sábado, 15 de junho de 2013

PROCESS OF GUILT - ENTREVISTA

Com dez anos de carreira, o grupo eborense Process of Guilt chegou a França pela primeira vez no âmbito de uma tour europeia que teve como expoente máximo a actuação no célebre festival Roadburn na Holanda. A banda, que vagueia entre o doom, o death e o sludge metal actuou em Lyon no dia 23 de Abril e em Perpignan no dia 24. Hugo Santos, vocalista e guitarrista da banda, aceitou o convite do BandCom e falou-nos, entre outras coisas, da ansiedade que tem em mostrar lá fora que se faz boa música em Portugal.






BandCom (BC): FÆMIN foi um dos grandes sucessos nacionais de 2012. Recebeu críticas positivas de quase todos os horizontes e abrangeu um público bem mais amplo/diverso...

Hugo Santos (HS): Também foi o registo em que mais força empenhámos na promoção do mesmo. Mas também porque a música que ele tem nos permitiu fazer isso e por outros fatores, como a associação à editora suiça Division que nos permitiu pelo menos aumentar a nossa rede de contatos e chegar mais longe. Em termos de concertos, com aquela mini-tour em Outubro onde algumas data falharam, foi um disco que superou um bocado aquilo que estávamos à espera, em comparação com as reações que tínhamos com o nosso trabalho anterior.


(BC): Achas que a nova direção escolhida pelo grupo também contribuiu para isso ?

(HS): Sim. Para nós, não acaba por ser uma “nova direção” porque nunca tivemos a ideia de que só gostaríamos de fazer um só género de música, um só tipo de música. Queríamos fazer a música que nos dava mais prazer, com a qual nos identificávamos mais. Talvez no início as nossas referências fossem um pouco diferentes, porque a nossa habilidade talvez não fosse a melhor... (risos) Mas agora, de facto, as influências que temos e a direção que temos representam aquilo que nós somos. Daí eu acreditar que essa mudança tenha chamado mais gente para a nossa música.


(BC): Ainda é válido dizeres, como já o referiste numa entrevista, que os Process Of Guilt são uma “banda pequena, do underground, num país pequeno e que poucas pessoas conhecem ?”

(HS): Quer dizer, continuamos a ser uma banda pequena num país pequeno. (risos) A única coisa que mudou é que de facto há mais gente a conhecer-nos. Nós conseguimos ver isso pelas reações que temos, pela maior facilidade com que conseguimos marcar concertos fora de Portugal, e pela nossa presença num ou noutro festival que chamou a atenção de mais público e mais promotores, mas também pela net através das vendas que fazemos e das visitas nos sites. Mas se compararmos com as bandas portuguesas conhecidas lá fora,  continuamos a ser uma banda pequena, completamente dependente de nós, ou seja, em que tudo aquilo que nos acontece é fruto do nosso input pessoal e económico. Até porque hoje em dia as editoras servem apenas para lançar discos e pouco mais...


(BC): O facto de alguns de vocês terem passado a viver perto de Lisboa também apagou alguns problemas do ponto de vista da logística, não ?

(HS): Isso é complexo (risos). Porque nós conhecemo-nos todos em Évora. Somos 4, três de Évora, e o Nuno, de Setúbal, mas ele também estudou lá. A nossa base sempre foi Évora: hoje em dia, três de nós vivem em Lisboa ou arredores mas continuamos a ensaiar lá. É lá que está a nossa sala, o nosso material e acaba por ser um regresso semanal às raízes por assim dizer. A logística continua a ser complexa...


(BC): É uma desvantagem para uma banda ser-se de Évora ? Têm os mesmos problemas que as bandas algarvias por exemplo ?

(HS): Se olharmos para a distribuição de Portugal, Lisboa e Porto representam 40% das pessoas que estão aqui não é?!.. As outras estão divididas pelas outras cidades. Acredito que no Algarve seja pior, com tudo aquilo que o país está a viver, as portagens, o gasóleo e falo por nós porque fomos tocar ao Algarve no ano passado e de facto não é fácil. Gasto tanto dinheiro quase em ir tocar ao Algarve como em ir tocar a Madrid. E é claro que quando comparas uma cidade onde tens quase 5 milhões de pessoas e potencialmente 50-100 pessoas a ver o teu concerto, com o Algarve onde todas as bandas que vão lá queixam-se que só têm 20 ou 30 pessoas, é porque se calhar não é um tipo de som que agrada lá em baixo. Mas por exemplo agora há um bar em Viseu com uma boa agenda semanal, com bandas underground e de todo o país, temos o festival de Barroselas em Viana de Castelo que movimenta já muita gente, temos outros locais perto de Aveiro ou até mesmo em Évora... A pouco e pouco vai-se construindo algo que a meu ver não existia há dez anos. Uma espécie de circuito que permite às bandas dar a volta ao país quase sem custos. Mas acho que em Espanha acontece um pouco o mesmo. E se calhar em França também...


(BC): Pois, a tal “centralização parisiense...”

(HS): Chegámos a ter uma data marcada em Paris. Era uma data aí com uma banda um pouco mais conhecida. Mas não era uma banda de metal e como não queriam ninguém a fazer barulho no concerto deles então acabámos por mudar. Ficámos com esse dia pendurado e afinal transformou-se em duas datas : em Lyon e Perpignan.








(BC): Li numa review francesa ao vosso álbum Faemin uma introdução que me intrigou. E gostava de saber qual era a tua opinião sobre isso. “Não se pode dizer que Portugal ocupa um lugar preponderante no mundo da música. Tirando o fado que costumamos inserir por polidez nas músicas do mundo, é raro vir-nos alguma coisa de lá.” Na linha seguinte falam de Moonspell.

(HS): (Risos) Ele se calhar sabe melhor isso do que eu. O que é facto é que tenho consciência que principalmente no que diz respeito ao metal, os Moonspell são a referência, pelo percurso que já têm e pela quantidade de fãs que têm... Mas é um bocado uma banda que “seca tudo o que está à volta.” As pessoas ouvem falar de Portugal e associam automaticamente a Moonspell. E a música que se faz hoje em Portugal não tem rigorosamente nada a ver com os Moonspell. Aliás, acho que eles pouco contribuiram, dinamizaram sem ser trabalho deles - acho que nunca levaram muitas bandas a fazer o que eles faziam. Até porque surgiram numa altura das “vacas gordas”, por assim dizer, numa altura em que as editoras apostavam, em que havia dinheiro, em que a sua atividade lhes permitiu instalar-se num patamar que só uma ou duas bandas da Península Ibérica conhecem, uma ou duas gregas, uma ou duas italianas, uma ou duas belgas... Obviamente que o fado é o cartão de visita, mas não acaba por ser o espelho do país: há cada vez mais bandas em tours europeias e até às vezes nos Estados Unidos. Acabam por ser bandas talvez a pender mais para o hardcore ou para o punk, cuja própria atitude lhes permite passar mais tempo na estrada. Acho que é um fraco retrato do nosso país, mas que acaba por ser percecionado desta forma no estrangeiro. Cá não se fala noutra coisa senão na crise e em toda uma data de problemas nos quais estamos afundados. No entanto, na minha experiência recente, quando falei com belgas, holandeses, nem lhes passava pela cabeça o que é que era a crise em Portugal e o que é que que isso queria dizer. Portugal continua a ser um meio pequeno, o que não desvirtua o esforço que as pessoas fazem cá dentro para levar o seu trabalho ou a sua música lá fora. Infelizmente, estamos para a Europa como Vila Real de Santo António está para Portugal... (risos) Ou a ponta de Sagres...é um cantinho à beira-mar plantado.


(BC): Sem entrar em considerações politico-sociais, achas que a situação de desespero que se vive em Portugal pode levar mais gente a interessar-se por sentimentos muito presentes na vossa música como o desespero, a  desolação ? Como uma forma de se libertarem deles ?

(HS): Se houvesse algum ponto positivo no meio da crise, que fosse esse! (risos) Que o pessoal encontrasse refúgio na nossa música. Não estou a ver muitos pontos positivos aqui mas se houvesse algum, que fosse esse!


(BC): Até porque o desespero é algo que vos inspira bastante…

(HS): O desespero, ou a falta de alento, são temas comuns e que percorrem toda a nossa discografia, mesmo em termos de letras, independentemente das direções que possamos ter tomado, num ou noutro disco. O que é facto é que há sempre uma tendência para esse desespero. Mas no meio da música, há sempre uma luzinha ao fundo do túnel.


(BC): Não há agora menos “desespero”, “menos fome de desolação” com o sucesso que têm tido? Isso pode ressentir-se no próximo álbum?

(HS): Não sei. A forma como abordamos a composição de cada álbum depende sempre do estado de espírito em que nos encontramos no momento. E sobre isso ainda não sei falar. Agora, quando regressarmos desta tour, é que vamos começar a pensar em compor um álbum novo. Já temos algumas ideias, mas acho que há uma identidade que percorre, independentemente das nossas direções, toda a nossa discografia. Que tenha ou não a ver com o desespero, o cenáriode desolação; talvez alguma coisa do ponto de vista lírico possa mudar, mas a desolação é um cunho nosso e vai permanecer.


(BC): Como receberam a notícia de que iriam tocar no Roadburn Festival? Como é que uma banda prepara um evento como este?

(HS): Já lá tinha estado algumas vezes e é um festival que me é caro porque já lá vi muitas bandas, fui de propósito só para ver esses concertos. Recebemos a notícia de forma meio apreensiva, porque tivemos o contacto do Walter (diretor artístico do Roadburn) que desta vez ficou interessado em levar-nos lá. Ficámos muito contentes porque é quase uma espécie de confirmação ou de reconhecimento externo do valor que a nossa música tem e que é música que tem significado e contexto, pelo menos num festival onde vão as maiores referências neste tipo de sonoridades. Por outro lado, esse concerto acaba por ser a âncora desta tour, e tivemos que o encarar como um concerto especial e importante certamente, mas também como o sexto ou sétimo de uma série de 13 que teríamos de fazer! Entregamo-nos a todos da mesma maneira, é essa a forma como nós encaramos a música. Mas claro: ansiosos por tocar no Roadburn.








(BC): Ao vivo, parece que conseguem inculcar nas vossas músicas uma força bem maior...

(HS): Quando tocamos ao vivo, é uma oportunidade única para nos reinventarmos naquele momento.  Ou seja, apesar de tocarmos músicas que nos acompanham há um certo tempo, o que é facto é que são músicas com as quais nos identificamos muito e tentamos transmitir ao máximo a forma como desfrutamos. No fundo, tudo o que fazemos, seja um disco, um ensaio, tudo se completa no palco, tudo faz mais sentido quando estamos a tocar ao vivo. Pelo menos, expressar-nos de forma a que tudo aquilo corra bem, que nós consigamos fazer justiça ao imaginário para o qual o disco remete. Há uma espécie de conceito relacionado com a nossa performance e tentamos fazer com que aquela experiência de 45 minutos valha tanto a pena para quem nos está a ver como para nós. É o nosso único segredo.


(BC): Apostam também num lado mais visual ?

(HS): Como a forma como abordamos a estrada reduz-se a nós e ao técnico de som, nós procuramos, pelo menos ter alguma coisa que remeta para o design dos discos. Se pudermos ter projeções, temos um filme preparado para esse cenário, senão apenas estamos dependentes das luzes do sítio, mas é um factor ao qual damos muita atenção. 


(BC): Parece que isso não era uma das grandes preocupações dos grupos de metal e de doom...

(HS): Da minha experiência, tudo vai mudando ao longo de tempo. No início, a nossa principal preocupação era tocar tudo de uma ponta à outra sem termos problemas (risos). Agora, como estamos noutra fase, começamos a abordar o espetáculo como um todo. Como a nossa música apela a mais do que estarmos a ver apenas a nossa ação em cima do palco, tentamos criar um cenário que acompanhe a música. E isso é comum à maioria das bandas que encaram as atuações ao vivo com a seriedade que elas merecem.


(BC): Fala-nos um pouco do que se passou com a vossa atuação que tinha sido prevista para Rouen em Outubro passado.

(HS): Éramos para ter atuado em Rouen, não tocámos, não sei porquê, nunca mais tivemos contacto com ninguém...não é uma coisa que tenhamos ficado contentes com, mas já passou e vamos fazer com que agora dê tudo certo. Em Paris também éramos para ter tido um concerto, mas esse aí eu sei que não foi por culpa do promotor. Mas é quase certo que numa próxima oportunidade vamos a Paris. Esta vai ser a nossa primeira vez em França, que tem sido sempre aquele “deserto” que temos de atravessar para chegar a qualquer lado (risos).




Mickaël C. de Oliveira




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