito trabalhado na guitarra, um poema de amor por excelência – e quase que faz lembrar os antigos Quinteto Tati – o que podia correr mal? Que bonito, JP…  

Na faixa 8 há "O Criador e A Criatura", uma caricatura ao artista, qual marioneta caída nas mãos de um mau ventríloquo, e mais uma vez em ritmo de samba. Numa altura em que o cultivo da mediocridade nos media é tão evidente, quem melhor para espetar o dedo bem fundo na ferida e dizer que há trigo e que há restolho? 
"Samba Radioactivo", a contar com a participação mais activa de Luanda Cozetti (vocalista dos Couple Coffee), é o "tenho-mas-não-dou feito" música – e agora com sotaque brasileiro. Mais uma vez apontada ao capitalismo, a letra pinta um quadro de todas as maravilhas do mundo repartidas em talhões e com preço atribuído: “… muito em breve, cidadão, pagarás o ar que engoles e os passos que dás no chão”. E, mais uma vez, é tão fácil dançar a este som que se esquece toda a seriedade da questão."Ils Cassent Le Monde", um melancólico poema de Jean-Louis Albert, finda esta senda contra o sistema em francês, mas com um sentimento bem português – o de que, ainda que tudo esteja contra nós e os tiranos tiranizem, é suficiente amar-se uma pétala, uma pequena luz, e o resto venha se tiver que vir.



Acabamos com "Valsa Rancho", uma bonita versão do tema de Chico Buarque de Holanda, mais no espectro do jazz – e talvez só nos apercebamos da verdadeira qualidade do álbum quando chegamos a esta faixa e ela sabe a pouco, em comparação. Na verdade e em justiça, qual seria o fim digno para uma empresa tão grandiosa?
Passemos pelo samba, pelo jazz e pela característica bossa aportuguesada, pela pop madura e pelo recém-criado fardo. Passemos pelo romance e pela crítica social. Passemos pela solidão da guitarra e pelo clamor dos sopros, mas não deixemos passar em claro ou a contraluz um dos autores mais originais na história da música em Portugal.



Miguel de Miguel





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