quinta-feira, 18 de outubro de 2012

TV RURAL - ENTREVISTA

Os TV Rural têm em "A Balada do Coiote" um dos mais interessantes discos de 2012. Para saber mais sobre os TV Rural que nos chegam em 2012, estivemos à conversa com o vocalista David Jacinto, o baterista João Pinheiro e o baixista David Santos.






BandCom (BC): Como surgiu originalmente o nome TV Rural?

David Jacinto (DJ):
O nome surgiu como penso que surgiram os nomes de todas as outras bandas por onde passei: a malta junta-se, começa a debitar possível nomes e vamos dizendo "este não por causa disto...", "este não pode ser por aquilo...". Depois de muitos nomes surgiu TV Rural e nós achámos piada. TV Rural, como tu sabes e toda a gente sabe, é o nome de um antigo programa de TV que faz parte do nosso imaginário, faz parte daquilo que foi a nossa vivência enquanto putos e nós indecentemente apropriámo-nos desse nome para dar nome à banda (risos). Basicamente foi isso, não há uma grande história por detrás disso. E verdade seja dita, não é um nome que me pareça muito interessante, mas tem a particularidade de ser...

David Santos (DS): Desinteressante!..

(DJ): Não, de ser um nome que causa alguma estranheza logo à partida, que as pessoas conhecem e que pode levar à partida a pensar que o universo da banda é outro que não é (nós fazemos sobretudo "rock"). É um nome que as pessoas não gostam logo à partida mas não esquecem e funciona nesse aspecto.

João Pinheiro (JP): Acho que também tem a ver um pouco com a oposição campo/cidade, também se pode jogar por aí. Se bem que não foi a intenção original. Mas depois quando começamos a teorizar...

BC: Entre "Filomena Grita!" e "A Balada do Coiote" surge um hiato de 5 anos. Estes 5 anos surgiram para vocês como uma necessidade ou uma oportunidade?

JP:
Na verdade não surgiu nem como uma necessidade nem como uma oportunidade. Tem sobretudo a ver com nós e o nosso trabalho, apenas e só pressionados por nós. Só quando achamos que temos um conjunto de músicas pronto para gravar e ir para estúdio editar é que o fazemos. E neste caso foi isso que aconteceu. quando acabámos de gravar o "Filomena Grita!" começámos a pensar logo no disco seguinte, porque também ficou um bocado aquém do que esperávamos e portanto começámos...

BC: Mas ficou aquém em termos de...?JP: Em termos de gravação e em termos do conjunto das músicas não ser propriamente muito homogéneo, de haver músicas muito antigas juntas com músicas mais recentes na altura. E mesmo em relação à questão da gravação: o facto de ter sido gravado em casa não resultou exactamente no que estávamos à espera tanto a nível de som como a nível das músicas em si. Mas na altura era o disco que era possível fazer e nós começámos logo na altura, tal como agora, a pensar no próximo disco, no que iríamos fazer e havia duas ou três música já a ser feitas - isto porque o disco anterior demorou muito tempo a ser concluído e já tínhamos começado a trabalhar. O que aconteceu foi que fomos juntando essas músicas, o tempo foi passando, até porque nem todos na banda vivem apenas profissionalmente dos TV Rural. E como na altura não tínhamos uma editora a pressionar-nos para lançarmos o disco, fomos fazendo tudo com calma, fomos juntando dinheiro dos concertos num mealheiro para depois podermos ir para estúdio e foi esse tempo que teve que demorar. Se calhar nós próprios já estávamos com a necessidade de ter o disco há mais tempo, mas ao mesmo tempo ficámos finalmente satisfeitos.

DS: E acho que foi por isso que demorou tanto: porque quisemos fazer o processo todo bem feito desde a pré-produção, só que dentro das nossas possibilidades as coisas demoraram um pouco mais, a fazer bem e a chegar a um produto final contentes. Acho que agora ficámos.

BC: "A Balada do Coiote" é a altura que os TV Rural se fazem homens?
DJ: Um bocadinho, se bem que o momento em que o rapaz se torna homem é outro momento (risos). Mas tendo em conta essa comparação, se calhar é a altura em que deixamos de ser filhos e começamos a ser pais. Se bem que aqui há uma coisa importante: embora as músicas do primeiro disco tenham resultado num disco que ficou aquém do que esperávamos, nós continuamos a ter imenso carinho pelas canções e continuamos a tocá-las com vontade. Agora estamos muito mais contentes com o resultado final deste disco, sem dúvida.

BC: Como surgiu o nome para o disco?
DJ: Faz parte de um dos versos de "Quando Troveja", que marcou um pouco o caminho que queríamos seguir. Fazer um disco mais a remeter para um ambiente nocturno, mais urbano e mais intimista. O nome é um nome sonante, um nome porreiro. Embora não tenhamos coiotes em Portugal, é aquela imagem do coiote que faz parte do que conhecemos como o animal nocturno que vagueia pelas cidades, vai ao lixo e vive naquele contexto. Funciona, foi um bom mote para este disco e acima de tudo para nos mantermos focados no que queríamos fazer.

DS: Foi de certa forma o que faltou no primeiro disco, o tal apanhado de canções que já fazíamos, quer muito antigas, quer mais recentes (até temos canções no primeiro disco que são de uma sessão anterior a outras nele incluído). Aqui tínhamos um alvo e foi a caminhar para aí desde o início...

DJ: Portanto o que num disco era uma colectânea aqui passa a ser um álbum.




BC: Uma das evidentes características da música dos TV Rural é o seu lado teatral e que funciona muito bem fora dos ouvidos e dentro de imagens, como vemos nos videoclips de "Correr de Olhos Fechados" e "Faz-te um Homem Rapaz". Como vêem esse lado dos TV Rural?
DJ: Acho que tem a ver com a forma como nós actuamos. Nós fazemos as coisas de forma bastante genuína para as canções que tocamos e mesmo tendo canções que têm ambientes diferentes, que têm ritmos diferentes ou toda uma estrutura e até estilo diferentes entre si, a entrega é a mesma. Por outro lado temos uma componente de certa forma teatral da forma como nos lançamos ao vivo à interpretação das canções...

BC: E as letras também são muito importantes nisso...

DJ: Naturalmente. Em relação à altura em que queremos passar as músicas cá para fora e a relação com os vídeos, tentamos sempre fazer com que seja agradável e de encontro ao que procuramos fazer com a música. No caso do "Faz-te um Homem Rapaz" utilizámos o Teatro Dom Roberto, que é uma arte quase perdida e que faz parte do nosso imaginário. Temos a felicidade de conhecer uma série de pessoas que se movem numa série de meios, como no teatro de marionetas, e aqui convidámos o João Costa que assegurou a coreografia e o enredo da história e que tem andado a apresentar o "Barbeiro Diabólico", um clássico que tem 400 anos. Aqui adaptou um pouco as personagens dessa história e desse universo. O resultado final é bastante interessante, com o plano fixo a tentar fazer o mais aproximado à realidade possível daquele teatro, introduzindo alguns cenários e jogos de luzes para ter um efeito mais interessante para quem vê.
O teatro é uma sátira social e funciona muito com a forma como é falado (quem mexe com os bonecos usa uma palheta na boca): os diálogos são muito rápidos, sempre com muito confronto entre personagens e faz rir o público. Com a música por cima, isto perdia-se e a única coisa que tentámos fazer foi recuperar um pouco disso para o início do teledisco ("Este é o Teatro do Dom Roberto") também para que quem vê e não conhece identificar logo o que se está ali a passar para a partir daí avançar a música.

BC: Entretanto, como surge a ligação com a Chifre?DS: Essa ligação surgiu quando ainda estávamos a fazer as captações em estúdio e falou-se nessa hipótese pela primeira vez. Estava aí uma editora nova que se podia enquadrar no espírito livre dos TV Rural. Fizemos o contacto e de facto achávamos que tínhamos muito a ver com a Chifre. Na altura, os objectivos apresentados pareceram-nos bem. Nunca tínhamos tido uma editora - no primeiro disco tínhamos tido a catadupa!, que praticamente éramos nós e os Feromona - como a Chifre, que nos pareceu uma óptima hipótese para continuarmos com o trabalho que estávamos a desenvolver.

DJ: Existe também aqui outro aspecto muito interessante, no nosso ponto de vista, que é o facto de não ter havido nenhuma imposição da parte da Chifre em relação ao conteúdo do disco. Eles aceitaram editar-nos o disco, gostaram sem sequer o ouvir e acreditaram que o que dali iria sair seria interessante para a sua linha editorial. Para nós foi óptimo: continuámos a fazer o que nos tínhamos proposto fazer sem termos que nos sujeitar a qualquer tipo de imposição editorial. O trabalho que foi desenvolvido posteriormente em termos gráficos para dar origem ao resultado físico tem todo o cunho da Chifre e isso para nós foi positivo.

BC: O vosso disco tem sido objecto de críticas bastante positivas. Olhando para trás e recordando o que sentiram quando viram o disco pronto, como olham para as críticas que vos têm surgido e para a reacção do público?JP: Em primeiro lugar, há o esforço que estamos a fazer do lado da promoção que não fizemos no disco anterior. Por isso é normal que as pessoas, sabendo que o disco existe, o comentem. O facto de estarem a gostar dele não sei bem explicar porque será porque não tenho o distanciamento necessário, mas também não tinha a certeza de que poderia acontecer a este ponto. O segredo parece-me ter a ver com a questão da genuinidade: a música é o que nós somos e não conseguimos diferenciar as nossas vidas da música. O disco está muito autêntico e é bom saber que as pessoas gostam, embora às vezes fique com a sensação que as pessoas não sabem bem o que dizer acerca do disco porque se calhar estão à espera de o colocar naquele rock-folk tradicional que muitas bandas estão a fazer. Muitas vezes nos perguntam a ligação entre a música tradicional e a música que fazemos: para nós, o que sai das músicas mais ligado ao tradicional e ao folclórico é completamente natural. Mas não é só isso: uma vez um amigo meu disse-me que "vocês são aquilo que é português mas sem querer ser demasiado português". Para mim, já nem consigo ver isso de fora: TV Rural são aquelas músicas.

DS: Para mim tem também a ver com o investimento feito e que se nota neste produto final. E assim colhem-se mais frutos.

BC: "A Balada do Coiote" inclui uma versão de um tema de António Variações. Onde se enquadra esta versão no produto final? Existia algum "plano B"?JP: Havia uma música da Lena D' Água, "No Fundo dos Teus Olhos", que andávamos também a tocar.  A "Toma o Comprimido" não é das mais conhecidas e até está bastante escondida: ele só a tocou uma vez na TV e não aparece em nenhum dos discos que ele lançou. As versões para nós são um pouco como um escape: vamos ouvir outros músicos, incorporar outras músicas, vamos reinterpretar músicas de outros autores que são importantes para nós. São usadas muito para funcionar ao vivo: é também essa a função do "Toma o Comprimido" nas nossas actuações, colocando um lado punk que tem muito a ver com algumas das nossas músicas. Eu é que a propus e a ouvi primeiro, mas a sua incorporação no disco não foi assim tão consensual. Houve algumas dúvidas e há várias opiniões: há quem ache a nossa melhor música (risos), há quem a ache fora do contexto. Por vezes também penso que será bom temo-la colocado no disco, outras vezes nem tanto. É uma música que pelos vistos chama a atenção das pessoas, pelo bem e pelo mal. O Vasco acha que devia ter sido o single do álbum, por exemplo. Para mim, acho que cumpre dois propósitos: elogiar o António Variações, fundamental na nossa música, ele que juntou como nós o rock às influências matrizes com a vontade de estar e cantar em português e de marcar uma rotura; e servir como uma auto-homenagem, mostrar o que somos ao vivo. As vozes são de 3 cantores diferentes: o David, a Lília Esteves e a Roca e todas cantadas no mesmo take, algo que segundo os cânones de gravação não se deve fazer porque dificulta a mistura. E mesmo nos coros juntámos toda a gente que lá estava naquele dia...

DJ: Demos todos as mãos, cantámos todos como se não houvesse amanhã. Foi um grande momento de celebração e esse tipo de coisas ficam registadas na nossa memória e unem um grupo de trabalho. Pôr de parte esta música de um disco que tinha sido gravado dessa forma era quase imoral. Representava de tal forma a entrega e a relação com o trabalho que fizemos que devia lá estar, embora, digo-te, eu fosse um dos maiores opositores a essa ideia...

DS: Eu era o adepto da faixa escondida...

DJ: Por isso como podes ver toda a gente tinha a sua ideia em relação àquela faixa...

JP: Não que a Lena D' Água não tenha um lugar no nosso coração, mas o António Variações, visto à distância, é dos músicos portugueses que têm maior importância para a geração actual. Lembro-me de o ouvir quando era miúdo e de o achar um pouco estranho, para os meus pais até era pouco apelativo. Mas há tanta coisa influenciada por ele, ele é um fora-de-série.

DS: E também se fores ver na altura dele, consegues encontrar na maior parte das bandas portuguesas da altura uma referência muito específica. O Variações era uma versão dele próprio, bem portuguesa, com os seus defeitos, mas era aquilo.

JP: Há coisas que já vi do Variações ao vivo na TV em que ele desafina um bocado, aquelas demos que serviram de base ao disco dos Humanos, aquilo tudo muito tosco. Adoro isso. E nós também nunca fomos perfeitos, sempre tocámos "mal" num certo sentido. O que nos interessa não é tanto o lado perfeito, mas sim a energia, sobretudo nesta música onde isto acontece.




BC: Quando poderemos ver os TV Rural ao vivo? 

JP: Estivemos recentemente no MusicBox e em Setúbal no Festival Rockalot Praia. Estamos também a ver se nos solicitam para mais concertos, gostávamos imenso de tocar mais e prometemos sempre um grande concertos com entrega total. Estamos pelas redes sociais: vão lá e vejam as nossas datas entretanto.


André Gomes de Abreu

Fotografias  por Ana Pereira




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