quinta-feira, 23 de maio de 2013

O QUARTO FANTASMA - "A SOMBRA" (2013, Raging Planet)




"O Quarto Fantasma é um trio de Lisboa de rock experimental, principalmente instrumental, que explora várias dinâmicas musicais, do quase silêncio até intensas explosões de som”. É assim que a banda se apresenta e a descrição não poderia estar mais correta. Em 2011 a banda lançou o EP "Arder" com apenas três canções, duas das quais figuram neste álbum, que deixava desde já antever que algo de especial estaria para vir.

Que não restem dúvidas: "A Sombra" é um grande álbum. O experimentalismo é, provavelmente, um pouco menos imediato e acessível aos ouvidos menos treinados mas ao ouvirmos a música contida neste disco é impossível não nos deixarmos levar pela atmosfera criada e um manancial de emoções vêm à tona como se tivessem sido arrancadas ao âmago da nossa alma. Todo o disco é uma autêntica ode à beleza que a melancolia também contém. É daquelas coisas que não se explica, apenas se sente.

O álbum arranca com “A Grande Dúvida”, uma pequena introdução instrumental que é uma verdadeira barreira de som que lentamente nos deixa furar e entrar no mundo de O Quarto Fantasma. “A Rumar” é o primeiro exemplo da sensação de jam session que predomina ao longo do álbum - ou não fosse este um disco de rock experimental. A distorção suja das guitarras, os riffs poderosos, as parcas vocalizações e alternância entre momentos mais compassados e as verdadeiras explosões sonoras são um verdadeiro exemplo do que podemos encontrar ao longo dos cerca de 45 minutos do álbum. Segue-se “Elegia”, uma canção cuja letra nos pede calma e discernimento mas revela-se, uma vez mais, um autêntico turbilhão de sentimentos.
“Parábola” é, provavelmente, o tema com maior groove de todo o álbum: uma entrada verdadeiramente demolidora dá, posteriormente, lugar a uma fase mais compassada e lenta com vocalizações esquizofrénicas como se estivéssemos perante a manifestação de um qualquer exorcismo levado a cabo pelos instrumentos, acabando de forma abrupta mas não menos poderosa do que começou. “Óbice” é quase uma marcha fúnebre, tal é o ambiente soturno criado e o estado introspetivo em que nos coloca. É cantado um certo desprendimento pela vida onde tudo parece andar em câmara lenta e já nada vale a pena. A música termina de forma épica e de ritmo acelerado levando-nos à correria para a faixa seguinte: “Rumores” é o primeiro tema retirado do EP anterior a aparecer e é um verdadeiro Ferrari a 100 à hora. Aqui não há tempo para respirar. Parece que a banda quer acordar-nos depois da melancolia anterior e mostrar que a viagem ainda não acabou. 




Depois da tempestade vem a bonança com ”Quem de Mim” que conta com a bonita voz de Catarina Rosa. Tristeza e melancolia são a nota predominante numa canção hipnotizante que nos embala com a sua quietude. Contudo, o trio faz questão de não nos dar tréguas e coloca-nos novamente em terrenos menos estáveis com “Dança no Arame” onde somos levados numa viagem algo psicadélica de aparente acalmia mas que termina de forma agressiva onde as guitarras mostram de que são feitas. “Espaço e Meio” revela-se como o tema com uma estrutura rock mais demarcada apesar do experimentalismo ser sempre nota dominante. A faixa conta com uma boa entrada e solos excelentes com um ritmo geral que não deixará certamente ninguém quieto quando a banda a tocar ao vivo.

Aproximamo-nos do final do registo quando chegamos ao segundo tema homónimo provindo do EP "Arder". Descrever esta música é como contemplar a queda das folhas no outono ou visualizar um pequeno pássaro ao qual foram cortadas as asas. “Arder” é um autêntico hino à decadência, à solidão e à morte. Menção especial para a participação de Maria do Mar no violino que ajuda em muito na criação do ambiente perfeito.
Chegámos, por fim, a “Setenta e Um que funciona como uma outro e termina o registo de forma oposta ao seu começo. É hora de acalmar o espírito como se o álbum tivesse cumprido o seu propósito e agora fosse hora de serenar o espírito depois da viagem atribulada que acabámos de fazer.




"A Sombra" não deixa ninguém indiferente: somos arrebatados e empurrados contra a parede para, logo de seguida, sermos amparados; toca nas feridas comuns a todos nós sem quaisquer contemplações e que nos faz sentir vivos. É, ao fim ao cabo, uma verdadeira obra de arte, não fosse o propósito desta dar uso aos nossos sentidos. Com este disco, O Quarto Fantasma arrisca-se a ser uma das bandas "revelação do ano" acabando por criar um verdadeiro hino ao rock experimental que nos deixa a salivar por mais vindo deste trio de Lisboa.

Hugo Gonçalves




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