quarta-feira, 29 de maio de 2013

MEMÓRIA DE PEIXE - ENTREVISTA

Os Memória de Peixe, banda formada pela dupla Miguel Nicolau/Nuno Oliveira, foram uma das maiores revelações musicais do ano passado, sendo inclusivamente escolhidos pela SPA como banda autora de um dos melhores discos de 2012 pelo seu homónimo de estreia (cuja crítica pode, e deve, ser lida aqui). Se é já sabido que o nome da banda das Caldas da Rainha deriva da curta duração dos loops da guitarra que caracteriza a sua sonoridade, o BandCom decidiu ir saber mais acerca das suas origens, das suas “estórias”, do seu passado, presente e futuro. Actuarão dentro de dois dias no tão ansiado Optimus Primavera Sound, mas por agora o show é aqui nestas linhas abaixo: Memória de Peixe em entrevista ao BandCom.

"Demos um concerto na FNAC do Colombo no ano passado e ao descarregar o material ficou a guitarra no meio da estrada, à entrada do Colombo. Só nos lembrámos 20 minutos depoisPosto isto, sim, fomo-nos apercebendo que havia muito mais do que os loops de 7 segundos e a bateria.", acerca da origem do nome Memória de Peixe.

BandCom (BC): Ok, está certo: todos sabemos que está relacionado com a curta duração dos loops e que foi um nome criado pelo Miguel Nicolau. Mas há alguma coisa que não sabemos e que devemos saber acerca da origem do nome dos Memória de Peixe? Comem assim tanto queijo?

Memória de Peixe (MP): Demos um concerto na FNAC do Colombo no ano passado e ao descarregar o material ficou a guitarra no meio da estrada, à entrada do Colombo. Só nos lembrámos 20 minutos depois. Quando chegámos novamente ao sítio, apercebemo-nos que a guitarra já não estava lá. Mais, tinha sido retirada pela Polícia e chegámos antes de eles chamarem a brigada de minas e armadilhas, por não ser um estojo com o formato normal e eles terem achado aquela caixa muito estranha. Posto isto, sim, fomo-nos apercebendo que havia muito mais do que os loops de 7 segundos e a bateria.

BC: A história dos Memória de Peixe é curiosa… Inicialmente, o projecto começou por ser apenas “one man band” constituído pelo Miguel, que ia servindo-se da guitarra e interligando carradas de loops. Só depois apareceu o Nuno. Como foi a transição e a introdução de uma bateria? Foi um processo complicado ou foi uma coisa que fluiu naturalmente?


MP: Na verdade, não foi difícil a transição até porque na fase inicial estava tudo em aberto e já nos conhecíamos e sabíamos que mais cedo ou mais tarde teríamos que ter um projecto nosso. O que demorou foi a procura de uma fórmula para as músicas resultarem utilizando a técnica dos loops sem que a mesma condicionasse excessivamente as canções e digamos que nesse ponto a bateria ajudou a criar respiração e a dar novas abordagens rítmicas a algo estático, que depende sempre de elementos externos, como outras guitarras e baterias para se transfigurar – o loop. 

BC: No vosso primeiro disco, o homónimo lançado no ano passado, trabalharam com algumas pessoas ilustres do panorama musical alternativo português actual como, por exemplo, a Da Chick ou a Catarina Salinas, dos Best Youth. Essas colaborações foram difíceis de gravar ou as meninas portaram-se bem? Existe alguém com quem gostassem de trabalhar num futuro próximo?

MP: As meninas portaram-se extremamente bem e o processo foi muito rápido. Gostamos muito do timbre e das melodias e admiramos o trabalho delas, independentemente das suas diferenças. Enquanto compusemos as canções tentámos servir a identidade delas e ao mesmo tempo ir de encontro ao que pretendíamos. Da mesma forma que poder ter uma música com o Carlos Bica foi um enorme prazer. No futuro, estamos a idealizar/preparar já alguns temas que poderão responder à última parte da pergunta, mas até agora não está incluída nenhuma voz na equação.


"O que tem acontecido com o disco tem sido muito bom e estimulante, o facto de as pessoas gostarem dá-nos mais vontade e cria mais exigência. Acreditamos nas melodias, na harmonia, no ritmo."


BC: Quando compõem e delineiam o esqueleto sonoro das vossas músicas, em que é que pensam primeiro? É o Miguel que trata dos loops e que os experimenta e só depois é que o Nuno os reveste com a bateria ou é uma coisa que surge naturalmente da vossa experimentação e improvisação? E quem escreve as letras das vossas músicas (risos)?


MP: Depende das músicas, já existiram temas que nasceram de improvisações, experimentações e erros. Noutras situações existe uma ideia prévia de guitarra e desenvolvemos em conjunto. Gostamos de dedicar bastante tempo à composição, o que não invalida que uma ideia que nasça no momento fique para sempre numa música. Não temos um processo fechado, e adaptamo-lo à música. Acreditamos que existe muita coisa que queremos explorar no loop e na interacção de uma guitarra e bateria. Quanto às letras, a “Fish&Chick” foi a a Da Chick que a escreveu e a “Walkabout” foi escrita por nós.

BC: Houve uma reacção extremamente positiva em relação ao vosso disco de estreia, quer por parte da crítica (sendo escolhido por imensos sites e blogues musicais como um dos melhores discos nacionais de 2012) quer por parte do público. Estavam à espera que, pelo facto do vosso disco ser maioritariamente desprovido de voz, o disco chegasse a tanta gente? É um estilo que pretendem manter? Quais as vossas malhas favoritas do disco? Vá, falem-me da Indie Anna Jones, vá…

MP: O que tem acontecido com o disco, ainda por cima o primeiro registo, tem sido muito bom e muito estimulante. Só podemos ficar orgulhosos e gratos com as reacções. O facto de as pessoas gostarem dá-nos mais vontade e cria mais exigência, estamos sempre a pensar no que fazer a seguir e com ideias para desenvolver e explorar, como qualquer outra banda. Acreditamos nas melodias, na harmonia, no ritmo; tentamos apenas fazer música e música que nos agrade. A música instrumental irá manter-se como alicerce do projecto, não invalidando eventuais participações no futuro de outros instrumentos ou de uma voz.

Com os concertos complementa-se o trabalho que está apresentado no disco e dessa forma solidifica-se a parte ao vivo. A “Indie Anna Jones” é sem dúvida uma malha que gostamos e deu-nos muito gozo gravá-la (mesmo a parte dos assobios, que ninguém conseguia assobiar sem salpicar o microfone). Claro que quando fazemos um disco, o ideal é que não colocar nenhuma música que não gostes no disco, mas em termos de favoritismo é melhor não dar nenhum destaque, senão alguma pode ficar com ciúmes e não resultar tão bem ao vivo. 

BC: O vosso disco é bastante diferente entre si, mas ao vivo acaba por nem se notar tanto essa disparidade. Sentem essa necessidade de ao vivo serem mais coesos, sonoramente falando, ou isso é uma coisa que surge naturalmente e consoante o público?

MP: É algo que também está relacionado com o processo mais controlado que a gravação do disco envolveu, uma preocupação mais acentuada em separar as linhas e diferentes camadas melódicas, que podem por vezes ficar caóticas, mas que também foram um desafio para o Nuno Monteiro, a quem devemos muito. Ao vivo é tudo mais poderoso e temos momentos diferentes no concerto; uns mais fieis ao disco – as melodias ou ritmos que têm de ser reconhecidos que caracterizam certos temas - e os momentos em que temos mais liberdade de fugir para sítios diferentes do disco e por vezes improvisados. Algo que procuramos manter, que pode influenciar por vezes certos momentos do concerto e criar novos momentos para nós e para quem nos esteja a ouvir, tentando assim manter o concerto o mais dinâmico possível.

Memória de Peixe a actuar no Festival Novos Talentos FNAC

"Há sempre muita música que nos influencia, mas serão sempre pedaços de algo, fragmentos de muitas ideias diferentes."

BC: Conheço muita gente que vos viu no Festival Milhões de Festa’12 e que disse que o vosso concerto foi um dos momentos altos do festival. Ainda se lembram dessa passagem por Barcelos? Foi assim tão especial?

MP: Não há memória de peixe que nos valha a momentos destes. Para nós é sem dúvida algo que guardamos. Tivemos a sorte de estar tanta gente receptiva e naquele ambiente absolutamente fantástico e próximo que só o Milhões consegue proporcionar. Estávamos bastante nervosos no início, estava muita gente e ainda por cima depois do fantástico concerto dos grandes Riding Pânico que tivemos o privilégio de assistir também. Quando entrámos em palco entregamo-nos por completo e acabámos por ser surpreendidos com a incrível receptividade. A relembrar. Sem dúvida!

BC: Muitos dizem que vossa música é do mais original que se pode encontrar por cá, o que concordo inteiramente. Quais são as vossas grandes influências musicais? E a nível da guitarra, quais os guitarristas que mais te influenciam, Miguel? E se ainda tivessem de rotular o vosso estilo musical, como o rotulavam?

MP: Só podemos agradecer. Talvez sejamos influenciados neste projecto por influências indie/rock interligado com jazz e música improvisada, o groove e a música electrónica. Há uma procura também mútua de ritmos, devido ao facto de nós os dois gostarmos bastante de bateria. Há sempre muita música que nos influencia, mas serão sempre pedaços de algo, fragmentos de muitas ideias diferentes. Há tanta fonte onde beber que essa é sempre uma procura constante, interligada com o facto de se conhecer bandas e música diferente o mais possível.

Depende mesmo muito, mas não tenho nem nunca tive posters de nenhum em casa (risos). Depende imenso das alturas, mas ultimamente tenho ouvido Hilmar Jennson nos TYFT, Ben Monder, Nels Cline, Jeff Parker, o disco do Steve Reich com o Pat Metheny, Manuel Gottshing... Recentemente, em termos de guitarristas é por onde tenho andado. Se tivéssemos de rotular o nosso estilo musical em regime freestyle da parvoíce, diríamos um indieprovisation.



BC: Vão acutar, dentro de alguns dias, no Optimus Primavera Sound 2013, a decorrer no Porto. Qual foi a vossa reacção quando surgiu o convite para actuarem no festival? E quais são as bandas do cartaz que mais apreciam e que não irão perder por nada?

MP: A nossa reacção foi a natural felicidade por poder participar num festival que já admirávamos bastante de Barcelona pela sua programação. O facto de podermos estar na segunda edição do festival em Portugal a actuar é difícil de explicar, mas ficámos mesmo muito contentes. As bandas do cartaz passam por My Bloody Valentine, Grizzly Bear, Do Make Say Think, Explosions in The Sky, Deerhunter, Dan Deacon e por aí fora. Vamos espreitar também os concertos portugueses claro.

BC: A rádio sempre foi um catalisar fulcral na divulgação de novas bandas e projectos portugueses. Por exemplo, a Antena 3 “patrocinou” alguns dos vossos videoclips, como Fishtank, Estrela Morena e o mais recente, 7/4. Julgam que a rádio mantém a importância de outrora no processo de divulgar e projectar a música portuguesa?

MP: A rádio continua a representar um papel fundamental, pela divulgação cada vez mais abrangente daquilo que é a variedade da música portuguesa e pela qualidade de muitos programas de autor que nos levam a descobrir muitas bandas quer nacionais quer internacionais que nos surpreendem e que nem sabíamos muitas vezes que existiam. No caso da Antena3, só podemos estar gratos com a divulgação que temos tido, independentemente de sermos uma banda que tenha voz ou não, mas existem mais casos de rádios portuguesas que fazem na nossa perspectiva um grande trabalho e já de longa data.

BC: Tempo para algumas perguntas aleatórias feitas por conhecidos e amigos meus. “Para quando uma cover de The Smiths?”, AR. “Qual a vossa parte favorita do sermão de Santo António aos Peixes?”, BF. “O que acham do governo?”, NS. “São portistas?”, LS. “O que acham de Black Bombaim?”, FG. Querem responder a alguma delas?

MP: "Qual a vossa parte favorita do sermão de Santo António aos Peixes?”, BF.  + “O que acham do governo?”, NS. “A primeira cousa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, menos mal.” - Talvez esta passagem seja eleita porque continua a ser actual e diz-nos muito hoje em dia. Com esta citação aproveitamos e respondemos também ao que achamos do governo.

São portistas?”, LS. Não somos portistas, mas dos portuenses somos fãs.

O que acham de Black Bombaim?”, FG. Admiramos os Black Bombaim e a sua consistência artística. Todas as bandas da L&L contribuem para o orgulho que temos em pertencer a esta família.

Para quando uma cover de The Smiths?”, AR. Quanto à pergunta do grande AR, que ele já nos perguntou 50 vezes, e nós dissemos sempre que não sabíamos, se falhar a Loopstation, ligamos o jack ao Amílcar, que ele tem mostrado que é bom nos loops. Badum tss. 

BC: Ok, voltamos novamente às perguntas minimamente decentes. São de Caldas da Rainha. A Lovers & Lollypops é de Barcelos. Como é que a Lovers teve conhecimento de vocês? Como se deu a ligação?

MP: Já o dissemos e voltamos a dizer que sempre achámos que presentemente a Lovers é a nossa SubPop em Portugal, devido à variedade de estilos, à liberdade criativa e a união de tudo isso numa estética e num trabalho muito próprio, que já vem sendo cada vez mais reconhecido, quer pelas edições, quer pelo trabalho que desenvolve no festival Milhões de Festa. Tínhamos curiosidade e vontade em saber se a L&L estaria interessada em colaborar no futuro e enviamos umas maquetes. Ouvimos falar que eles eram uns porreiros e confirmou-se quando nos conhecemos pessoalmente. E a verdade é que eles para além disso nos proporcionaram muita confiança desde o inicio e a partir daí tudo o resto foi surgindo naturalmente. Mesmo sendo uma das bandas mais distantes geograficamente, nunca nos sentimos longe.

BC: Se vos pedisse para fazer uma abordagem pequena à actualidade da música nacional, que abordagem fariam?

MP: Estão a surgir cada vez mais bandas que gostamos e que já estão num nível fantástico. A actualidade da música nacional – pelo menos a que nós seguimos - está cada vez mais variada, interessante e surpreendente. Têm surgido imensos projectos novos bastante bons, outros que se consagram e alicerçam-se como sendo inevitáveis e a verdade é que está a ser estimulante seguir o que se passa. A exigência está cada vez maior e a originalidade também. Só pode continuar a ser melhor e a crescer, assim o esperamos.

BC: Por fim, quando é que vamos ter novamente notícias vossas? Já pensam num novo disco?

MP: Sim, já começámos a compor. Mas ainda não há datas no horizonte para os próximos tempos.


Entretanto, o novo videoclip dos Memória de Peixe, para 7/4, foi já divulgado durante a manhã de hoje. Para ver aqui em baixo.


Emanuel Graça 




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