Com dez anos de carreira, o
grupo eborense Process of Guilt chegou a
França pela primeira vez no âmbito de uma tour europeia que teve como expoente máximo a actuação no célebre festival
Roadburn na Holanda. A banda, que vagueia entre o doom, o death e o sludge metal actuou em Lyon no dia 23 de Abril e em
Perpignan no dia 24. Hugo Santos, vocalista e guitarrista da banda, aceitou o
convite do BandCom e falou-nos, entre outras coisas, da ansiedade que tem em
mostrar lá fora que se faz boa música em Portugal.
BandCom (BC): FÆMIN foi um dos grandes sucessos nacionais de 2012. Recebeu críticas positivas de quase todos os horizontes e abrangeu um público bem mais amplo/diverso...
Hugo Santos (HS): Também foi o registo em que
mais força empenhámos na promoção do
mesmo. Mas também porque a música que ele tem nos permitiu fazer isso e por
outros fatores, como a associação à editora suiça Division que nos permitiu
pelo menos aumentar a nossa rede de contatos e chegar mais longe. Em termos de
concertos, com aquela mini-tour em Outubro
onde algumas data falharam, foi um disco que
superou um bocado aquilo que estávamos à espera, em comparação com as reações
que tínhamos com o nosso trabalho anterior.
(BC): Achas que a nova direção escolhida pelo grupo também contribuiu
para isso ?
(HS): Sim. Para nós, não acaba por
ser uma “nova direção” porque nunca tivemos a ideia de que só gostaríamos de
fazer um só género de música, um só tipo de música. Queríamos fazer a música
que nos dava mais prazer, com a qual nos identificávamos mais. Talvez no início
as nossas referências fossem um pouco diferentes, porque a nossa habilidade
talvez não fosse a melhor... (risos)
Mas agora, de facto, as influências que temos e a direção que temos representam
aquilo que nós somos. Daí eu acreditar que essa mudança tenha chamado mais
gente para a nossa música.
(BC): Ainda é válido dizeres, como já o referiste numa
entrevista, que os Process Of Guilt são uma “banda pequena, do underground, num país pequeno e que
poucas pessoas conhecem ?”
(HS): Quer dizer, continuamos a ser
uma banda pequena num país pequeno. (risos)
A única coisa que mudou é que de facto há mais gente a conhecer-nos. Nós
conseguimos ver isso pelas reações que temos, pela maior facilidade com que
conseguimos marcar concertos fora de Portugal, e pela nossa presença num ou
noutro festival que chamou a atenção de mais público e mais promotores, mas
também pela net através das vendas que fazemos e das visitas nos sites. Mas se
compararmos com as bandas portuguesas conhecidas lá fora, continuamos a ser
uma banda pequena, completamente dependente de nós, ou seja, em que tudo aquilo que
nos acontece é fruto do nosso input
pessoal e económico. Até porque hoje em dia as editoras servem apenas para
lançar discos e pouco mais...
(BC): O facto de alguns de vocês terem passado a viver perto de
Lisboa também apagou alguns problemas do ponto de vista da logística, não ?
(HS): Isso é complexo (risos). Porque nós conhecemo-nos todos
em Évora. Somos 4, três de Évora, e o Nuno, de Setúbal, mas ele também estudou
lá. A nossa base sempre foi Évora: hoje em dia, três de nós vivem em Lisboa ou
arredores mas continuamos a ensaiar lá. É lá que está a nossa sala, o nosso
material e acaba por ser um regresso semanal às raízes por assim dizer. A
logística continua a ser complexa...
(BC): É uma desvantagem para uma banda ser-se de Évora ? Têm os
mesmos problemas que as bandas algarvias por exemplo ?
(HS): Se olharmos para a distribuição
de Portugal, Lisboa e Porto representam 40% das pessoas que estão aqui não é?!.. As outras estão divididas pelas
outras cidades. Acredito que no Algarve seja pior, com tudo aquilo que o país
está a viver, as portagens, o gasóleo e falo por nós porque fomos tocar ao
Algarve no ano passado e de facto não é fácil. Gasto tanto dinheiro quase em ir
tocar ao Algarve como em ir tocar a Madrid. E é claro que quando
comparas uma cidade onde tens quase 5 milhões de pessoas e potencialmente
50-100 pessoas a ver o teu concerto, com o Algarve onde todas as bandas que
vão lá queixam-se que só têm 20 ou 30 pessoas, é porque se calhar não é um tipo
de som que agrada lá em baixo. Mas por exemplo agora há um bar em Viseu com uma
boa agenda semanal, com bandas underground e de todo o país, temos o festival
de Barroselas em Viana de Castelo que movimenta já muita gente, temos outros
locais perto de Aveiro ou até mesmo em Évora... A pouco e pouco vai-se construindo
algo que a meu ver não existia há dez anos. Uma espécie de circuito que permite
às bandas dar a volta ao país quase sem custos. Mas acho que em Espanha
acontece um pouco o mesmo. E se calhar em França também...
(BC): Pois, a tal “centralização parisiense...”
(HS): Chegámos a ter uma data marcada
em Paris. Era uma data aí com uma banda um pouco mais conhecida. Mas não era
uma banda de metal e como não queriam
ninguém a fazer barulho no concerto deles então acabámos por mudar. Ficámos com
esse dia pendurado e afinal transformou-se em duas datas : em Lyon e Perpignan.
(BC): Li numa review francesa ao vosso álbum Faemin uma introdução que me intrigou. E
gostava de saber qual era a tua opinião sobre isso. “Não se pode dizer que Portugal ocupa um lugar preponderante no mundo
da música. Tirando o fado que costumamos inserir por polidez nas músicas do
mundo, é raro vir-nos alguma coisa de lá.” Na linha seguinte falam de
Moonspell.
(HS): (Risos)
Ele se calhar sabe melhor isso do que eu. O que é facto é que tenho consciência
que principalmente no que diz respeito ao metal,
os Moonspell são a referência, pelo percurso que já têm e pela quantidade de
fãs que têm... Mas é um bocado uma banda que “seca tudo o que está à volta.” As
pessoas ouvem falar de Portugal e associam automaticamente a Moonspell. E a
música que se faz hoje em Portugal não tem rigorosamente nada a ver com os
Moonspell. Aliás, acho que eles pouco contribuiram, dinamizaram sem ser
trabalho deles - acho que nunca levaram muitas bandas a fazer o que eles faziam.
Até porque surgiram numa altura das “vacas gordas”, por assim dizer, numa
altura em que as editoras apostavam, em que havia dinheiro, em que a sua
atividade lhes permitiu instalar-se num patamar que só uma ou duas bandas da
Península Ibérica conhecem, uma ou duas gregas, uma ou duas italianas, uma ou
duas belgas... Obviamente que o fado é o cartão de visita, mas não acaba por
ser o espelho do país: há cada vez mais bandas em tours europeias e até às vezes nos Estados Unidos. Acabam por ser
bandas talvez a pender mais para o hardcore
ou para o punk, cuja própria atitude
lhes permite passar mais tempo na estrada. Acho que é um fraco retrato do nosso
país, mas que acaba por ser percecionado desta forma no estrangeiro. Cá não se
fala noutra coisa senão na crise e em toda uma data de problemas nos quais
estamos afundados. No entanto, na minha experiência recente, quando falei com
belgas, holandeses, nem lhes passava pela cabeça o que é que era a crise em
Portugal e o que é que que isso queria dizer. Portugal continua a ser um meio
pequeno, o que não desvirtua o esforço que as pessoas fazem cá dentro para
levar o seu trabalho ou a sua música lá fora. Infelizmente, estamos para a Europa
como Vila Real de Santo António está para Portugal... (risos) Ou a ponta de Sagres...é um cantinho à beira-mar plantado.
(BC): Sem entrar em considerações politico-sociais, achas que a
situação de desespero que se vive em Portugal pode levar mais gente a interessar-se
por sentimentos muito presentes na vossa música como o desespero, a desolação ? Como uma forma de se libertarem
deles ?
(HS): Se
houvesse algum ponto positivo no meio da crise, que fosse esse! (risos) Que o pessoal encontrasse
refúgio na nossa música. Não estou a ver muitos pontos positivos aqui mas se
houvesse algum, que fosse esse!
(BC): Até porque o desespero é algo que vos inspira bastante…
(HS): O
desespero, ou a falta de alento, são temas comuns e que percorrem toda a nossa
discografia, mesmo em termos de letras, independentemente das direções que
possamos ter tomado, num ou noutro disco. O que é facto é que há sempre uma
tendência para esse desespero. Mas no meio da música, há sempre uma luzinha ao
fundo do túnel.
(BC): Não há agora menos “desespero”, “menos fome de desolação”
com o sucesso que têm tido? Isso pode ressentir-se no próximo álbum?
(HS): Não sei. A forma como abordamos
a composição de cada álbum depende sempre do estado de espírito em que nos
encontramos no momento. E sobre isso ainda não sei falar. Agora, quando
regressarmos desta tour, é que vamos
começar a pensar em compor um álbum novo. Já temos algumas ideias, mas acho que
há uma identidade que percorre, independentemente das nossas direções, toda a
nossa discografia. Que tenha ou não a ver com o desespero, o cenáriode
desolação; talvez alguma coisa do ponto de vista lírico possa mudar, mas a
desolação é um cunho nosso e vai permanecer.
(BC): Como receberam a notícia de que iriam tocar no Roadburn
Festival? Como é que uma banda prepara um evento como este?
(HS): Já lá tinha estado algumas
vezes e é um festival que me é caro porque já lá vi muitas bandas, fui de
propósito só para ver esses concertos. Recebemos a notícia de forma meio
apreensiva, porque tivemos o contacto do Walter (diretor artístico do Roadburn)
que desta vez ficou interessado em levar-nos lá. Ficámos muito contentes porque
é quase uma espécie de confirmação ou de reconhecimento externo do valor que a
nossa música tem e que é música que tem significado e contexto, pelo menos num
festival onde vão as maiores referências neste tipo de sonoridades. Por outro
lado, esse concerto acaba por ser a âncora desta tour, e tivemos que o encarar como um concerto especial e
importante certamente, mas também como o sexto ou sétimo de uma série de 13 que
teríamos de fazer! Entregamo-nos a todos da mesma maneira, é essa a forma como
nós encaramos a música. Mas claro: ansiosos por tocar no Roadburn.
(BC): Ao vivo, parece que conseguem inculcar nas vossas músicas
uma força bem maior...
(HS): Quando tocamos ao vivo, é uma
oportunidade única para nos reinventarmos naquele momento. Ou seja, apesar de tocarmos músicas que nos
acompanham há um certo tempo, o que é facto é que são músicas com as quais nos
identificamos muito e tentamos transmitir ao máximo a forma como desfrutamos. No fundo, tudo o que fazemos, seja um disco, um ensaio, tudo se
completa no palco, tudo faz mais sentido quando estamos a tocar ao vivo. Pelo
menos, expressar-nos de forma a que tudo aquilo corra bem, que nós consigamos
fazer justiça ao imaginário para o qual o disco remete. Há uma espécie de
conceito relacionado com a nossa performance e tentamos fazer com que aquela
experiência de 45 minutos valha tanto a pena para quem nos está a ver como para
nós. É o nosso único segredo.
(BC): Apostam também num lado mais visual ?
(HS): Como a forma como abordamos a
estrada reduz-se a nós e ao técnico de som, nós procuramos, pelo menos ter
alguma coisa que remeta para o design
dos discos. Se pudermos ter projeções, temos um filme preparado para esse
cenário, senão apenas estamos dependentes das luzes do sítio, mas é um factor
ao qual damos muita atenção.
(BC): Parece que isso não era uma das grandes preocupações dos
grupos de metal e de doom...
(HS): Da minha experiência, tudo vai
mudando ao longo de tempo. No início, a nossa principal preocupação era
tocar tudo de uma ponta à outra sem termos problemas (risos). Agora, como estamos noutra fase, começamos a abordar o
espetáculo como um todo. Como a nossa música apela a mais do que estarmos a ver
apenas a nossa ação em cima do palco, tentamos criar um cenário que acompanhe a
música. E isso é comum à maioria das bandas que encaram as atuações ao vivo com
a seriedade que elas merecem.
(BC): Fala-nos um pouco do que se passou com a vossa atuação que tinha sido
prevista para Rouen em Outubro passado.
(HS): Éramos para ter atuado em
Rouen, não tocámos, não sei porquê, nunca mais tivemos contacto com ninguém...não
é uma coisa que tenhamos ficado contentes com, mas já passou e vamos fazer com
que agora dê tudo certo. Em Paris também éramos para ter tido um concerto, mas
esse aí eu sei que não foi por culpa do promotor. Mas é quase certo que numa
próxima oportunidade vamos a Paris. Esta vai ser a nossa primeira vez em França,
que tem sido sempre aquele “deserto” que temos de atravessar para chegar a
qualquer lado (risos).
Mickaël C. de Oliveira
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