Música enquanto agente económico? Este
conceito é quase um corpo estranho para a maioria dos ouvintes de música em
Portugal que, e bem, estão mais preocupados em desfrutar do que de bom se faz
por cá que na sua viabilidade económica. Eis que aparece o Talkfest, que se
propõe a preencher esse buraco na reflexão sobre o futuro da música enquanto
negócio e enquanto braço armado do turismo, nomeadamente no que aos festivais
de verão diz respeito. O Talkfest é um ciclo de conferências que, já na 2ª
edição, contou com um painel de distintos oradores como Álvaro Covões, patrão da
Everything is New, Tozé Brito,
administrador da SPA, músico e autor,
Jorge Romão (GNR) e Zé Pedro (bem,
nem vou ter o desplante de vos tentar apresentar o Zé Pedro). Mas nós, gente
atenta à música nacional mas sobretudo audiófilos assumidos, demos, como seria
de esperar, maior relevo à música tocada. Já que mais não seja pelo facto de a
música falada não ser a nossa praia (desculpem rappers deste mundo). Assim
sendo, saltamos directamente do ISEG, local das conferências, para a Aula
Magna, sala de espetáculos emblemática lisboeta onde tiveram lugar os concertos.
6 de Março
A edição de 2013 do Talkfest abriu em
grande estilo com os Capitão Fausto, uma das bandas em
alta rotação na cena musical deste Portugal e que deu mais uma prova de
vitalidade. Uma sala composta (numa 4ª à noite!) demonstrou mais uma vez a
lufada de ar fresco que estes rapazes são no roque nacional. Apesar de o
alinhamento ter sido muito semelhante aos vários concertos que já vimos da
banda, não cansa, de facto, ouvir grandes malhas como Sobremesa ou Santa Ana.
Não cansa ver o Salvador Seabra a
tocar como se não houvesse amanhã e a brindar a Aula Magna com um soberbo solo
de bateria. Não cansa correr atrás da gazela, tentativa inglória, que ela é
rápida demais para o nosso passo pacato. É que isto de andar a ouvir Zambujos e Vitorinos, Faustos e Úrias e apanhar com tamanha descarga
eléctrica sempre que nos aventuramos pela savana onde mora a gazela psicadélica
faz-nos suar de alegria por haver uma banda assim em Portugal. Gostávamos que
tivessem deixado cair mais o pano do segundo álbum de originais que aí vem?
Claro. As poucas músicas novas que apresentaram não conseguiram empolgar como
os grandes sucessos do disco de estreia? Não, o que é naturalíssimo visto não
lhes conhecermos o miolo. Foi um grande concerto. Como todos os outros da
banda? Sem dúvida. E, claro, há sempre a Teresa
para fazer sobressaltar as hostes.
E a cama estava feita para os Salto,
que mostraram logo ao que vinham empunhando a sua pope dançante e acentuando a
sua identidade tripeiro-descontraída (“Olá,
nós somos do Porto, c******!”).
Esta banda do catálogo da Amor Fúria é também ela um caso sério.
Execução a roçar o irrepreensível, linguagem acessível e música construída numa
lógica pop que navega entre a
electrónica a gritar pelas pistas de dança e o roque alternativo a que tão bem
queremos. Causaram muito boa impressão e acabaram com uma Aula Magna rendida à
energia de canções como Deixar Cair, Por Ti Demais ou Sem 100, onde o groove da
voz de Guilherme Tomé Ribeiro marcou
pontos.
7 de Março
O segundo dia do Talkfest´13 começou
também com uma banda portuense, desta feita os doismileoito. Conseguiram
certamente pôr toda a gente a bater o pé, pois ofereceram um concerto de bom
nível, com um alinhamento constituído maioritariamente por canções do seu
álbum, intitulado Pés Frios. E foi precisamente quando se ouviu Quinta-feira, single radiofónico desse
mesmo disco (e que goza de maior aceitação por parte de um espectro mais
alargado de ouvintes) que as tropas se animaram e levantaram o rabo das confortáveis
poltronas da Aula Magna (sim, acho que lhe podemos chamar poltronas). Estava
lançada a festa com o pope-roque directo e cantável dos doismileoito e era altura
de nos preparamos para o punk também,
diga-se, pintado em tons pop de uns
certos rapazes de Queluz.
A dicotomia
estar-sentado-porque-estou-na-Aula-Magna versus
estar-de-pé-porque-estou-num-concerto-de-roque foi omnipresente no Talkfest,
mas Jónatas Pires d’Os Pontos
Negros tratou rapidamente do assunto. “É uma vergonha estarem aí sentados. Todos de pé, é uma ordem!”,
gritou o guitarrista e vocalista. Grande parte do público respondeu e estavam
criadas as condições para um concerto que revisitou os êxitos da já mui
respeitável discografia da banda sem nunca esquecer o mais recente álbum de originais
gravado em Abbey Road, Soba Lobi. Canções como Conto de Fadas de Sintra a Lisboa, Magnífico Material Inútil, Rei Bã e Tudo Floresce (só para citar as mais conhecidas) trataram de encher
a barriga a quem se deslocou à Aula Magna. Houve ainda espaço para Pedro da Tróia (Capitães da Areia)
irromper palco dentro para uma feliz versão de Supersticioso, dos Heróis do Mar e para se ouvir 1991, dos Feromona, cantado
pelo próprio Diego Armés e,
imagine-se, com grande parte da banda em palco. Por volta da uma da manhã, com
o encerramento do metro, a assistência diminui significativamente, para níveis
que uma banda com a história d’Os Pontos Negros não merece. Nós
aguentámos por amor ao rock,
aplaudimos com todas as forças – e fomos a pé para casa.
8 de Março
Os Ciclo Preparatório podem ter uma
palavra importante a dizer no futuro da pop
nacional. Prova disso é a força que o seu single Lena Del Rey já ganhou, com várias semanas seguidas a dominar o top
da Antena 3. No dia 8 de Março
pudemos ouvir as canções do seu álbum de estreia que, ao que consta, sairá já
no próximo mês de Abril. Transpareceu algum nervosismo, natural, e a banda não
conseguiu levantar a maioria dos presentes (mas não será injusto se culparmos o
facto das cadeiras serem verdadeiramente de um conforto digno de um sultão das
Índias). Distribuíram-se flores pelas senhoras da sala, que fica sempre bem.
Deste concerto dos Ciclo Preparatório ficaram as canções, que são boas, e que
fazem antecipar um álbum bem-sucedido.
Quem também não conseguiu ganhar a
batalha contra as cadeiras da Aula Magna foram os Cavaliers of Fun, apesar
de toda a energia colocada em palco. A banda composta pelo ex-Loto Ricardo Coelho e pelo mentor dos Memória
de Peixe, Miguel Nicolau, apresentou,
no entanto, uma pop saudável que
respira energia e electrónica como um relâmpago daqueles que fazem os putos
esconderem-se debaixo das saias das mães.
Pop dançável.
Findos que estavam estes dois concertos
inaugurais, chegou-nos o grande momento desta edição do Talkfest. Não tínhamos
expectativas demasiado altas. Confesso-vos, com alguma vergonha, que não sou
(não era) grande fã dos PAUS. Da primeira vez que os vi ao
vivo, ainda sem conhecer versões de estúdio, estranhei o som difuso e o
pitoresco do cenário. Amaldiçoo o meu conservadorismo, porque no dia 9 de Março
descobri uma banda que mudou a minha forma de ouvir música. O que antes parecia
uma exibição frugal de técnica por parte da bateria siamesa, mas principalmente
do enorme Hélio Morais,
afigurou-se-me uma massa sonora que faz sentido, e faz o sentido que lhe
quisermos dar. Mas dúvidas de que é brutal, arrebatadora e tudo mais? Não as
há, agora.
E quando vejo uma Aula Magna cheia como
não se viu noutro concerto do Talkfest´13 percebo a palermice da minha reserva
quanto aos PAUS. Assistia-se à consagração de uma grande banda, num
grande palco. Quim Albergaria
atirou: "Hoje é um bom dia para
engravidar" (!). Acrescenta: "para
dizerem ao vosso filho que foi feito no dia de um concerto muito especial: no
dia em que os PAUS tocaram pela primeira vez na Aula Magna!".
Foi de facto um enorme concerto, que foi também especial por ser o primeiro e
talvez o único em quinteto - com o novo membro Fábio Jevelim.
E a festa acabou com a já tradicional
invasão de palco com um público sedento de ouvir o disco homónimo e também os
dois EP´s da banda (“É Uma Água” e “Estamos Juntos”) com a força acrescentada
que a interpretação ao vivo lhes dá. Mais gente no palco que na plateia e, só
por aquele momento, valeria a pena fazer-se mil edições do Talkfest. E as
poltronas, essas, estavam vazias.
Bernardo Branco Gonçalves
Fotografias por Constança Quinteiro
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