segunda-feira, 10 de junho de 2013

OPTIMUS PRIMAVERA SOUND 2013 - DIA 2

No Optimus Primavera Sound, o último dia de Maio, dia 2 da programação do festival, preparava diversos regressos a Portugal, entre os quais os dos Swans e dos Blur, já com o palco All Tomorrow's Parties e o palco Pitchfork em andamento. E por isso uma grande enchente, como se confirmaria até altas horas, com os Dear Telephone, os Mão Morta e os Memória de Peixe a serem figuras importantes.





Num concerto profundamente dominado pelo disco de estreia, "Taxi Ballad", não foi por demérito próprio que os Dear Telephone foram recebidos por uma audiência menos numerosa. Embora de menos fácil encaixe na vicinalidade de um festival, o colectivo acertou agulhas com o palco Super Bock e redimensionou sem grande dificuldade as suas canções para ecos de maior dimensão. Toda a pop estratosférica dos Dear Telephone de temas como "Fit and Proper" ou "Sunset Print on Postcard" esteve irrepreensível e a puxar, como em "Revelator", a algum ousadia e ao encanto de um final de tarde solarengo num Parque da Cidade que pareceu consumido por urbanidade por momentos pela sobriedade destas canções. Fora dos planos de muitos, está aqui um espectáculo que é obrigatório na programação para consumo interno em 2013.





Toda a satisfação do Mundo está concentrada ao vivo na figura de Miguel Nicolau e isso contagia qualquer um que assista a um concerto dos Memória de Peixe. Convidando Ed Rocha Gonçalves dos Best Youth para a linha de baixo de "Indie Anna Jones" (lá se ouviram comentários como "O que é que isto tem a ver com o Indiana Jones?" que só pedem mais e mais música), o duo saiu-se impecavelmente numa missão que em outros palcos seria mais difícil: colocar as suas canções na memória de quem os via. Ainda não muito claras, espreitámos as novas direcções que as canções feitas à base de loops viciantes e de ritmos que não as sossegam admiravelmente estão a tomar. Vimos ilustres quase desconhecidos a menear, e bem, ao som destas canções: onde é que os Memória de Peixe poderão parar? Não vão, concerteza.





No primeiro passeio pelo palco ATP, esperavam-nos memórias dos Sleep. Os OM são incontornavelmente um nome gigante na cena stoner/doom metal, e a verdade é que acabaram por provar o porquê disso com um excelente concerto. Embora "Advaitic Songs", o mais recente álbum da banda de Al Cisneros, não espelhe um sucesso estrondoso em estúdio, a verdade é que ao vivo o resultado de todas aquelas combinações de ritmos mais tribais é quase um sucesso instantâneo e revela-se num autêntico convite a abanar a cabeça. O público respondeu positivamente e ainda celebrou os tempos mais fervilhantes da banda, com esta a entoar músicas tão estrondosas como Bhima’s Theme. No fim, o pescoço já doía: e isso é bom.





Com a eminência Daniel Johnston no palco ATP, os Local Natives ouviam-se ao longe, bem demais para um festival com vários palcos, mas nada que afectasse a verdadeira celebração que estava ali à frente. Muito embora debilitado pela sua doença, Daniel Johnston não precisava de ser referido por tanta celebridade para ser, como muitos outros nomes do cartaz do Optimus Primavera Sound, uma celebridade por si mesmo dentro do seu espectro musical. Nem sequer o concerto precisa de actos de contrição e artistas assim não conhecem a palavra "pena". Devido à peculiaridade da sua obra, muitos eram os curiosos que escutaram talvez pela primeira vez os ensinamentos de canções como "Devil Town", "Love Not Dead" ou "Life in Vain" e acordes tão emocionantes como os de "Rock 'n' Roll" ou "Mountain Top". "True Love Will Find You In The End", num pequeno encore, seria a lembrança oferecida, mas quem realmente precisa dela após cada disco dos Girls que saia?





Os Swans estão para a música contemporânea como "Tree of Life" para o cinema contemporâneo. Não pela fotografia do filme, mas pela pureza de cada uma das suas composições. A gente de Michael Gira foi um dos fortes alicerces do cartaz do Optimus Primavera Sound, representando na perfeição, por um lado, o poder da memória que se infiltrou pela programação artística, e por outro o papel que não é apenas de influência que protagonizam. A sua vitalidade está ainda presente em "The Seer", título do disco de 2012 e de uma das canções mais subversivas dos anos 00, que fez parte da meia-dúzia de canções que se permitiram despachar, conjunção mais que física com os pontuais momentos anti-estoicismo-epilépticos de Gira que dominou o tempo seguinte a esta actuação. Um tempo de bons e pequenos rapazes e raparigas, sem palavras para Deus que descera à Terra e criara um novo Mundo.





À mesma hora, os Mão Morta secavam por completo a energia de todos os que assistiam à performance de Adolfo Luxúria Canibal e companhia e ao desfile de músicas que são mais do que um género ou epístrofe poderá ser. Os concertos dos veteranos portugueses continuam a não comportar-se mediante qualquer expectativa, muito menos segundo tamanho prazer quanto aquele que se viu durante a interpretação de um alinhamento recheado de clássicos como "Oub Lá", "Budapeste", "Véus Caídos" ou "Cão da Morte" e sem esquecer o momento "Novelos da Paixão" que não serve só para recordar o mais recente "Pesadelo em Peluche". Tal como Nick Cave, Adolfo é um mestre de/sem cerimónias de rock insalubre e bem que era necessário um para colmatar a ausência de Rodriguez. Missão cumprida com inegável brilhantismo.








Metade Grizzly Bear, metade Shellac, assim se dividia o nosso coração antes dos METZ.
No palco Optimus, os Grizzly Bear deram certamente o seu melhor concerto em solo português, muito embora "Shields" não partilhe da grandeza de "Veckatimest". A primeira parte do concerto foi recheada dos bons momentos do disco mais recente como a épica "A Simple Answer" dourados por instrumentais e coros exímios e quando na segunda parte chegaram os êxitos, não surpreende que muita gente tenha saído de barriga cheia do palco principal do festival com o topo de forma dos autores de "Two Weeks".


O concerto dos Shellac de Steve Albini não passou despercebido ao público que se juntou em volta do palco ATP: não alcançou a soberba do ano anterior mas também não desiludiu. Alguns problemas de som foram determinantes na eficiência do rock de ataque do trio de Chicago e no desacerto dos elementos de post-hardcore que desconjuraram o conjunto das canções. Todavia, a sequência final teve ainda as passagens por "Wingwalker", "Crow" ou "Spoke" e uma saída de palco por elemento até que a tarola deixou de levar pancada. Silêncio desnecessário.





No palco Pitchfork, mesmo antes do concerto começar, os METZ já eram uma banda do caralho. Depois do concerto, a confirmação disso mesmo: com METZ até te explodes. Tocaram-nos as malhas do seu homónimo do ano passado, com músicas como "Wasted", "Knife In The Water" ou "Rats" a revelarem-se um autêntico estrondo, que, por sua vez, resultaram em moshes infindáveis e em crowdsurfings descomunais. Foi do caralho, e não precisam de saber mais nada. Diz quem viu que nem no Plano B nem na  Galeria Zé dos Bois foi tão bom: parabéns aos que acertaram em cheio.





Dez anos depois, os Blur reentraram em Portugal pela mão do Optimus Primavera Sound. Dez anos que tinham sido, por uma miríade de razões, quase sinónimo de serem votados ao julgamento da História. Foi sobretudo este que deixará o seu concerto como um dos concertos desta edição mas sobretudo como o concerto da vida de muitos dos que assistiram. Recheado de canções pop inigualáveis e similar ao de Barcelona, o alinhamento dos Blur deu a primazia aos feitos de Damon Albarn e companhia enquanto escritores de canções e não enquanto compositores de álbuns. De "Girls & Boys", início do concerto, até ao seu fim com "Song 2" depois de um curto encore, os Blur não esqueceram mesmo assim pequenos apontamentos como "Caramel" e "End of A Century" facilmente ofuscáveis. Para além da aparente reconciliação, os Blur deixaram no Porto um recital de cultura pop para rookies e utilizadores avançados num dos regressos que farão sempre sentido, uma e outra vez. P.S: Nem mesmo "The Great Escape" continua uma birra, ao que parece.





Quando subiram ao palco, à hora em que os Blur ainda actuavam, os Hot Snakes não deveriam ter mais do que cinquenta espectadores. Perguntaram mesmo se alguém os conhecia mas o escasso publico parecia conhecer. Uma das bandas que mais pareceu passar ao lado do publico apresentou-se então: quarentões bem dispostos que não pretendem agradar ninguém que não agrade a eles, que tocam um rock 'n' roll que transborda para o hardcore e para o melhor do pós-punk. Parecendo um tanto ou quanto descontraídos, não conseguiam evitar o sorriso trocista sempre que a cada intervalo de música se ouvia o concerto de Blur, chegando mesmo a tentar acompanhar os acordes. Num concerto entusiasmante que foi enchendo com o tempo, disseram que era um prazer tocar num festival em que não tocam os Pennywise, não tocaram a “I Hate The Kids” e fizeram questão de mostrar que os Moonspell não fazem de certeza parte das suas preferências. 





Num festival onde a electrónica esteve guardada para horários mais adiantados, fomos descobrir uma screamer ao concerto mais improvável. Ida No, vocalista dos Glass Candy, reescreveu as coordenadas do som do duo norte-americano para algo menos nu-disco e mais pulsante. Inebriada no meio da sua coreografia, à audiência poderá ter escapado lá pelo meio preciosidades como "Candy Castle" ou "Life After Sundown" onde os norte-americanos enchem de orgulho o colectivo da Italians Do It Better. Dissimuladas, as doses industriais de sintetizadores ao serviço de interlúdios electroclash foram as cicatrizes perfeitas numa actuação que terminaria em apoteose ao som de "Warm In The Winter", ainda a tempo de ver os Fuck Buttons, serpentes a voar, árvores com sombras chinesas, cenários a pedir ácidos e o sacramento dos BPM elevados.





Quase à mesma hora, os Fuck Buttons subiam, então, ao palco onde iriam despejar-nos toda a sua essência – a essência da descoberta. Drones e mais drones, interligações de sons contínuos com mais sons contínuos. A continuidade é, e deve ser, a palavra de ordem para falar da música dos norte-americanos, mas não só; deverão existir mais adjectivos para a definir, porque é quando ela explode que nos sideramos com ela. Há por aí música que se faz para nos fazer dançar, esta é uma música de dança mas numa amplitude diferente: quem dança são os nossos sentidos. Foi genial, tal como fora todo o dia de concertos.




André Gomes de Abreu

Agradecimento especial a Emanuel Graça, editor-geral,
pelas palavras prestadas sobre os OM, METZ e Fuck Buttons
e a Luís Julião pelas palavras prestadas sobre os Hot Snakes





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