quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Pega Monstro - Pega Monstro (Cafetra, 2012)

*Aviso: Este artigo será redigido com uma linguagem pouco formal e segundo algumas normas do acordo ortográfico de 1945. Além disso, poderá conter linguagem capaz de  ferir as susceptibilidades do leitores.





Parte I – Olá, sou o Emanuel Graça e quero fazer jus ao meu apelido a todo o custo


Oi a todos, o meu nome é Emanuel Graça (na verdade, Graça nem é o meu último nome, mas ninguém quer saber disso), sou maior de idade, nasci em Aveiro, a segunda melhor cidade do país (a primeira é o Porto, claro), e gosto de abanar a cabeça enquanto ouço malhas descomunais, designadas, por alguns, como, atente-se, “barulho”. Aprecio tanto tal movimento que tendo a parar somente quando reparo que já existe alguma inércia inerente à sua execução, geralmente associada a um torcicolo qualquer. Também costumo parar de abanar a cabeça quando: estou em concertos e dou uma marrada em alguém (desculpa, rapariga loira do Optimus Primavera Sound, com feições suecas, a quem tive oportunidade de sacar o número e só não o saquei porque fui um coninhas de todo o tamanho), quando reparo que há seres a olhar para mim e estão a achar que bato mal da cabeça ou mesmo até quando sou chamado à atenção pela minha tia, alertando-me, ela, “ainda vais ficar surdo com tanto barulho a sair desses fones para dentro da tua cabeça, porque isso ultrapassa os ouvidos!”. Ninguém me que conhece tão bem quanto a minha tia, (Maria Encarnação Santos Graça, melhor mãe deste Portugal) porque a realidade é mesmo essa: gosto é de barulho que me entre pelos ouvidos adentro e que, preferencialmente, não se desnude de lá, pelo menos, enquanto o ouço. Um som pegajoso, vá… É aqui que dizemos “Olá” às irmãs Pega Monstro.

As Pega Monstro são as irmãs Reis, a Júlia e a Maria, e “nasceram” com o selo da Cafetra Records, editora lisboeta independente que tem vindo a cimentar-se no panorama alternativo da música portuguesa, lançando nomes como, por exemplo, Os Passos Em Volta (tenho saudades de ouvir o seu salubre Até Morrer) ou Éme, que já em 2012 nos brindou com Gancia, e que conta usualmente com a colaboração de artistas de renome, como B Fachada. Comecei a atentar seriamente nas “garotas” (nada de brejeirices) quando a estonteante Paredes De Coura teve o seu quê de viral e me obrigou a ouvir O Juno-60 Nunca Teve Fita, um EP que me cativou logo à primeira audição pelo seu som potente, despido e turvo. Músicas como Paredes De Coura e Macaco fizeram-me logo água na boca e a ânsia em ouvir um novo registo das Pega Monstro foi crescendo, assim como o número de pacotes de austeridade aplicados em Portugal. A tão aguardada estreia da banda lisboeta nos longa-durações aconteceu em Março passado, com um homónimo. Pega Monstro foi editado pela Cafetra Records, distribuído pela Mbari e abrilhantado pela produção analógica num 4-pistas de B Fachada.

Pega Monstro é um disco honesto, com carisma e desconcertante e que regista uma maturação bastante significativa face ao anterior registo das irmãs Reis, o já referido O Juno-60 Nunca Teve Fita. Podia estar para aqui a arranjar adjectivos bonitos e vistosos (para vocês ficarem todos do género “hey, este gajo percebe da cena. Escreve bem!”), mas é impossível fazer poesia (ou algo do género) enquanto somos completamente bombardeados e minados (fomos minadas :D) pelas granadas sonoras impetuosoas e cruéis que nos são arremessadas maquiavelicamente pelas vilãs, as dócil dupla Reis, sem estas nos darem qualquer tipo de aviso. É como a nossa namorada dar o primeiro peido ao pé de nós, não estamos preparados. Digo isto porque começou a tocar a Carocho enquanto bebia um café pensativo, totalmente desprevenido para isto e consciente de que tinha pedido para o Player reproduzir Mandrax Icon. (Enganei-me, a review ao disco de Mandrax Icon (ler aqui) tinha sido feita há semanas atrás e já tinha inserido o disco das irmãs no leitor de CD) Cliquei no Play enquanto pegava no café e o resultado foi pegar na esfregona e dar o corpo ao manifesto (salvo seja), porque o chão ficou todo cagado (todo cheio de merda).

O disco inicia-se ao som de Carocho, que é uma logo uma malha descomunal. A nuance que se dá (bem visível à beira do primeiro minuto da faixa) entre a métrica e as constantes acelerações e desacelerações germinadas, essencialmente, pela bateria é absolutamente soberba e fica dado um excelente presságio para o resto do disco. É um aviso, portanto. Pelo menos para mim foi-o: “caga no café, bebes mais tarde!”. E foi mesmo isso, porque é impossível manter cabeça inerte enquanto vertemos a chávena de café pela boca adentro e os nossos tímpanos são violados pela turbulência instrumental das irmãs, a menos que tentemos fazer isso durante as transições de faixa. Mas isso são 2 segundos, se tentasse beber o café de penalti, acabava por queimar a língua, com alguma sorte à mistura. Foi aqui que concluí que era melhor parar tudo, não conseguiria fazer mais nada, e debruçar-me somente no disco.



Parte II – Pega Monstro e o Terramoto de Lisboa de 1755

Impressiona a maneira ousada e corajosa como as “jovens” Pega Monstro constroem a sua música. Com a pujança de uns No Age vão tentando reconstruir a essência de barulho, à imagem de uns My Bloody Valentine, sempre com o corpo da sua sonoridade a ser incrassado pelo olhar tímido na pop e com as batidas demoníacas cuspidas pela bateria de Júlia a fazerem a bússola apontar para o noise enquanto o lo-fi (ou lol-fi, como lhe chamam no last.fm) nunca se desnuda da música das irmãs. Se tivesse de catalogar a música produzida pelas Pega Monstro, não teria dúvidas em dizer que isto era mais noise pop do que outra coisa. O problema (bem, não é problema nenhum) é que isto é muito mais do que isso! Isto é punk, isto é rock, isto é pop, isto é barulho, isto é um terramoto instrumental que nos provoca um abanão cerebral de dimensões similares ao que o Terramoto de Lisboa de 1755 provocou pela grande capital.

Lisboa não ruiu e ainda é capital, mas depois de ouvir Não Te Metas Comigo, Bro, quem ruiu fui eu. Despedacei-me aos pés/ao som das Pega Monstro enquanto o meu sistema auditivo se ejaculava desmedidamente à medida que o caos provocado pelo terramoto se ia instalando. A segunda faixa do registo foi somente o início oficial do Terramoto de Emanuel Graça de 2012, pelo que mais tormentas se esperavam. “Há gajas que gostam de levar na boca” parafraseia-se em Dom Docas, a terceira faixa do registo e a ressonância da destruição provocada pela discussão entre guitarra e a bateria mantém-se dentro da nossa cabeça perante uma faixa onde as cordas estão muitíssimo bem. Há, de facto, gajas que gostam de levar na boca (e não só), mas eu estava a ser apunhalado pelas Pega Monstro e não nem sequer gosto de ser apunhalado. Ou não gostava, não sei.

Já estava meio inconsciente e debilitado, só com o meu sistema auditivo intacto pela desordem provocada pelo abanão. Já nem pensava. Houve Marquês de Pombal para reconstruir Lisboa, a mandado de D. José I, assim como houve um Homem Das Obras, a mandado das irmãs, para tentar reconstruir-me e trazer-me de volta ao mundo real. Não o conseguiu, tendo-se apercebido que era incapaz em apenas dois minutos. Entretanto, simulavam-se viagens até ao Porto, porque “nada corre bem em Lisboa”. A não ser o facto das Pega Monstro serem lisboetas, reza/circula a lenda que tudo é melhor no Porto. Eu sou obrigado a concordar, pois claro, até porque é em Lisboa-Porto que damos início a uma sequência de três músicas absolutamente soberbas, três autênticos malhões.

Depois de Lisboa-Porto e Fetra, chega-nos Akon: que se foda toda a gente que diz que música desafinada é uma merda. Que se fodam os conservadores ou adeptos da perfeição musical. Que se foda tudo e todos, porque a magia electrizante e frenética vivida nesta faixa não deixa ninguém incólume e a função da música é mesmo essa: causar sensação, despertar emoções, não passar por despercebida e não cair no esquecimento enquanto a ouvimos. É impossível assumir uma posição de indiferença enquanto escutamos Akon, um abalo esquizofrénico que é como um murro no estômago, um tsunami que precede um terramoto e que faz subir a voltagem instrumental por quantidades incognoscíveis de volts. Não tenho dúvidas em afirmar que Akon é uma das melhores músicas paridas em 2012 e que, acima de tudo, ninguém lhe pode ser indiferente; quer se goste ou não (e eu gosto, isto é amor).

O ritmo abranda com Savanna 74, onde facilmente nos chegam à cabeça nomes como Sonic Youth, e o dilúvio fermentado pelo abalo sísmico começa a esvair-se. Nota-se uma quebra da frieza e do atordoamento instrumental até aqui sentido, mas não se pense que o abanão não se voltará a repetir. Depois de um cigarro Pall Mall, chega-nos Afta, outro dos grandes malhões do registo e aqui voltamos novamente a assistir a uma sonoridade explosiva e imprevisível.

O álbum desenlaça-se com Suggah (mas que belos riffs, Maria) e Homosec, evidenciando uma clara desaceleração em termos rítmicos e apontando nitidamente para a pop. Não é um fim esplêndido e primoroso, mas é um fim esperado: as últimas réplicas de um terramoto nunca são tão fortes/intensas como as primeiras. Assim foi. 



Parte III – Pós-Terramoto e algumas conclusões

Por momentos, em Pega Monstro (o disco), é possível mergulhar em nano-pormenores simplesmente deliciosos. O ponto-chave do registo é facilmente encontrado à sexta faixa do registo (que, curiosamente ou não, converge com o meio do LP): a elucidante e briosa Fetra. Como já foi escrito acima, um dos motivos que mais me agradou em Pega Monstro foi a identidade própria com a música foi feita.

Existem aquelas pessoas que se armam em Chicos-espertos e que dizem, demonstrando toda uma ampla falta de horizontes, “ai, só ouço post-rock”, “ai, indie é que é fixe, o resto é tudo merda”, pessoas que de certa maneira seleccionam o que ouvem, mesmo que o que ouçam seja uma verdadeira bosta. Aqui acontece o caso inverso, são as Pega Monstro que decidem quem as vai ouvir. “Porque se isto não é música, então faz tu uma canção (…) porque o que eu faço é só p’ra mim! (…) Não me chames menina, que eu já tenho vinte anos. E se não gostas vai levar no ânus!”, canta-se em Fetra, uma faixa que julgo poder resumir todo o registo mas que está longe de ser um resumo do registo (uh, adoro construções frásicas paradoxais).

O terramoto de 1755 vitimou grande parte dos habitantes de Lisboa e causou uma destruição incalculável por toda a cidade, que só foi reconstruída anos mais tarde e pela mão de Marquês de Pombal. Aqui não houve destruição nem mortes, mas houve um abanão de todo o tamanho com epicentro nos meus tímpanos. Pouco depois, esse abanão já se tinha descingido por toda a cabeça, elucidando-me de uma coisa: este é um dos melhores discos do ano, e não só a nível nacional, como também o é a nível internacional.

Assinalando os pontos altos do registo, devo mencionar a excitante e perturbante Akon, a sensacional Não te Metas Comigo, Bro, a graciosa Carocho, Lisboa-Porto, a brilhante Fetra e a pujante Afta. Quanto aos pontos menos bons do registo, não tenho grande coisa a apontar a não ser alguma falta de coesão do registo (simplesmente sentida na sua recta final) e a faixa Dom Docas, que, apesar de não ser má nem nada que se pareça, está uns furos abaixo daquilo que o disco é.

Em compêndio, está aqui provado o que as Pega Monstro tinham prometido com o seu EP: que são uma banda que se caga para tudo e para todos, que faz música com o seu próprio ADN (sem recorrer a modificações genéticas) e que são muito mais velhas do que a sua idade real (bolas, elas são só um ano mais velhas do que eu). Lirismos simples aplicados a métricas ultra-eficazes, uma bateria e uma guitarra: tudo o que interessa. Tudo o que quando se vestir nos vossos ouvidos não se quererá desnudar de lá nunca mais. Tudo o que deve ser música.

Coloquei novamente os fones na entrada de fones (lol) do meu computador. Vou ouvir o disco novamente. Passei a Carocho à frente, porque estou farto de me chamarem carocho por cenas que não vos interessa. Meti a tocar a Não Te Metas Comigo, Bro. Ouvir em baixo volume sabe a pouco. Subi o volume. “EMANUEL, ESTÁS NUM TERRAMOTO OU QUÊ??!?!!1”, grita a minha tia enquanto simulo, já num outro mundo, um headbang e o barulho se espalha por toda a sala. Respondi-lhe afirmativamente. A minha tia tinha razão, só gosto deste tipo de barulho. Olá, mundo. 

Classificação final: 8.8/10


Emanuel Graça





2 comentários:

Anónimo disse...

MUITO BEM, Emanuel ;)

Anónimo disse...

Critica óptima, música modesta

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