*Aviso: Este artigo será redigido com
uma linguagem pouco formal e segundo algumas normas do acordo ortográfico de
1945. Além disso, poderá conter linguagem capaz de ferir as susceptibilidades do leitores.
Oi a todos, o meu nome é Emanuel Graça (na verdade, Graça nem é o meu último nome, mas
ninguém quer saber disso), sou maior de idade, nasci em Aveiro, a segunda
melhor cidade do país (a primeira é o Porto, claro), e gosto de abanar a cabeça
enquanto ouço malhas descomunais, designadas, por alguns, como, atente-se,
“barulho”. Aprecio tanto tal movimento que tendo a parar somente quando reparo
que já existe alguma inércia inerente à sua execução, geralmente associada a um
torcicolo qualquer. Também costumo parar de abanar a cabeça quando: estou em
concertos e dou uma marrada em alguém (desculpa, rapariga loira do Optimus
Primavera Sound, com feições suecas, a quem tive oportunidade de sacar
o número e só não o saquei porque fui um coninhas de todo o tamanho), quando reparo
que há seres a olhar para mim e estão a achar que bato mal da cabeça ou mesmo
até quando sou chamado à atenção pela minha tia, alertando-me, ela, “ainda vais ficar surdo com tanto barulho a
sair desses fones para dentro da tua cabeça, porque isso ultrapassa os ouvidos!”.
Ninguém me que conhece tão bem quanto a minha tia, (Maria Encarnação Santos Graça, melhor mãe deste Portugal) porque a realidade é mesmo
essa: gosto é de barulho que me entre pelos ouvidos adentro e que,
preferencialmente, não se desnude de lá, pelo menos, enquanto o ouço. Um som
pegajoso, vá… É aqui que dizemos “Olá”
às irmãs Pega Monstro.
As Pega Monstro são as irmãs
Reis, a Júlia e a Maria, e
“nasceram” com o selo da Cafetra Records, editora lisboeta
independente que tem vindo a cimentar-se no panorama alternativo da música
portuguesa, lançando nomes como, por exemplo, Os Passos Em Volta (tenho
saudades de ouvir o seu salubre Até Morrer) ou Éme, que já em 2012 nos brindou com Gancia, e que conta
usualmente com a colaboração de artistas de renome, como B Fachada. Comecei a atentar seriamente nas “garotas” (nada de
brejeirices) quando a estonteante Paredes
De Coura teve o seu quê de viral e me obrigou a ouvir O Juno-60 Nunca Teve Fita,
um EP que me cativou logo à primeira
audição pelo seu som potente, despido e turvo. Músicas como Paredes De Coura e Macaco fizeram-me logo água na boca e a ânsia em ouvir um novo
registo das Pega Monstro foi crescendo, assim como o número de pacotes de
austeridade aplicados em Portugal. A tão aguardada estreia da banda lisboeta
nos longa-durações aconteceu em Março passado, com um homónimo. Pega
Monstro foi editado pela Cafetra Records, distribuído pela Mbari
e abrilhantado pela produção analógica num 4-pistas de B Fachada.
Pega Monstro é um disco
honesto, com carisma e desconcertante e que regista uma maturação bastante
significativa face ao anterior registo das irmãs Reis, o já referido O Juno-60 Nunca Teve Fita. Podia
estar para aqui a arranjar adjectivos bonitos e vistosos (para vocês ficarem
todos do género “hey, este gajo percebe
da cena. Escreve bem!”), mas é impossível fazer poesia (ou algo do género)
enquanto somos completamente bombardeados e minados (fomos minadas :D) pelas granadas
sonoras impetuosoas e cruéis que nos são arremessadas maquiavelicamente pelas
vilãs, as dócil dupla Reis, sem estas
nos darem qualquer tipo de aviso. É como a nossa namorada dar o primeiro peido
ao pé de nós, não estamos preparados. Digo isto porque começou a tocar a Carocho enquanto bebia um café
pensativo, totalmente desprevenido para isto e consciente de que tinha pedido
para o Player reproduzir Mandrax Icon. (Enganei-me, a review ao
disco de Mandrax Icon (ler aqui)
tinha sido feita há semanas atrás e já tinha inserido o disco das irmãs no
leitor de CD) Cliquei no Play
enquanto pegava no café e o resultado foi pegar na esfregona e dar o corpo ao
manifesto (salvo seja), porque o chão ficou todo cagado (todo cheio de merda).
O disco inicia-se ao som de Carocho, que é uma logo uma malha descomunal.
A nuance que se dá (bem visível à
beira do primeiro minuto da faixa) entre a métrica e as constantes acelerações
e desacelerações germinadas, essencialmente, pela bateria é absolutamente
soberba e fica dado um excelente presságio para o resto do disco. É um aviso,
portanto. Pelo menos para mim foi-o: “caga
no café, bebes mais tarde!”. E foi mesmo isso, porque é impossível manter
cabeça inerte enquanto vertemos a chávena de café pela boca adentro e os nossos
tímpanos são violados pela turbulência instrumental das irmãs, a menos que
tentemos fazer isso durante as transições de faixa. Mas isso são 2 segundos, se
tentasse beber o café de penalti, acabava por queimar a língua, com alguma
sorte à mistura. Foi aqui que concluí que era melhor parar tudo, não
conseguiria fazer mais nada, e debruçar-me somente no disco.
Parte
II – Pega Monstro e o Terramoto de Lisboa de 1755
Impressiona a maneira ousada e
corajosa como as “jovens” Pega Monstro constroem a sua música.
Com a pujança de uns No Age vão tentando reconstruir a
essência de barulho, à imagem de uns My Bloody Valentine, sempre com o
corpo da sua sonoridade a ser incrassado pelo olhar tímido na pop e com as batidas demoníacas cuspidas
pela bateria de Júlia a fazerem a bússola
apontar para o noise enquanto o lo-fi (ou lol-fi, como lhe chamam no last.fm)
nunca se desnuda da música das irmãs. Se tivesse de catalogar a música
produzida pelas Pega Monstro, não teria dúvidas em dizer que isto era mais noise pop do que outra coisa. O problema
(bem, não é problema nenhum) é que isto é muito mais do que isso! Isto é punk, isto é rock, isto é pop, isto é
barulho, isto é um terramoto instrumental que nos provoca um abanão cerebral de
dimensões similares ao que o Terramoto de Lisboa de 1755 provocou pela grande
capital.
Lisboa não ruiu e ainda é
capital, mas depois de ouvir Não Te Metas
Comigo, Bro, quem ruiu fui eu. Despedacei-me aos pés/ao som das Pega
Monstro enquanto o meu sistema auditivo se ejaculava desmedidamente à
medida que o caos provocado pelo terramoto se ia instalando. A segunda faixa do
registo foi somente o início oficial do Terramoto de Emanuel Graça de 2012,
pelo que mais tormentas se esperavam. “Há
gajas que gostam de levar na boca” parafraseia-se em Dom Docas, a terceira faixa do registo e a ressonância da
destruição provocada pela discussão entre guitarra e a bateria mantém-se dentro
da nossa cabeça perante uma faixa onde as cordas estão muitíssimo bem. Há, de
facto, gajas que gostam de levar na boca (e não só), mas eu estava a ser
apunhalado pelas Pega Monstro e não nem sequer gosto de ser apunhalado. Ou não gostava,
não sei.
Já estava meio inconsciente e
debilitado, só com o meu sistema auditivo intacto pela desordem provocada pelo
abanão. Já nem pensava. Houve Marquês de
Pombal para reconstruir Lisboa, a mandado de D. José I, assim como houve um Homem
Das Obras, a mandado das irmãs, para tentar reconstruir-me e trazer-me de
volta ao mundo real. Não o conseguiu, tendo-se apercebido que era incapaz em
apenas dois minutos. Entretanto, simulavam-se viagens até ao Porto, porque “nada corre bem em Lisboa”. A não ser o
facto das Pega Monstro serem lisboetas, reza/circula a lenda que tudo é
melhor no Porto. Eu sou obrigado a concordar, pois claro, até porque é em Lisboa-Porto que damos início a uma
sequência de três músicas absolutamente soberbas, três autênticos malhões.
Depois de Lisboa-Porto e Fetra,
chega-nos Akon: que se foda toda a
gente que diz que música desafinada é uma merda. Que se fodam os conservadores
ou adeptos da perfeição musical. Que se foda tudo e todos, porque a magia
electrizante e frenética vivida nesta faixa não deixa ninguém incólume e a
função da música é mesmo essa: causar sensação, despertar emoções, não passar
por despercebida e não cair no esquecimento enquanto a ouvimos. É impossível
assumir uma posição de indiferença enquanto escutamos Akon, um abalo esquizofrénico que é como um murro no estômago, um
tsunami que precede um terramoto e que faz subir a voltagem instrumental por
quantidades incognoscíveis de volts. Não tenho dúvidas em afirmar que Akon é uma das melhores músicas paridas
em 2012 e que, acima de tudo, ninguém lhe pode ser indiferente; quer se goste
ou não (e eu gosto, isto é amor).
O ritmo abranda com Savanna 74, onde facilmente nos chegam à
cabeça nomes como Sonic Youth, e o dilúvio fermentado pelo abalo sísmico começa a
esvair-se. Nota-se uma quebra da frieza e do atordoamento instrumental até aqui
sentido, mas não se pense que o abanão não se voltará a repetir. Depois de um
cigarro Pall Mall, chega-nos Afta, outro dos grandes malhões do
registo e aqui voltamos novamente a assistir a uma sonoridade explosiva e
imprevisível.
O álbum desenlaça-se com Suggah (mas que belos riffs, Maria) e Homosec, evidenciando uma clara desaceleração em termos rítmicos e
apontando nitidamente para a pop. Não
é um fim esplêndido e primoroso, mas é um fim esperado: as últimas réplicas de um
terramoto nunca são tão fortes/intensas como as primeiras. Assim foi.
Parte
III – Pós-Terramoto e algumas conclusões
Por momentos, em Pega
Monstro (o disco), é possível mergulhar em nano-pormenores simplesmente
deliciosos. O ponto-chave do registo é facilmente encontrado à sexta faixa do
registo (que, curiosamente ou não, converge com o meio do LP): a elucidante e
briosa Fetra. Como já foi escrito
acima, um dos motivos que mais me agradou em Pega Monstro foi a
identidade própria com a música foi feita.
Existem aquelas pessoas que se
armam em Chicos-espertos e que dizem, demonstrando toda uma ampla falta de
horizontes, “ai, só ouço post-rock”,
“ai, indie é que é fixe, o resto é tudo
merda”, pessoas que de certa maneira seleccionam o que ouvem, mesmo que o
que ouçam seja uma verdadeira bosta. Aqui acontece o caso inverso, são as Pega
Monstro que decidem quem as vai ouvir. “Porque se isto não é música, então faz tu uma canção (…) porque o que eu faço é só p’ra mim! (…) Não
me chames menina, que eu já tenho vinte anos. E se não gostas vai levar no
ânus!”, canta-se em Fetra, uma
faixa que julgo poder resumir todo o registo mas que está longe de ser um
resumo do registo (uh, adoro construções frásicas paradoxais).
O terramoto de 1755 vitimou
grande parte dos habitantes de Lisboa e causou uma destruição incalculável por
toda a cidade, que só foi reconstruída anos mais tarde e pela mão de Marquês de Pombal. Aqui não houve
destruição nem mortes, mas houve um abanão de todo o tamanho com epicentro nos
meus tímpanos. Pouco depois, esse abanão já se tinha descingido por toda a
cabeça, elucidando-me de uma coisa: este é um dos melhores discos do ano, e não
só a nível nacional, como também o é a nível internacional.
Assinalando os pontos altos do
registo, devo mencionar a excitante e perturbante Akon, a sensacional Não te
Metas Comigo, Bro, a graciosa Carocho,
Lisboa-Porto, a brilhante Fetra e a pujante Afta. Quanto aos pontos menos bons do registo, não tenho grande
coisa a apontar a não ser alguma falta de coesão do registo (simplesmente
sentida na sua recta final) e a faixa Dom
Docas, que, apesar de não ser má nem nada que se pareça, está uns furos
abaixo daquilo que o disco é.
Em compêndio, está aqui provado o
que as Pega Monstro tinham prometido com o seu EP: que são uma banda
que se caga para tudo e para todos, que faz música com o seu próprio ADN (sem
recorrer a modificações genéticas) e que são muito mais velhas do que a sua
idade real (bolas, elas são só um ano mais velhas do que eu). Lirismos simples aplicados
a métricas ultra-eficazes, uma bateria e uma guitarra: tudo o que interessa.
Tudo o que quando se vestir nos vossos ouvidos não se quererá desnudar de lá
nunca mais. Tudo o que deve ser música.
Coloquei novamente os fones na
entrada de fones (lol) do meu computador. Vou ouvir o disco novamente. Passei a Carocho à frente, porque estou farto de me chamarem carocho por cenas que não
vos interessa. Meti a tocar a Não Te
Metas Comigo, Bro. Ouvir em baixo volume sabe a pouco. Subi o volume. “EMANUEL,
ESTÁS NUM TERRAMOTO OU QUÊ??!?!!1”, grita a minha tia enquanto simulo, já num outro
mundo, um headbang e o barulho se espalha por toda a sala. Respondi-lhe afirmativamente. A minha tia tinha
razão, só gosto deste tipo de barulho. Olá, mundo.
Classificação final: 8.8/10
Emanuel Graça
2 comentários:
MUITO BEM, Emanuel ;)
Critica óptima, música modesta
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