domingo, 23 de setembro de 2012

Festival Rock'Art Bairrada - REPORTAGEM (dia 2)

Depois de uma manhã mal passada no campismo do Rock’Art Bairrada 2012, recheada de dores de cabeça e estômago (fenómeno a que algumas pessoas tendem a designar por “ressaca”), aproximava-se a hora do regresso aos concertos. Contudo, havia quem não fizesse caso às dores e empinasse desmedidamente o seu garrafão de vinho, fazendo o Festão (e atenção que não me pagaram para utilizar “Festão” neste artigo) à sua maneira. A boa disposição foi sempre o lema deste festival, e isso constatava-se pela alegria estampada nos rostos dos festivaleiros. Com a festa a descingir-se pelo campismo de uma ponta à outra, eram já quase 17h, hora em que o BandCom regressaria ao trabalho para acompanhar o que se iria passar pelo palco secundário.


No segundo dia deste festival, o palco secundário ganhava o nome de Palco Murmúrio e acolheria as bandas integrantes do colectivo com o nome desse mesmo palco ; Murmúrio é um simpático colectivo de bandas composto por Birds Are Indie, Gobi Bear, Homem Ao Mar, Trampoline e Stereoboy. Ao Rock’Art iriam tocar somente os três primeiros nomes: Gobi Bear, Birds Are Indie e Homem Ao Mar.

Quem primeiramente subiu ao palco foi Gobi Bear, alter-ego de Diogo Alves Pinto. Debruçando-se sobre o seu agradável LP EP, editado já este ano, e servindo-se da sua guitarra acústica e da sua escaleta (instrumento de sopro), trouxe-nos toda a sua peculiar sonoridade, gerando-se uma atmosfera algo intimista, tal foi a simpatia com que o público acolheu este rapaz. Diferente do que nos habitou em estúdio, em palco é possível assistir a um Gobi Bear com um som mais intenso, onde a sua guitarra acata um papel atmosférico abrasante enquanto a sua voz, capaz de derreter corações, proporciona um diálogo com a guitarra absolutamente apaixonante. Com loops à mistura, mostra-nos a sua capacidade rítmica enquanto saca da sua “mini” escaleta e nos condimenta pequenos grandes tesouros. Um pouco lembrando Noiserv, Gobi Bear é, neste momento, um dos singer-songwriters mais habilidosos e entusiasmantes da música portuguesa (e digo-o sem qualquer tipo de hiperbolismo). O concerto concentrou as atenções desde o início e o desenlace deu-se ao som de Emily, a última faixa de LP EP. Um concerto de elevada qualidade e, na minha opinião, o melhor concerto do palco secundário nos dois dias de festival. Mereceu todas as palmas e até o fino que um fã lhe deu, quiçá tenha sido esse fino o inspirador de Gobi… Depois do aconchegante e primoroso concerto de Gobi Bear, o voo fazia-se até aos Birds Are Indie. Após o concerto de Diogo, seria quase impossível suplantar a sua qualidade, mas facto é que os Birds Are Indie rubricaram um belíssimo concerto, com as suas músicas a incidirem sobre vários temas: cantava-se sobre “pessoas que, às vezes, parecem folhas amarelas”, “Snooker & Curling”, entre outras coisas. Um concerto sólido, com muito amor à mistura, e que pecou apenas por alguma mesmice nas canções. Seguidamente, e para fechar o palco secundário, vinham os Homem Ao Mar. Uma banda que, a meu ver, não pretende acrescentar nada de novo à música que portuguesa, e que pesca peixe já cozinhado, mas que o aquece bem. Com um som igual a tantos outros, acabam por ter na voz o seu ponto forte, mas nada capaz de me ter surpreendido. Foi com alguma falta de interesse que assisti ao concerto, mas facto é que o público pareceu ter gostado. Foi num ambiente calmo e agradável que se cessou a actividade no palco secundário do Rock’Art Bairrada 2012.


Era hora de fazer uma pausa, pois os concertos só voltariam algumas horas mais tarde. Por esta altura, e com o calor que se fazia sentir, tudo convidada a dar um passeio pela cidade e visitar a exposição de arte da “casa Rock’Art”. Assim foi. O tempo foi passando e posteriormente fez-se uma visita até ao campismo, onde a festa teimava em não estagnar. Sempre com “Festão” a ser a palavra de ordem, tocava-se e cantava-se, enquanto alguns festivaleiros se ocupavam a ensaiar músicas d’O Bisonte, um dos nomes mais aguardados da noite. Quando se olhou para o relógio eram já 22h, tempo de ir para o palco principal, onde tudo prometia acontecer.

A festa iniciava-se ao som de Jee(zus), banda da casa e que se tinha voltado a unir unicamente para este concerto, que, como a organização havia dito, prometia ser histórico. Num recinto ainda pouco povoado, pois ainda era bastante cedo, acabaram por dar um bom concerto. Sempre com uma faceta grunge (as influências do movimento que teve epicentro na cidade de Seattle eram imensas), a sua sonoridade emergia da nostalgia dos 90’s e, confesso, que me deixei impressionar pela prestação desta banda, que, por pena minha, desconhecia até à data.




Com um dialeto muito “Nirvanês”, a sua sonoridade ganhava corpo e forma a partir da pujança instrumental que era imposta pela banda. Com o carinho do público pelos Jee(zus) sempre bem presente (não fossem eles já da mobília da casa), a segunda noite do Rock’Art Bairrada 2012 tinha início de uma maneira intensa, dando excelente presságio para o que aí vinha.

Depois da boa prestação dos Jee(zus), chegava a vez de levantarmos voo num Balão Dirigível. Não se levantou voo, mas com a força que os Balão nos obrigavam a abanar a cabeça no tradicional headbang, pouco faltou. Com um som imensamente cru, musculado, vibrante e impulsivo, foram conseguindo conquistar o público num processo gradual. A alma e garra com que a banda tocava era tanta, que o bumbo da bateria chegou mesmo a romper, provocando uma pequena interrupção no concerto. Com uma presença em palco notável, o vocalista meneava-se incessantemente enquanto se desmembrava no chão ao som de melódicos e penetrantes riffs provenientes da sua guitarra. 







O concerto prosseguia a um ritmo frenético, sempre com muita emoção à mistura e com um público bastante activo. O hard rock explosivo dos Balão Dirigível tinha incendiando os ânimos na Bairrada num concerto que surpreendeu desde o início ao fim. Um nome que devemos ter em conta nos próximos tempos do panorama underground da música portuguesa.

Depois dos explosivos minados pelos Balão Dirigível, chegava até nós o post-rock dos SAUR, a banda mais esperada do dia pelo ser que está a redigir este ignobilidade que estais lendo. A banda vinda de Alverca chegava com o seu EP homónimo na bagagem, um registo muitíssimo bem elaborado e uma das surpresas da música portuguesa no ano transato. Com influências em bandas como Mogwai ou Explosions In The Sky, a banda dos arredores de Lisboa acabou por construir um belo concerto. Os seus riffs desconcertantes e a bateria sempre em destaque no que toca à génese instrumental, foram aclimando as emoções do público, que se demonstrou ameno ao longo do concerto.





Tocaram-nos todo o arrojo de Mr. Veerappan ou de Black Is White, Left Is Right, mas ficaram saudades de It Depends, o tema mais aclamado da banda e o que mais se aproxima das suas influências. Foi com alguma tristeza que nos anunciaram que iam tocar a última música, pois não lhes restava tempo para mais. E por muito custoso que tenha sido, lá tivemos que nos despedir dos SAUR.

Posteriormente à coesa prestação dos SAUR, o palco principal do Rock’Art Bairrada era invadido pela potência de um Bisonte. A banda portuense de hard-rock, que vinca a sua costela intervencionista, actuava antes do grande cabeça-de-carta para este dia, os mui aguardados More Than A Thousand. O concerto deu-se início com a uma mensagem política que defendia basilarmente que “com esta democracia não chegaríamos lá”. Foram uns bons dois minutos a deambular em torno daquelas palavras, até que se deu início com a habitual intensidade, pujança e dureza de um animal endiabrado, falamos d’O Bisonte, claro. Com uma setlist bem elaborada, onde constavam temas “célebres” como Bandidagem ou A Matilha dos Tristes, O Bisonte conquistou o público desde o início do espetáculo e a atmosfera que se viva era fulgurante, quase arrepiante: havia mosh nas filas dianteiras e a energia com que ele se dava era ofegante, nem havia tempo para respirar. Acontecia de tudo ao ritmo da música estonteante da banda nortenha: houve relatos de sangue, pés partidos e até de telemóveis que haviam sido alagados pela vasta precipitação de cerveja que se fazia sentir. Com muita sorte à mistura, o BandCom lá conseguiu sair ileso do vendaval provocado pel’O Bisonte.





O concerto estava a partir, literalmente, “com a loiça toda” e dava-se a ritmo estoicamente inquebrável, cavalgando-se a loucas rotações sem cessar um único instante para abrandar o ritmo cardíaco. Ainda houve tempo para Laia, o tema mais conhecido da discografia da banda nortenha. O público, a prestar culto à banda desde sempre, parafraseava verso a verso toda a música e edificava-se, deste modo, o clímax de todo o dilúvio que O Bisonte, em modo feroz, provocou na província de Anadia, provocando um abanão medonho. Foi num clima (quase) apoteótico que nos despedimos do concerto animalesco de um Bisonte que até metia medo.

O tempo ia-se passando e aproximava-se a hora dos tão aguardados More Than A Thousand, banda já moderadamente consagrada a nível mundial. Inovadores, têm no seu sofisticado Metalcore a receita mágica para explosões frenéticas e esquizofrénicas de um potente e arrepiante som. O público ovacionou a sua chegada, não tivessem eles a dimensão que têm (curioso e triste é serem mais reconhecidos lá fora do que em Portugal). Um facto extremamente interessante é que havia muita gente com pulseira do Vagos Open Air que tinha vindo ao Rock’Art unicamente para os ver. A primeira fila trajava a rigor, usando camisolas da banda e foi-se derretendo e desmembrando com o som concitante e perturbador dos More Than A Thousand. Com uma setlist a incidir mais sob a faceta mais actual da banda, houve tempo para acolher os velhos tempos da banda: temas como It’s The Blood, it’s something in the blood acabaram por fazer as delícias dos fãs mais antigos da banda.



A performance da banda foi simplesmente arrasadora (e eu não sou suspeito para falar, pois nem nutro uma particular admiração pela banda) e o público quis ficar atrás: houve um mega-mosh, onde o BandCom acabou por não ter a sorte de outrora e acabou a manquejar até à barraca que vendia cerveja mais próxima. Com a boca seca de tanto entoar as músicas, foi tempo de refrescar as ideias para continuar a assistir àquilo que os More Than A Thousand estavam a fazer. Foi com inúmeras palavras de apreço à organização e às bandas que passaram pela terceira edição do Rock’Art Bairrada que o vocalista da banda formalizou a despedida do palco: a despedida dar-se-ia ao som de No Bad Blood e o público, ainda com eles em palco, já sentia saudades.

Tudo na vida se resigna a um início, meio e fim. E o Rock’Art, àquela hora e apesar de naquelas condições já tudo parecer sobrenatural, também se aproximava do seu fim. O desfecho do festival estava ao encargo de DJ Mr Fresh, um DJ com um estilo mui peculiar: trazia, na cabeça, uma máscara de um cavalo. Enquanto se dançava sem parar ao som de uma música que ninguém quer/quis saber, passava-se de tudo, não estivéssemos no desenlace do grande Rock’Art: Passava-se de tudo, é verdade, mas verdade é também que pouco ou nada existe para contar. Quem se lembra, diz que gostou. Mas, bem, ninguém quer saber.

O que realmente ficou na retina depois do Rock’Art Bairrada 2012 foi: Na mesmice da música que a nossa sociedade tristemente consome e que facilmente enche coliseus, é bom saber que há quem tenha boas ideias e as execute, mesmo que os fundos monetários sejam escassos, edificando autênticos oásis para quem se diz farto da ininterrupta amálgama cuspida pelas rádios nacionais, etc. O Rock’Art é um festival de música portuguesa que assume a sua costela alternativa e que não é indicado para meninos. Da indie pop ao Metal, vi neste festival capacidades para ombrear com alguns eventos que por aí andam: O ambiente vivido no campismo é fantástico (que o diga eu! E não, não vou entrar em pormenores), o cartaz nunca desilude e a envolvência que acontece entre o artista e o público é fantástica. Em jeito de analogia, arrisco-me a dizer que o Rock’Art pode ser visto como um Milhões de Festa em (muito) menor escala. Com um cartaz destes, com uma atmosfera destas, julgo que o festival merecia ter mais público. Contudo, ninguém quer saber, porque a festa fez-se à mesma. E até 2013, Rock’Art Bairrada.


Texto e fotografias: Emanuel Graça




0 comentários:

Enviar um comentário

Twitter Facebook More

 
Powered by Blogger | Printable Coupons