sábado, 10 de novembro de 2012

AN X TASY - Entrevista



Em digressão pela Espanha e pela França, os An X Tasy tiveram a oportunidade de divulgar o seu mais recente trabalho, « The Calm Before The Storm » fora do país. Mas o concerto previsto em Paris foi cancelado à última hora. Um percalço que serviu de pretexto para falarmos com Rafael Rodrigues, voz do grupo, sobre os problemas que encontram as bandas portuguesas ao quererem internacionalizar-se.

BandCom (BC): Porque foi cancelado o concerto em Paris ?

Rafael Rodrigues (RR): No ano passado tínhamos uma data em França e dois dias antes fomos assaltados em Rennes, partiram-nos o vidro da carrinha, o que impossibilitou que nós pudéssemos ir a Paris. Tivémos de cancelar a ida a Paris e à Holanda que era no dia a seguir. Este ano, estávamos a tentar marcar uma data em Paris. A data que tínhamos era Quarta-feira, de acordo com a nossa route. Inicialmente estava tudo combinado, só que, à última hora eles disseram que não tinham arranjado sala. Foi a desculpa que nos deram.

(BC): Que problemas costumam encontrar no exterior ?
(RR): Estes anos todos, quer como músico, quer como organizador de eventos, quer como técnico de som, tenho estado a estabelecer intercâmbio. Há muitas bandas que vêm em digressão europeia e contactam-me. Eu digo: 'ok, mas que façam o mesmo quando estiver em digressão'. Nós cá garantimos sempre um mínimo, para as despesas, jantar, alojamento, tudo isso, só que tenho tido muitas dificuldades em conseguir que essas bandas consigam retribuir isso. Em França, dão-me a desculpa que as salas são muito caras, ou que as salas não têm sistema de som. Eu tenho-me baseado unica e exclusivamente no grupo do norte de França, os Hands of Blood, que já vieram cá tocar uma vez, e que já nos levaram a França também no ano passado.

(BC): Existe mais entreajuda no punk ou no metal ?

(RR): Dentro do meio do punk/hardcore, mais concretamente no hardcore, eu sinto que no hardcore há mais união. Uma banda que tenha um CD editado consegue facilmente sair do país e tocar na Europa. Nós, como já temos um estilo a puxar mais para o Rock, e para o Punk, o pessoal do hardcore já não se mexe tanto connosco. Dentro do rock tens aquelas bandas maiores que trabalham com cachês e agentes e que pedem condições que muitas vezes são insuportáveis para os promotores europeus. Agora eu sinto uma coisa : eu trago bandas de todos os géneros a Portugal, desde o hip-hop até ao black metal; quando tento enviar bandas de cá para fora, noto muitas dificultades em convencer os promotores.


créditos da fotografia: João Moreno



(BC): É mais uma questão de preconceito ou pura e simplesmente financeira ?

(RR): Mais a nível financeiro. Os promotores estão com medo de arriscar. E falo também por mim. Há cinco anos atrás tinha uma média de 300 pessoas em concertos pequenos que organizava, agora se calhar a média é de 80 a 100 pessoas. E isto faz com que as pessoas fiquem com um pé atrás. Há dois problemas cada vez mais difíceis de combater : não sei se é devido à crise ou talvez por falta de motivação, nota-se bastante que as bandas que existem atualmente em 2012, muitos dos músicos são os mesmos que quando entrei no meio em 1999, com dois ou três projetos diferentes. Os putos cada vez menos vão aparecendo…ninguém aposta neles. Isto faz com que também haja cada vez menos gente nova nos concertos. Por outro lado temos também o problema da pouca afluência nos concertos que vem de mãos dadas com essa situação: quanto menos público vai aparecendo, menos bandas têm vontade de organizar concertos e menos promotores apostam. Há uns anos atrás tínhamos quatro concertos por mês e agora temos um ou dois com média qualidade.

(BC): No entanto, não achas que o Punk, o Metal e o Hardcore são dos géneros de música mais exportáveis ?

(RR): É um circulo muito mais limitado, um meio mais pequeno, estamos dependentes uns dos outros e temos de nos apoiar mutuamente para conseguir chegar a algum lado. Por exemplo há coisa de dez ano atrás, tínhamos um movimento na Bélgica, H8000, um movimento de hardcore que apoiava muito as bandas da Europa toda, tínhamos em França o Toulouse Hardcore que tem sido forte, tens mais dois ou três países que têm uma cena de hardcore muito forte como na Alemanha, possivelmente o mais forte dentro do género. Aos poucos e poucos, esse pessoal vai envelhecendo, vão fazendo as vidas deles e cada vez há menos gente a seguir esse movimento.

(BC): Os putos saem cada vez menos de casa não é ?

(RR): Nota-se cada vez mais que há essas bandas caseiras. Há uns anos atrás tinhas o guitarrista, o baixista, o baterista e a voz, hoje em dia, um músico que tenha um mínimo de conhecimentos consegue programar uma bateria, ter uma voz ou não...e cada vez há mais projetos desses. Eu falo bastante com esses músicos em Portugal, dou valor ao que eles fazem, pessoalmente não tenho esse talento, mas tento explicar que se eles tentarem passar aquilo para o palco - mesmo que não seja a vida deles, porque isto de seguir carreira hoje em dia é complicado - ao menos podem mostrar que podem exprimir-se de outra forma. O pessoal muitas vezes tem medo de arriscar. Pessoalmente, não há nada como ter o meu disco gravado, ir para o estúdio, ter os discos na mão… E aqueles 50 minutos de live ultrapassam qualquer sensação que possa existir numa banda.

(BC): Não achas que o sucesso dos Moonspell e dos Miss Lava (entre outros) contribuiu para o sucesso do metal português no exterior mas também do Punk ?

(RR): Sim, sem dúvida. Não só essas bandas Os Moonspell, Os Miss Lava, os More Than A Thousand, os Easyway, os Fonzie, os Devil In Me. Nota-se mesmo nos An X Tasy. Quando fomos a Toulouse o pessoal falou bastante e quando voltámos era tudo ‘ah como é que foi, como é que não foi’. Tocámos em mais festivais, vendemos mais merchandising, os nossos discos têm mais saída, e eu noto mesmo que o nome conseguiu ficar mais vincado. Obviamente que a internacionalização não passa só pelo período lá fora. Passa também pelos contactos que se estabelecem, passa por tentar licenciar o disco no estrangeiro. Uma coisa é vir tocar cá com o disco editado, outra é não o ter. Os Miss Lava por exemplo são um caso de sucesso a curto prazo. Começaram a tocar há quatro ao cinco anos, na altura em que eles trabalhavam mais connosco e de um momento para o outro estão a produzir discos nos Estados Unidos com os produtores de Opeth e Katatonia e estão com uma exposição espetacular.

(BC): Já agora, quais são as tuas influências ? E as do grupo ?

(RR): A nível pessoal passa por tudo o que é música menos música eletrónica. Não tenho nada contra mas!.. Ainda agora quando vínhamos de Sevilha para Barcelona, eu pus o meu iPod em shuffle e o pessoal dizia ‘como é possível estares a ouvir Bon Jovi e depois Metallica e depois hip-hop’. Eu sou um grande apreciador de música e consigo ouvir tudo desde que na minha opinião tente transmitir um mínimo de sentimentos. No resto da banda cada um tem as suas influências, temos um baterista que essencialmente só ouve metalada, um guitarrista que ouve aqueles guitarristas mais virtuosos e ouve muito funk, o outro guitarrista mais blues-rock, e um baixista que ouve muito punk-rock. Eu acho que isto reflete-se no nosso trabalho. Muitas vezes quem o ouve tem dificuldades em catalogar-nos.


(BC): Achas que a variedade da música portuguesa é visível e aparece o suficiente nos media nacionais ?

(RR): Tu podes ter cem bandas que mandam um CD a uma editora, para um festival, uma rádio, mas se não houver aquela pessoa que tu conheces na rádio que diga : ‘olha, ouve esta banda aqui que é lá de baixo’. Só para teres uma ideia : nós, da edição do último disco, eu enviei nada mais nada menos que 100 CDS para jornais, editoras, rádios, canais de televisão. Eu tive 5 ou 6 respostas positivas e para mim foi uma vitória. As pessoas têm muito esse hábito de dizer : ‘ah, não se aposta nas bandas da alternativa ou da garagem’, mas na minha opinião, tens mais de 80% das bandas que não arrisca em enviar nada para nenhum lado, simplesmente gravam um CD e esperam que alguém fale nelas,  e depois tens os outros 20% que enviam e que gastam dinheiro ao promover a banda. Mas é preciso aquela pessoa influente no meio que te consiga abrir algumas portas. E nós infelizmente não temos essa sorte.

(BC): Não há também uma dificuldade extra por serem de Faro ?

(RR): Existe um grande obstáculo. Porque em Lisboa, qualquer festival junta bandas de vários estilos, se for preciso 7 ou 8 bandas de cada género e com algum exposição. As bandas de Lisboa conseguem ir facilmente ao Porto e ao Algarve porque são centrais, qualquer editora pega nelas, têm outro tipo de condições. Para nós ir ao Porto ou a Lisboa tem sempre custos insuportáveis, tal como para uma banda do Porto. Com o preço da gasolina, das portagens, a viagem nunca sai por menos de 300 ou 400 euros. E não há promotores dispostos a pagar isto. Tudo aumenta…

(BC): Torna-se quase mais barato dar um concerto em França…

(RR): Nós fomos tocar a Sevilha, e o dinheiro que gastámos de gasóleo, não tenho as contas aqui, mas foi uma coisa surreal. Não apanhámos nenhuma portagem. Com esse dinheiro não saimos do Algarve. Isso é uma coisa que me faz muita confusão. Uma banda quer fazer uma t-shirt: o IVA aumentou, a t-shirt também. Queres ir para um estúdio: com tudo a aumentar, o estúdio também, comprar material...as bandas começam a fazer contas e a tomar opções. Agora são obrigadas a fazer escolhas. Ou tour, ou discos. No ano passado, fizemos um disco e uma tour. Este ano, o objetivo é fazer o mesmo. A nossa ambição por agora continua a ser igual: para o ano que vem lançar um novo álbum que deverá ser no primeiro semestre e ver se em 2013 também voltamos a sair de Portugal.

(BC): Como conseguiram alcançar o patamar que hoje atingiram ao estar sempre a trocar de elementos ?

(RR): Desde 2002 a 2009, quando gravámos a primeira demo, pode-se dizer que a banda era a típica banda de garagem que era só para curtir, sem grandes ambições. Em 2009 entrámos em estúdio, gravámos uma maquetezinha com pouca qualidade, para nos dar um empurrãozito, e daí para a frente, comecei a levar as coisas mais a sério. Mesmo não podendo viver desta banda, porque não tenho fé nem ambições nisso, sei que a banda pode chegar a algum lado. Daqui a uns anos, a minha intenção é poder viver disso. Em 2009 deu-se a primeira grande alteração que foi a entrada de um baixista porque durante os primeiros sete anos não tínhamos. Ao entrar o baixista, a banda começou a ganhar forma. Mas depois foi sucessivamente alterando a formação : uma troca de baterista, o baixista, adicionámos uma segunda guitarra e passei só para a voz, o outro guitarrista saiu e eu voltei para a guitarra. Há bandas que com cada alteração perdem o andamento, eu senti o contrário. Senti que cada pessoa que chegou a esta família acabou por dar o seu contributo para que isto tenha chegado a este estado. E isso nota-se mesmo a nível de tipos de eventos que conseguimos alcançar: a Festa do Avante, os festivais de Verão…

(BC): O público compensa ?

(RR): Compensa sempre. Utimamente temos estado a sentir um feedback muito mais importante. O tema do último clip « Until the death set us apart », é uma música que o público pega bem ao vivo, é a última faixa do set. Muitas vezes vamos para o palco com a moral em baixo, porque alguém está doente ou porque algo não correu bem na viagem, e se não for o público a nos dar força, saímos de lá com a moral muito mais em baixo. O que aconteceu em Sevilha na sexta-feira passada foi algo de surreal. Subimos para o palco, não estávamos nas melhores condições - eu com a voz apanhada, o nosso guitarista tinha avariado a coluna no dia anterior e houve ali muita coisa que nos condicionou. O público no início não foi o melhor, um pouco parado, mas a partir do meio deram-nos uma força!..


(BC): Questão mais técnica : com mais de 20 concertos desde março, como é que consegues preservar essa voz ?

(RR): Dois dias antes da primeira data em Faro eu estava com a voz completamente apanhada e tava com medo. Demos o concerto em Faro (que foi mais ou menos), mas na sexta em Sevilha fiquei totalmente afónico. O sábado e o domingo foram mesmo muito pesados para mim. E agora a minha sorte é que temos estes três dias para recuperar. Mas isto não é fácil. De uma certa forma a culpa também é minha por não ter aulas de canto e não fazer aquecimento, não ter atenção à mudança de temperaturas, e realmente com essa quantidade de concertos, nunca tive na nossa história esse cuidado. Para a preservar…acho que é uma questão de sorte!


Mickaël C. de Oliveira




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