Foi num auditório bastante
acolhedor e intimista da Associação Cultural do Mercado Negro,
em Aveiro, e com toda a gente sentada em cima da sua almofada colocada no chão,
que foi possível assistir a um senhor espectáculo proporcionado por Luís Azevedo Silva e a sua restante
banda no passado sábado, dia oito deste mês. Devo referir que tinha altas expectativas para este concerto, visto Azevedo Silva ser um dos meus
artistas portugueses favoritos…
O concerto estava marcado para as
23:30h, mas devido, a uma série de imprevistos, começou com um atraso de meia
hora. Era então cerca de meia-noite quando Azevedo Silva e a sua banda subiram
ao “palco” do auditório aveirense. Primeiramente fizeram-no em formato duo, só com Azevedo
da Silva e Filipe Grácio a salpicarem-nos
os tempos mais primordiais de Azevedo Silva: tocaram-nos A Morte, do salubre Autista, e Carrossel, uma música memorável do irmão com a idade mais próxima
de Monja
Mihara (álbum que está brevemente em análise pela redacção do BandCom), álbum lançado este ano. Nesta
fase inicial do concerto a sonoridade da banda estava apenas alicerçada na
guitarra acústica de Luís e na timidez da guitarra de Grácio, que ia somente
acatando uma tarefa meramente atmosférica.
A boa disposição, o
descompromisso e a alegria foram uma constante ao longo de todo o concerto,
contrastando com aquilo que é Azevedo Silva enquanto artista, um
artista que extravasa a sua veia mais introspectiva, intrigante e enigmática.
As piadas foram uma constante, assim como as gargalhadas que eram soltadas após
nos serem relatadas frases como “preciso
de um lenço!” ou conversas pseudo-filosóficas acerca de pintura, falando-se
de Claude Monet e Vincent Van Gogh. Foi sobretudo aqui, e
colocando a música por alguns momentos de parte, que Azevedo Silva começou a
conquistar o público. Entretanto, já havia em palco mais um elemento: uma
senhora que se ia desmembrando entre elementos de percussão, o violino e as
teclas. Em formato trio foram-nos tocados Abutres,
“a faixa de Tartaruga onde a vertente política era mais vincada”, e Deus Pânico (uma das minhas músicas
favoritas do (falso) grupo lisboeta), onde fui dado o anúncio “agora vamos fazer mais barulho”.
Foi à quinta faixa da setlist que começou o barulho “à séria”,
com a introdução da bateria. A primeira música a ser-nos tocada neste estádio
do concerto foi Sem Rasto, de Autista,
e foi aqui que se introduziu o principal motivo do concerto: a apresentação de Monja
Mihara, o mais recente álbum de Azevedo Silva. A partir daí veio uma
rajada de canções do mais recente registo do lisboeta, começando com Mediocridade. Seguiram-se Torto e Sufoco. O concerto cavalga a bom ritmo e Azevedo Silva anunciava “Esta música foi escrita uma vez quando
decidi viajar sem ter uma rota, anda simplesmente por aí. Agora sempre que vejo
alguém que me é próximo a emigrar, vejo que ela nunca fez tanto sentido como
agora” dando os primeiros acordes de La
Gacilly, uma das minhas músicas preferidas do quarto longa-duração do lisboeta, e rubricando um dos (muitos) pontos altos do concerto. O
alinhamento da setlist fez chegar de
seguida Lampedusa, a canção que, à imagem
de Abutres, evidencia os contornos mais políticos dos lirismos esplêndidos de Azevedo
Silva.
Posteriormente à interpretação de
Lampedusa, Azevedo Silva relatou (em
jeito de pergunta a ver se essa pessoa por ali se encontrava) que “Houve alguém que me pediu, via facebook, a Fadiga sem merdas acústicas…”, ao que me
acusei desde logo. Perguntou-me o meu nome, disse-lhe que me chamava Emanuel e eis que tive a honra de ouvir
de ouvir da boca de Luís “Esta é para o Emanuel!”. Lá tocou a
Fadiga, uma autêntica carga e intensidade sonora na qual repousa um “ruído de
fundo” que nos tem consumido. Foi indubitavelmente um dos pontos maiores do
concerto, sendo que para mim foi mesmo “o ponto”. Luís ia brincando “pelo
cartaz viam ali um rapazito com uma guitarra acústica, não estavam à espera de
tanto barulho, pois não?”, sempre evidenciando o seu bom humor.
O concerto caminhava, então, para
o seu fim. Demónios, a segunda faixa
de Monja
Mihara, era a faixa que estava prevista para desenlaçar o espetáculo.
Foi-nos tocada mas passou a voar e ainda restava muita água na boca naquela
plateia sequiosa de boa música. Depois de uma intensa chuvada de palmas, houve
um pedido de encore ao que Luís prontamente brincou “Por quatro euros? Já muito fizemos nós!”. O
pedido foi aceite e foi então que se até à altura estávamos perante um clima
intimista, passamos a estar complanados com o artista ; numa ambiência bastante
acolhedora e com um silêncio tremendo a prestar culto e a celebrar a sua
música. Este encore trouxe-nos a
banda em formato trio: com duas guitarras e um violino. Tocaram-nos duas
músicas e fecharam o concerto com Palavras
de Ninguém, do belíssimo Tartaruga.
Em compêndio, foi possível assistir
a um grandioso espectáculo de Azevedo Silva, que certamente rubricou um dos
melhores concertos a que assisti nestes últimos tempos. Desde a voz
perfeitamente imperfeita às tonalidades mais calmas e aconchegantes dos tempos
primordiais da “banda”, desde os lirismos esculpidos a ouro ao corpo sonoro
incrassado e mais robusto que o coimbrense impingiu em Monja Mihara, fiquei
ainda mais com uma certeza que já tinha na cabeça: é um crime o pouco
reconhecimento que Azevedo Silva tem. Contudo, por um lado, até prefiro que
continue a ser assim: é excessivamente boa a cumplicidade que existe entre o
público e o artista. Foi um prazer.
Emanuel Graça
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