Falar de David Fonseca, pelo
menos para este humilde melómano que vos escreve, é recuar mais de uma década
aos tempos em que uma banda ainda desconhecida de Leiria lançava, em 1998, uma
cover dos Erasure no éter, ganhando pouco depois o Termómetro Unplugged (quando
vencê-lo era realmente relevante e era sinónimo de lançar uma carreira) e pôs o
panorama musical português a salivar por mais. Os Silence 4 viriam a triunfar com as suas canções simples,
quase ingénuas, num inglês que soava a melodia do flautista da Hamelin para
toda uma geração que ansiava por ouvir as suas angústias, amores e desamores
cantados por uma música portuguesa que cada vez mais os esquecia.
Entre os quatro leirienses, desde
cedo se destacou o seu carismático líder David Fonseca. Com um percurso cuidado e
inteligente, desde o início manteve-se fiel apenas a si mesmo, com uma
linguagem pop dotada de muito mais de universal do que propriamente português.
Talvez seja este o segredo para, cinco álbuns e dez anos de carreira depois,
ter sido capaz de permanecer consistentemente no topo, quer em vendas, quer em
popularidade.
A geração que o ouvia no início acompanhou a sua evolução como músico e performer e David cultivou
sempre essa relação de proximidade e simpatia com os fãs, quer pela música que
foi criando (num crescente de complexidade e criatividade, conseguindo dessa
forma adaptar-se às mudanças nas preferências do seu público que ia evoluindo e
às tendências da pop), quer pela utilização frequente das redes sociais, como
forma de obter reacções em tempo real da multidão de anónimos que o segue e de
partilhar conteúdos exclusivos e personalizados.
A noite de 9 de Março no Coliseu
do Porto foi de celebração dos 10 anos da sua carreira a solo, por onde
passaram quase todos os êxitos essenciais, acompanhados de alguns mimos e
surpresas para uma plateia que quase esgotou a mítica sala portuense. Dez anos antes, à meia noite de
10 de Março de 2003, era lançado em 150 rádios simultanemente o primeiro single
do seu primeiro álbum a solo "Someone that cannot love". O seu álbum duplo "Seasons:
Rising/Falling", de 2012, (cuja ideia inicial era ser quádruplo, um álbum
para cada estação do ano), é um díptico que procura retratar a vida durante um
ano, com todas as suas cambiantes de clima, disposições e ambiências, servindo
de ponto de partida e centro nevrálgico de todo o espectáculo.
Durante mais de 2 horas,
assistimos à reprodução dessa panóplia de emoções através do jogo de luzes, com
uma paleta de cores correspondendo ao que ia sendo tocado, associada a um
alinhamento inteligente e cuidado, capaz de manter o ritmo e expectativa até ao
final e superando as expectativas dos fãs mais acérrimos e fiéis.
A meio do espectáculo, David
senta-se ao piano e improvisa com o público uma música a que chama de
"Coliseu", o mesmo que, mais uma vez, consegue que o acompanhe em
uníssono.
Um pouco mais tarde, a banda
abandona os instrumentos eléctricos e senta-se em círculo, simulando um ensaio.
Daí a nada, entoava-se o hino do Verão passado "We Are Young" dos
Fun, como mera introdução para uma versão completamente "despida" de
"What Life Is For", o single de apresentação do álbum mais recente de
David Fonseca que foi lançado através de uma campanha publicitária de uma
operadora de televisão.
Enquanto canta "Stop For A minute", David não resiste a conviver mais de perto com o público e desce
à plateia com a sua guitarra, para depois subir à tribuna e surpreender
novamente com a sua espontaneidade.
Terminado este período de maior
intensidade, cai a cortina negra e David surge em palco vestido de Mr. Scrooge
antes de se deitar. Sentado ao piano, a pretexto de uma história que envolve
uns telefonemas misteriosos, canta para um auscultador telefónico alterado para
microfone uma versão de "I Just Called To Say I Love You", para em
seguida arrancar com uma excelente revisão do clássico dos Nine Inch Nails
"Hurt", que termina já acompanhado por toda a sua banda.
Algumas músicas depois, a vontade
dos seus fãs expressa via-Facebook é cumprida e David Fonseca presenteia uma
plateia já rendida com uma versão mais pop do hino dos Nirvana
"Lithium", devidamente vestido com a sua velha camisa de flanela.
Seguiu-se a grande
"The 80's", que transforma o Coliseu numa discoteca gigante e o regresso
para o encore com "U Know Who I am" e o final apoteótico, repleto de
papéis prateados e balões, com uma "What Life Is For" em toda a sua
pujança pop.
Terminada a celebração, torna-se
fácil perceber como David Fonseca se tornou um artista consensual, com tudo o
que de melhor essa palavra pode acarretar. A sua estética vincada, apesar de
personalizada, tem, desde o início da sua carreira, uma qualidade superior e um
alcance que vai dos 8 aos 80 anos. A multidão que o recebeu de braços abertos e
vozes afinadas na Invicta foi o retrato perfeito dessa diversidade geracional
mas simultaneamente da comunhão em torno de uma música que se sabe manter
sempre viva e relevante, o que, em plena era de massificação de tendências e
proliferação de imitações de mau gosto, é um achado inestimável. E é nosso.
Venham mais dez, David.
Venham mais dez, David.
Paulo Silva
Créditos da fotografia:
Ana Alves Guedes (www.viverfestivais.com)
Créditos da fotografia:
Ana Alves Guedes (www.viverfestivais.com)
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