quarta-feira, 27 de março de 2013

TALKFEST'13 - REPORTAGEM

Música enquanto agente económico? Este conceito é quase um corpo estranho para a maioria dos ouvintes de música em Portugal que, e bem, estão mais preocupados em desfrutar do que de bom se faz por cá que na sua viabilidade económica. Eis que aparece o Talkfest, que se propõe a preencher esse buraco na reflexão sobre o futuro da música enquanto negócio e enquanto braço armado do turismo, nomeadamente no que aos festivais de verão diz respeito. O Talkfest é um ciclo de conferências que, já na 2ª edição, contou com um painel de distintos oradores como Álvaro Covões, patrão da Everything is New, Tozé Brito, administrador da SPA, músico e autor, Jorge Romão (GNR) e Zé Pedro (bem, nem vou ter o desplante de vos tentar apresentar o Zé Pedro). Mas nós, gente atenta à música nacional mas sobretudo audiófilos assumidos, demos, como seria de esperar, maior relevo à música tocada. Já que mais não seja pelo facto de a música falada não ser a nossa praia (desculpem rappers deste mundo). Assim sendo, saltamos directamente do ISEG, local das conferências, para a Aula Magna, sala de espetáculos emblemática lisboeta onde tiveram lugar os concertos.





6 de Março

A edição de 2013 do Talkfest abriu em grande estilo com os Capitão Fausto, uma das bandas em alta rotação na cena musical deste Portugal e que deu mais uma prova de vitalidade. Uma sala composta (numa 4ª à noite!) demonstrou mais uma vez a lufada de ar fresco que estes rapazes são no roque nacional. Apesar de o alinhamento ter sido muito semelhante aos vários concertos que já vimos da banda, não cansa, de facto, ouvir grandes malhas como Sobremesa ou Santa Ana. Não cansa ver o Salvador Seabra a tocar como se não houvesse amanhã e a brindar a Aula Magna com um soberbo solo de bateria. Não cansa correr atrás da gazela, tentativa inglória, que ela é rápida demais para o nosso passo pacato. É que isto de andar a ouvir Zambujos e Vitorinos, Faustos e Úrias e apanhar com tamanha descarga eléctrica sempre que nos aventuramos pela savana onde mora a gazela psicadélica faz-nos suar de alegria por haver uma banda assim em Portugal. Gostávamos que tivessem deixado cair mais o pano do segundo álbum de originais que aí vem? Claro. As poucas músicas novas que apresentaram não conseguiram empolgar como os grandes sucessos do disco de estreia? Não, o que é naturalíssimo visto não lhes conhecermos o miolo. Foi um grande concerto. Como todos os outros da banda? Sem dúvida. E, claro, há sempre a Teresa para fazer sobressaltar as hostes.






E a cama estava feita para os Salto, que mostraram logo ao que vinham empunhando a sua pope dançante e acentuando a sua identidade tripeiro-descontraída (“Olá, nós somos do Porto, c******!”).

Esta banda do catálogo da Amor Fúria é também ela um caso sério. Execução a roçar o irrepreensível, linguagem acessível e música construída numa lógica pop que navega entre a electrónica a gritar pelas pistas de dança e o roque alternativo a que tão bem queremos. Causaram muito boa impressão e acabaram com uma Aula Magna rendida à energia de canções como Deixar Cair, Por Ti Demais ou Sem 100, onde o groove da voz de Guilherme Tomé Ribeiro marcou pontos.





7 de Março

O segundo dia do Talkfest´13 começou também com uma banda portuense, desta feita os doismileoito. Conseguiram certamente pôr toda a gente a bater o pé, pois ofereceram um concerto de bom nível, com um alinhamento constituído maioritariamente por canções do seu álbum, intitulado Pés Frios. E foi precisamente quando se ouviu Quinta-feira, single radiofónico desse mesmo disco (e que goza de maior aceitação por parte de um espectro mais alargado de ouvintes) que as tropas se animaram e levantaram o rabo das confortáveis poltronas da Aula Magna (sim, acho que lhe podemos chamar poltronas). Estava lançada a festa com o pope-roque directo e cantável dos doismileoito e era altura de nos preparamos para o punk também, diga-se, pintado em tons pop de uns certos rapazes de Queluz.




  
A dicotomia estar-sentado-porque-estou-na-Aula-Magna versus estar-de-pé-porque-estou-num-concerto-de-roque foi omnipresente no Talkfest, mas Jónatas Pires d’Os Pontos Negros tratou rapidamente do assunto. “É uma vergonha estarem aí sentados. Todos de pé, é uma ordem!”, gritou o guitarrista e vocalista. Grande parte do público respondeu e estavam criadas as condições para um concerto que revisitou os êxitos da já mui respeitável discografia da banda sem nunca esquecer o mais recente álbum de originais gravado em Abbey Road, Soba Lobi. Canções como Conto de Fadas de Sintra a Lisboa, Magnífico Material Inútil, Rei Bã e Tudo Floresce (só para citar as mais conhecidas) trataram de encher a barriga a quem se deslocou à Aula Magna. Houve ainda espaço para Pedro da Tróia (Capitães da Areia) irromper palco dentro para uma feliz versão de Supersticioso, dos Heróis do Mar e para se ouvir 1991, dos Feromona, cantado pelo próprio Diego Armés e, imagine-se, com grande parte da banda em palco. Por volta da uma da manhã, com o encerramento do metro, a assistência diminui significativamente, para níveis que uma banda com a história d’Os Pontos Negros não merece. Nós aguentámos por amor ao rock, aplaudimos com todas as forças – e fomos a pé para casa.




8 de Março

Os Ciclo Preparatório podem ter uma palavra importante a dizer no futuro da pop nacional. Prova disso é a força que o seu single Lena Del Rey já ganhou, com várias semanas seguidas a dominar o top da Antena 3. No dia 8 de Março pudemos ouvir as canções do seu álbum de estreia que, ao que consta, sairá já no próximo mês de Abril. Transpareceu algum nervosismo, natural, e a banda não conseguiu levantar a maioria dos presentes (mas não será injusto se culparmos o facto das cadeiras serem verdadeiramente de um conforto digno de um sultão das Índias). Distribuíram-se flores pelas senhoras da sala, que fica sempre bem. Deste concerto dos Ciclo Preparatório ficaram as canções, que são boas, e que fazem antecipar um álbum bem-sucedido. 






Quem também não conseguiu ganhar a batalha contra as cadeiras da Aula Magna foram os Cavaliers of Fun, apesar de toda a energia colocada em palco. A banda composta pelo ex-Loto Ricardo Coelho e pelo mentor dos Memória de Peixe, Miguel Nicolau, apresentou, no entanto, uma pop saudável que respira energia e electrónica como um relâmpago daqueles que fazem os putos esconderem-se debaixo das saias das mães. Pop dançável.

Findos que estavam estes dois concertos inaugurais, chegou-nos o grande momento desta edição do Talkfest. Não tínhamos expectativas demasiado altas. Confesso-vos, com alguma vergonha, que não sou (não era) grande fã dos PAUS. Da primeira vez que os vi ao vivo, ainda sem conhecer versões de estúdio, estranhei o som difuso e o pitoresco do cenário. Amaldiçoo o meu conservadorismo, porque no dia 9 de Março descobri uma banda que mudou a minha forma de ouvir música. O que antes parecia uma exibição frugal de técnica por parte da bateria siamesa, mas principalmente do enorme Hélio Morais, afigurou-se-me uma massa sonora que faz sentido, e faz o sentido que lhe quisermos dar. Mas dúvidas de que é brutal, arrebatadora e tudo mais? Não as há, agora.






E quando vejo uma Aula Magna cheia como não se viu noutro concerto do Talkfest´13 percebo a palermice da minha reserva quanto aos PAUS. Assistia-se à consagração de uma grande banda, num grande palco. Quim Albergaria atirou: "Hoje é um bom dia para engravidar" (!). Acrescenta: "para dizerem ao vosso filho que foi feito no dia de um concerto muito especial: no dia em que os PAUS tocaram pela primeira vez na Aula Magna!". Foi de facto um enorme concerto, que foi também especial por ser o primeiro e talvez o único em quinteto - com o novo membro Fábio Jevelim.

E a festa acabou com a já tradicional invasão de palco com um público sedento de ouvir o disco homónimo e também os dois EP´s da banda (“É Uma Água” e “Estamos Juntos”) com a força acrescentada que a interpretação ao vivo lhes dá. Mais gente no palco que na plateia e, só por aquele momento, valeria a pena fazer-se mil edições do Talkfest. E as poltronas, essas, estavam vazias.




Bernardo Branco Gonçalves
Fotografias por Constança Quinteiro




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