quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

:PAPERCUTZ - ENTREVISTA





Na ressaca dos últimos concertos (um deles no Ritz Clube, onde também estivemos), estivemos à conversa com Bruno Miguel, o mentor do projecto :papercutz que este ano lançou "The Blur Between Us", o segundo disco de uma carreira já bem marcada pelo reconhecimento fora de portas e pela forte aspiração ao que de acústico e à flor da pele mais podem ter as electrónicas.

BandCom (BC): O projecto :PAPERCUTZ é um projecto inovador e multifacetado. Como o defines?

Bruno Miguel (BM): Não sei se é inovador! É um termo demasiado arriscado para se usar em música. Acho que temos uma combinação de elementos muita própria, sim. Digo-o com algum à-vontade porque são outros a o dizer e não eu. Limito-me a fazer a música em que acredito. O projecto tem vindo a evoluir mas diria que a constante é a procura de trabalhar à volta do que poderá ser considerado uma canção, com uma preocupação pelo estético, o emocional e o despertar de imaginários. As minhas ferramentas para tal têm sido uma mistura entre instrumentação electrónica e orgânica.



(BC): Este novo disco, “The Blur Between Us”, é um disco marcado pela revisão analítica do lado mais negro da vida e da morte. Era este o sucessor lógico/ideal do “Lylac”?

(BM): Lado mais pesado e denso que essa consciência transmite mas o álbum celebra a vida! Eu dito que o conceito influencie a música e não fazia sentido uma música jovial. Toda a discografia faz sentido no facto em que acompanha a minha evolução como pessoa e músico e como tal tem alguma sustentação orgânica mas poderia ter seguido outros caminhos. O álbum é também um tributo a pessoas próximas que perdi, algo que me fez pensar muito nestes tempos sobretudo na tentativa de definir o que quero da minha vida. Tendo a fazer aquilo que me parece ser mais genuíno e o que me satisfaz criativamente, já que terei que defender o trabalho por alguns anos. Pelas mensagens que por vezes recebo, já percebi que não podemos agradar a todos, porque pelo nosso caminho há seguidores que ficam mais presos a esta ou aquela sonoridade mas os artistas que admiro arriscam e seguem os seus instintos nas esperança de que os outros os acompanhar nesse caminho e descobertas. A grande força da música não é o facto que se queira abrir o jogo sobre a nossa vida como se fosse algo especial e mais importante que a dos outros, mas provocar a empatia e a discussão pública ou interna.

(BC): Quais as principais preocupações na equação das apresentações ao vivo deste novo disco? Diferem muito, na tua opinião, das preocupações que tiveste ao montar os espectáculos de apresentação de “Lylac"?

(BM): Em relação ao "Lylac", estes concertos são mais directos e dinâmicos porque tem momentos calmos intercalados com outros mais energéticos. A principal preocupação é, além de ser fiel ao álbum, conseguir aproveitar ao vivo os músicos excelentes com os quais tenho a sorte de trabalhar. Logo deixa de haver um enfoque na composição mas mais no que eles também trazem para o palco.

(BC): Não raras vezes vemos que as bandas/artistas portugueses conseguem, ultimamente, algum reconhecimento fora de portas. No entanto, nem sempre esse reconhecimento lhes abre as perspectivas e as portas que poderia abrir. Consideras que a selecção para a Red Bull Music Academy, por exemplo, é um projecto que realmente teve impacto nas perspectivas de divulgação e consolidação do teu projecto? Que outros projectos ou reconhecimentos tens verificado que te permitem ganhar um “espaço maior” lá fora?

(BM): É um dos mas também o vejo como uma oportunidade de trabalhar com outros músicos como uma visão diferente da minha da música. O interessante mesmo é a validação, de uma entidade que apoia muito a música electrónica de dança, de que estes tempos têm revelado a música electrónica não como um fim em si mesmo mas como um potencial para se reinventar outros géneros... como a pop. O facto de me convidarem para edições (ou concertos) lá fora é o melhor sinal de todos porque implica um acreditar de estruturas profissionais.



(BC): Olhamos para :PAPERCUTZ e não vemos uma grande tradição de projectos na mesma senda, mas temos assistido a um franco crescimento underground do número de aventuras dentro deste universo musical. Concordas? Quais os projectos que te despertam maior interesse?

(BM): A não ser que se refiram a Portugal, não quero fomentar essa ideia. Há muitos projectos recentes e antigos que fazem o mesmo que nós só que cada um dentro da sua estética. Para não me deixar influenciar, demasiado tendo a ouvir sonoridades um pouco fora do nosso espectro (ambiental, new age, clássica minimal) e ultimamente vejo-me muito a olhar para trás para artistas por detrás de alguns clássicos da Pop (Peter Gabriel, David Sylvian, Kate Bush, The Cure). Isto não quer dizer que não aprecie outros projectos modernos - como dentro da electrónica basta conferir os artistas que convidei para remisturarem os nossos temas - e este ano tenho apreciado o que vêm do colectivo "Italians Do It Better" (Glass Candy, Chromatics, Desire) e um projecto para o qual fui convidado pela editora para remisturar: Castratii.

(BC): Vemos :PAPERCUTZ por várias plataformas na Internet, com várias colaborações/participações (T(h)ree Vol.1, por exemplo), e com ligações a diferentes etiquetas, mesmo internacionais. A tua ligação à Rastilho para este disco trouxe uma colaboração semelhante à colaboração que tens tido com as etiquetas internacionais no domínio da edição do teu trabalho (Apegenine, Audiobulb)?

(BM): O factor língua tem algum peso em termos de proximidade mas todas elas funcionam de formas muito parecidas e devo dizer que a Rastilho é um bom exemplo de como as editoras podem e devem existir num mercado (pequeno) como o Português, através de um catálogo ecléctico mas com uma escolha coerente em termos de originalidade: Linda Martini, Peixe:Avião, Filho da Mãe, Tiguana Bibles, If Lucy Fell, Switchtense, Sam Alone...

(BC): Neste disco contas com algumas colaborações, por exemplo quer ao nível da instrumentação (Osvaldo Fernandes) / produção (Chris Coady), quer ao nível inclusive da escrita das letras (José Luís Peixoto). Olhando de fora para o teu próprio trabalho, que pontos fortes dessas colaborações identificas?(BM): Uma enorme aprendizagem com todos! Estou aos poucos a pôr em prática o que retive em actividades que me vão surgindo.

(BC): O que guardas da passagem pelo South By Southwest (SXSW)?

(BM): Como montar um palco em menos de 5 minutos... aprendi muito sobre o que é música ao vivo ao nosso nível.

(BC): Já em Portugal, que visão tens sobre o reconhecimento do público e dos media do teu projecto?

(BM): Recentemente, alguém com alguma influência e capacidade para que chegássemos a mais pessoas disse-me que gostava muito de nós mas que era difícil enquadrar o nosso 'single' na sua programação. As pessoas consumem aquilo que em parte lhes chega e se os programadores tem medo de as educar... faz-nos falta pessoas como o António Sérgio. O público que nos conhece tem sido generoso, vai acompanhando, compra música, quer falar connosco depois dos concertos. Só gostava mesmo que mais pessoas participassem nos eventos ao vivo em que nós e outras bandas como nós se movem. Pelo que tenho assistido, sobretudo nestes tempo difíceis em que se vive por cá, Portugal arrisca-se a se tornar um espaço de grandes eventos e fica pouco dinheiro para o resto. O que gostava que as pessoas compreendessem, e em parte o que eu mesmo percebi de culturas de música como a Americana e a Inglesa, a sua importância no crescimento de uma banda, pela sua exigência e acompanhamento ao vivo, passam a fazer parte da sua história e cada concerto é uma experiência única tanto para nós como para o eles.





(BC): Quais os próximos projectos e concertos que tens em agenda para :PAPERCUTZ?"

(BM): Em termos de concertos vamos andar um pouco por todo o País e já com algumas datas em 2013 no resto da Europa. Em Abril estou, como mencionaram, na RBMA e vou apresentar um pouco da minha música ao vivo nos seus eventos e fico mesmo nos Estados Unidos por alguns meses. A ideia é que os outros membros possam vir ter comigo e :PAPERCUTZ dar alguns concertos ao vivo mas também irei aproveitar para trabalhar em nova música.

(BC): O Robert Smith deu-te algum parecer sobre a cover de “Disintegration”?

(BM): Na altura do 'International Songwriting Competition', como ganhámos um prémio, tivemos 'feedback' dos júris e uma das frases vinha dele. Algo muito positivo. Nunca aproveitei para mostrar a 'cover' (suponho que poderá acontecer se a quisermos editar numa versão física) porque certamente, se já eu tenho pouco tempo livre e por vezes estar na música cansa, o RS terá certamente melhores coisas que fazer com o seu tempo livre. Li num jornal inglês que andava a dedicar-se à jardinagem...como o bem entendo, o escape na ligação à natureza! Embora queira morar alguns tempos fora de Portugal, a minha segunda vida passa por, se tudo correr bem, produzir vinho (ou tratar de um jardim) e viver num espaço isolado, com visitas de amigos claro, no Douro ou Alentejo. São dos dois sítios mais incríveis que existem, seguramente, em todo o mundo. Talvez lhe devesse mandar uma fotografia destes espaços com a gravação do tema. Se calhar aí ele terá algum interesse em o ouvir... 


André Gomes de Abreu




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