O São Jorge encheu e encheu-se também de figuras de renome da música portuguesa. Ana Moura, Luísa Sobral, os Deolinda, tudo para ouvir a voz doce de Márcia, que vinha mostrar “Casulo”. A respeito deste segundo disco da cantora/compositora, há que sublinhar a evolução no som e nas temáticas das canções e os novos caminhos desbravados. Muitas vezes os segundos álbuns são muitas vezes injustiçados, na sombra do seu inaugural antecessor. Este, ao que faz crer a entrada fulgurante nas tabelas de vendas nacionais, não será um desses casos. Felizmente.
E que boa mostra da qualidade de
“Casulo” houve no histórico Cinema São Jorge, numa sala com um nome não
menos pleno em historicidade (Manoel de Oliveira, avé). O concerto começou com
“Decanto”, de forma elegante, pois a voz de Márcia retira-se logo a seguir para abrir espaço à fantástica banda que a
acompanhou noite dentro. E porque “Casulo” tem mais de trabalho de equipa que
“Dá”, naturalmente as atenções repartiram-se de forma mais equalitária pelos
músicos presentes. A disposição em palco é um exemplo disso mesmo, em meia lua
e com todos no mesmo plano, a instigar o intimismo que o público aceitou de bom
grado.
“Sussurro” foi o tema que se seguiu,
relaxante, com o pedal steel de
Filipe Cunha Monteiro a chamar a atenção - não por procurar o protagonismo, mas
por fazer a cama à voz da estrela da noite (que por sinal é também a sua
mulher). Outra grande canção se seguiu, que dá pelo nome de “Delicado”, percussiva, com
uma letra muito bem conseguida e com mais um grande solo de Filipe Monteiro. Daquelas em que é obrigatório bater o pé. Logo após, Márcia foi repescar a “Dá” “Misturas”, que contou com a colaboração de Celina da Piedade,
tal como “Deixa-me Ir”, single deste
novo disco que não tendo conteúdo politizado nem pretensões
interventivas, tem um vídeo que pretende pôr a nu problemas que o nosso país
atravessa.
Seguiu-se “Camadas”, com palavras daquelas que dá gosto desconstruir (mas que também não perde nada ao ser ouvida de forma descomprometida e despreocupada) e uma aparição dançante do cowboy de Tondela, Samuel Úria, deu outra chama a “Menina”. E foi também com Samuel Úria que Márcia desenterrou do baú “Mais Humano Sentimento São”, uma das mais vigorosamente aplaudidas da noite.
Passadas “Pra Quem Quer”, com a ajuda do público nos coros dirigidos por João Correia, também enorme na bateria, e “Pudera Eu”, era tempo, então, de voltar a
“Casulo”. Foi nesse contexto que apareceu “A Hora Incerta”, que se distingue
das restantes canções do álbum pelo peso das descargas eléctricas que vão
aparecendo. A mais inóspita do alinhamento, mas das que melhor foram
interpretadas, com os sopros de metais a ajudar à festa (“metaleiros”, como
lhes foi chamando Márcia). “Brilha” repôs a toada minimalista e adocicada do
concerto, que foi confirmada depois pela belíssima “Paz da Noite”, ainda mais
bela pela exaltação à maternidade que encerra. Ouviu-se ainda “Desmazelo”,
antes da retirada das tropas do palco, e muitas palmas, merecidas.
Para o encore, Márcia voltou para cantar o seu sucesso maior “A Pele que Há em Mim”, sem JP Simões, (como originalmente em “Dá”), mas com a aprovação do público que se deleitou com a doçura da sua voz. Com tempo para “Vem”, a noite acabava com o palco cheio com todos os intervenientes da noite para ajudar a cantar “Cabra Cega”.Nas palavras de Márcia: “um concerto é como a feijoada. Agora fiquem a pensar nisso”. Pois bem, pensámos e subscrevemos. Ora, um momento sublime como o que se passou no passado dia 14 acarreta muito tempo a preparar, pouco a saborear. Mas damo-nos à liberdade de lançar o palpite de que levará também muito a digerir, de grande foi a música que se fez e em tão bom português no São Jorge.
Bernardo Gonçalves
Fotografias por David Cachopo
Fotografias por David Cachopo
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