sábado, 31 de agosto de 2013

GOSTASTE DA MINHA MÚSICA, PODES AJUDAR-ME A FAZER MAIS?, por Joana Nicolau



Aqui há uns tempos postei no meu blog este vídeo em que a Amanda Palmer fala sobre a remuneração dos artistas. Aliás, mais do que isso; este vídeo fala sobre a relação que se estabelece entre o artista e o ouvinte.
No que à arte diz respeito (e o hip-hop não é excepção) quando um artista vende um álbum, não ocorre apenas uma transacção financeira. Ocorre muito mais: ocorre uma espécie de validação mútua em que o ouvinte dá propósito ao trabalho do artista e o artista dá ao ouvinte um sentido de não estar sozinho naquilo que a música o faz sentir. Ou, nas palavras da Amanda, é o momento em que o artista e o ouvinte dizem um ao outro “eu vejo-te”, “eu reconheço a tua existência”.
No seu vídeo, a Amanda falou bastante desta ligação entre artista e público em termos de contacto directo nos concertos, e eu diria que os artistas rap portugueses são bastante bons nisso. Mas a outra parte do seu discurso, a parte em que ela explica como conseguiu pedir 100000$ num projecto do Kickstarter e receber…1192793$ (!!!), essa parte parece escapar-lhes.

A Amanda explica que é a mesma coisa. Que nos concertos havia pessoas a ir ter com ela, darem-lhe uma nota de 10 dólares e dizerem “desculpa, pirateei o teu álbum, mas eu quero apoiar-te e por isso estou-te a dar o dinheiro a ti e não à tua label”. E que os artistas estão demasiado obcecados em encontrar formas de forçar os ouvintes a pagar, demasiado cegos com a correria contra a pirataria, para pararem um momento e investirem energia a pensar em formas de ajudar o seu público a ajudá-los a eles.
Sinto-me tentada a dizer que o rap se está a tornar cada vez mais globalizado e, com ele, o seu público. Mas a verdade é que o rap já nasceu com os ingredientes para ser uma cultura global. Se formos bem a ver, metade de uma música rap pode ser apreciada por alguém de qualquer sítio no mundo (instrumental, métrica, scratch, flow) e a outra metade pode ser tão específica geograficamente quando o artista queira (referências, comparações, trocadilhos e até sotaque). E esta raiz que é ao mesmo tempo local e global vem-se reafirmando ao longo dos tempos, desde os primórdios até hoje em dia.





Por isso pergunto-me: porque é que tantos artistas tugas se continuam a recusar a “cortar distâncias tal e qual a Internet”, como diz o Mundo em “Versos Que Atravessam o Atlântico”? Estamos a falar de artistas que sofreram na pele a dificuldade de acesso à música desde o início porque era tão cara e tão escassa, artistas que tiveram de gravar cassettes da rádio e copiar CDs dos amigos e deixar o computador ligado dois dias inteiros para conseguir aceder a um único álbum de rap estrangeiro porque era quase impossível adquirir a música de forma legítima. Porque é que estes artistas agora perpetuam o mesmo problema com a sua própria música e se continuam a recusar internacionalizar não só a música, mas também a forma como o público pode adquiri-la?

Na minha eterna jornada por “comprar música, não rodelas de plástico” já passei por um pouco de tudo, desde pagar três vezes mais o valor de um álbum directamente ao artista só para encorajar o meio musical a pensar além dos CDs, até se recusarem enviar-me mp3 em troca de uma transferência bancária pelo exacto valor do CD. Esta recusa é algo que não se entende, porque toda a gente que compra um CD o ripa logo a seguir. Ou os artistas rap acham que as pessoas ainda andam com leitor de CDs à cintura e os CDs às costas como em 2000? Portanto, se na compra do CD e na compra do mp3 o resultado final é o mesmo – a pessoa fica com os mp3 no computador – qual é a diferença entre eu comprar um conjunto de mp3 ou comprar uma rodela de plástico? Sinceramente, a única diferença que vejo é que elimino trabalho intermédio entre o momento que compro música e o momento em que a ouço.
Será que podemos continuar a considerar, em boa consciência, que o download ilegal continua a ser ilegal mesmo após termos tentado comprar a música? E exactamente de que é que os artistas têm medo quando se recusam a vender a sua música em formato digital?

O que é que os impede de estabelecer esta ligação com o seu público e pedir "ei, se gostaste da minha música, será que me podes ajudar a fazer mais"?





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