Esta noite foi o
início das Noites da Lisa, apadrinhadas por Allen Halloween,
que visam criar uma casa do hip-hop no Musicbox com alguma regularidade. Um
projecto que fazia falta a Lisboa, onde grande
parte do hip-hop dificilmente saía dos pequenos nichos e agora tem
uma oportunidade de se fazer ver e ouvir a um público mais abrangente e
diversificado. Foi um depósito de
confiança do Musicbox em Allen Halloween num conceito à partida arriscado, mas
sem dúvida de louvar. A aposta foi feita, restava saber a resposta deste
concerto piloto.
Às 00:40 entra Halloween, acompanhado por Lucyfer e DJ Núcleo, DJ que acompanhara as duas duplas anteriores e fizera os intervalos entre as actuações. Halloween fez-lhe uma referência no início - "O melhor DJ que por aí anda, e não digo isto da boca para fora!" -, e com razão. Tanto sozinho como a acompanhar, mostrou-se sublime durante toda a noite com beats bem gordos, grooves e scratches que enchiam a sala. Halloween entrou tranquilo, mas determinado, num Musicbox que pedia mais gente (seria da chuva?), mas que já estava mais de metade cheio. Halloween tem a capacidade de conciliar a linguagem mais coloquial do hip-hop, das ruas, cozinhá-la numa lírica agressiva, gelada, e embrulhá-la depois num emaranhado lírico e musical negro que perturba. Perturba não pelo seu conteúdo semântico (por vezes básico e brutal), mas sim pela inteligência com que é construído, pela consciência perfeita daquilo que é, do que quer e como quer transmitir. Por isto Halloween tem que ser um actor, nesta difícil conciliação de dois mundos, da dureza e decadência vivida nas ruas e da sua expressão necessária e inequivocamente brutal, e da subtileza e intelectualidade precisa para a exprimir, e, porque não, também para criar poesia.
Voltando ao concerto: Halloween foi um actor, foi básico, foi sarcástico, foi contido, gritou em plenos pulmões e deixou transparecer a raiva quando quis. Foi isso tudo, porque esse emaranhado que cria, poesia em suma, assim o obriga. Dito isto, não fez mais do que a sua obrigação, e na mesma tranquilidade com que entrou, assim saiu e foi-se embora, sem uma palavra que assim o fizesse prever.Foi um bom concerto, que satisfez os mesmos mas não serviu para ganhar novo público. Halloween não fez mais do que o que era obrigado mas podia ter feito, frente a uma audiência interessada, mas pouco activa. O alinhamento serviu para revisitar o Projecto Mary Witch (com Mary Bu, Fly Nigga, SOS Mundo, Reportagem, O Exorcismo de Mary Witch e Procriar); Árvore Kriminal (com Noite da Lisa, Killa Me, Um Jardim à Beira Mar, Crazy e Drunfos), "Enemies" (da mixtape "Bomba Relógio") e dois sons de ODC Gang pelo meio (SWAG ("uma palavra que se prostituiu, caiu nas mãos erradas") e Recreio).
Por fim, lembro-me que quando Allen Halloween passou em frente a mim e o observei, antes de subir ao palco, trocava as seguintes palavras com um amigo:
- Este gajo tem vida na cara meu.
- Neste caso morte.
Poucos segundos depois, ouvimos no palco: “Em cada esquina eu farejo a morte…”.
PS: Gostaria de agradecer ao meu amigo Tiago Santi que me ajudou, na confrontação de ideias, a ter uma visão mais clara deste concerto.
Hugo Hugon
Fotografias por André Branco
(galeria completa em
facebook.com/bandcom)
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