quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Festival Rock'Art Bairrada 2012 - REPORTAGEM (dia 1)




Na terra afamada pelo seu delicioso leitão e pelas suas requintadas vinhaças, surgia, pela segunda vez, o Rock’Art Bairrada. A região do distrito de Aveiro era assim, e por dois dias, palco de um dos festivais que mais prima pela música portuguesa e pelos seus contornos alternativos. Com um cartaz composto por bandas como Memória de Peixe, Throes + The Shine, More Than A Thousand e O Bisonte a assegurarem o prisma alternativo com que a organização do festival o encara, a ânsia de quem por lá passou assumia índices elevados. (Que o diga eu!)

O BandCom chegou a Anadia já em cima da hora do início dos concertos no palco secundário. No primeiro dia do evento, iriam estar pelo palco secundário Devaneio, Asimov e New Kind Of Mambo. Com o palco secundário montado no centro da “cidade”, davam-se asas para uma maior envolvência entre os seus habitantes e o festival, facto que foi constatável por uma senhora ter pegado no megafone enquanto as bandas faziam o tradicional soundcheck e ter parafraseado “Bora lá a despachar com esta gaita, que tenho de ir fazer o jantar!”, provocando a risada total. Depois de um atraso de cerca de uma hora, chegava a hora de dar início à festa.


Os primeiros a actuar foram os Devaneio, banda vinda de Rio Maior e com quem não dispensei muito tempo, porque, por muito custoso que seja dizê-lo, são uma das piores bandas que já vi ao vivo. Após ter praticado o acto de masoquismo ao ouvir os Devaneio, chegavam os Asimov, duo de psychedelic rock. Se no concerto anterior estava encostado a uma árvore, e sem interesse algum, neste era impossível estar parado. O som desconcertante da dupla faz uma viagem pelo que melhor existe do space rock, da neo-psychedelia e do drone, sem nunca fugir à sua vertente mais vincada, o seu rock mergulhado em pormenores de puro psicadelismo. Uma excelente surpresa e um nome que merece toda a nossa atenção. Depois do bom concerto dos Asimov, chegavam os New Kind Of Mambo, uma banda que pesca e nos condimenta todo o revivalismo do rock’n’roll. Vindos de Coimbra, acabaram por conseguir um agradável concerto, embora lhe tenha calhado a “fava”: com os atrasos dos concertos, a banda coimbrense tocaria à hora em que a selecção portuguesa de futebol jogaria contra o Luxemburgo. E, bem, pouca gente quis saber da banda. Mal sabem o que perderam.


Asimov

Os concertos regressavam horas mais tarde, com Nice Weather For Ducks, The Poppers, Memória de Peixe e Throes + The Shine a preencherem os nomes que encabeçariam o palco principal do festival na primeira noite. Mais tarde, no after-hours, Meneo e DJ ZC prometiam meter toda a gente a mexer.



Nice Weather For Ducks

Foi novamente com uma série de atrasos que se reiniciou a festa (e não que ela não tivesse continuado a ser feita durante os intervalos dos concertos). Passavam já das 23:30 quando os Nice Weather For Ducks, vindos de Leiria, subiram ao palco principal do Rock’Art Bairrada 2012. A banda leiriense rubricou um belo concerto, embora não tenha conseguido atrair a atenção de todo o público. Provando que bebem das melhores fontes (as influências de bandas como Klaxons ou Foals estão bem presentes), o quinteto instrumenta um indie rock coeso e vibrante, surpreendentemente “dançável” e sapiente.
Com uma energia inesgotável, tocaram-nos temas de Quack, o LP da banda. Sempre com uma sonoridade cuidadosamente doseada e apetrechados com uma imensa panóplia instrumental, o clímax do concerto deu-se com 2012, o single de maior dimensão da banda, que a tem vindo a popularizar pouco a pouco e que serviu de desenlace ao concerto da banda proveniente de Leiria. Interessantemente, é digno dizer-se que o quinteto toca melhor ao vivo do que em estúdio. Um nome a ter em conta.

Depois do agradável concerto dos Ducks, chegou-nos toda a frescura e pujança dos The Poppers. A banda que muito recentemente abriu, no pavilhão atlântico, o concerto de Jack White, carrega com orgulho a herança do verdadeiro espírito rock’n’roll e isso é bem constatável quando tocam ao vivo. A interecção com o público foi uma constante ao longo de todo o concerto, chegando mesmo ao ponto de Luís Raimundo, o senhor das vocais, pedinchar ao público para dar um golo na sua cerveja, evidenciando que o clima da boa disposição era o que reinava no festival. O quarteto deu uma verdadeira lição do que é tocar ao vivo: solos desconcertantes e uma setlist muitíssimo bem conseguida, a juntar a uma atitude em palco invejável. Não querendo soar, de nenhum modo, hiperbólico, foram os The Poppers que catapultaram os ânimos do Rock’Art para outro patamar. Sempre com o seu rock bastante frio, cru e musculado, mantiveram uma postura dentro de palco absolutamente irrepreensível, captando a atenção dos fãs, que até à data se tinham demonstrado amenos.


The Poppers


Sempre com a boa disposição à mistura, o vocalista perguntou se alguém sabia tocar guitarra, porque quem soubesse iria para cima palco mostrar do que era capaz. Por casualidade, ou talvez não, quem acabou por subir ao palco foi o guitarrista e vocalista dos Asimov (lembram-se deles?), proporcionando um belo momento, com riffs monstruosos. Quando tudo já estava sintonizado com os ares do Rock’Art, a banda faz uma cover da mítica Psycho Killer, dos Talking Heads, assinalando o ponto alto do concerto. A reacção do público foi imediata, com toda a gente a parafrasear verso-a-verso a icónica música da banda que marcou os 80’s. Houve ainda tempo para My Generation, dos The Who. O concerto terminou, obviamente, ao som de Drynamill, música que fez dos Poppers autênticos “milionários”, citando o seu vocalista, e a mais conhecida do grande público.

De seguida, chegavam os Memória de Peixe, a banda mais aguardada de todo o cartaz pelo ser que está a escrever esta ignobilidade que estão a ler. Mas preciosismos à parte, vamos ao que realmente interessa. E tudo o que realmente interessa são os Memória de Peixe. A dupla das Caldas da Rainha subia ao palco depois de concerto incrivelmente enérgico por parte dos The Poppers e tinha a tarefa de manter bem quentes os ânimos do público. A dupla constituída por Miguel Nicolau, na guitarra, e Nuno Oliveira, responsável pela bateria, trazia na bagagem os temas do seu disco homónimo editado já no presente ano de 2012. Subiam ao palco com algumas horas de atraso e já com um público mais interventivo, mérito da prestação dos The Poppers. Com uma criatividade e originalidade bastante grandes, a banda foi conquistando o público (pelo menos o público das filas dianteiras) desde o início do concerto. Miguel Nicolau sequenciava uma série de loops, sempre demonstrando uma destreza tremenda, enquanto Oliveira os afiava com a sua bateria.

Memória de Peixe


Tocaram-se temas como Estrela Morena ou 7/4 na fase inicial do concerto, mas foi com Indie Anna Jones, a música mais agressiva, pujante e concitante de Memória de Peixe, que chegou a primeira explosão de emoções no concerto da banda. Com o público a deixar-se mergulhar no oceano sonoro que os Peixe(s) edificavam, o concerto começou a tornar-se (ainda) mais interessante. Sem hiperbolismos, esta banda é, indubitavelmente, um dos projectos nacionais mais interessantes, originais, com mais qualidade e que mais merece a nossa atenção. A maneira como se mesclam e se sobrepõem todos os loops da guitarra de Nicolau é deliciosa, e o diálogo estabelecido com a bateria acaba por funcionar muitíssimo bem. Sem ser possível categorizar o género musical produzido pela banda num único género, diria que a dupla estabelece uma ponte entre a indie pop instrumental e o indie rock, sempre com um estilo “dançável” subjacente à sua sonoridade. Sempre num ambiente refrescante, fervilhante e intenso, o concerto prossegui ao ritmo dos riffs fugazes e electrizantes provenientes da guitarra de Miguel. Houve tempo ainda para nos tocarem uma música e quando já me doía o pescoço e a perna de tanto me mexer, eis que os Memória de Peixe nos anunciam que nos vão deixar. Tocam-nos Fishtank, o "maior" single da banda, e abrasam os ânimos do público com a sua música incrivelmente refrescante, fluida e vívida. Sem vontade de irem embora (pois, parecia que o público estava a gostar do que estava a ver), deixaram-se ficar no palco a improvisar por largos minutos, com a baterista a tocar guitarra com a sua baqueta (sim, verdade). E no fim, chegou o momento de dizer adeus àquele que foi o grande concerto do dia.

Se os Memória de Peixe são um dos projectos nacionais onde a originalidade e a criatividade estão mais vincadas, os Throes + The Shine também têm de estar obrigatoriamente na lista de bandas portuguesas mais criativas.  O seu estilo é verdadeiramente único: mais nenhuma banda no globo, suponho eu, concilia o rock e kuduro na mesma música. O rockuduro da banda já tinha invadido os ares da Bairrada na edição de 2011, mas naquela ocasião andaram pelo palco secundário do festival. Desta feita, a festa era deles, ali, onde mereciam, no palco principal. O carinho do público pela banda era já imenso e descingiu-se ao longo de todo o concerto, fazendo com que a banda demonstrasse toda a sua alegria enquanto entoava temas como É Batida ou Hoje é Festa e, bem, era mesmo dia de festa. Houve direito a mosh, a banhos de cerveja e a queimadelas de cilindros de papel. Direito a ir para cima do palco dançar ao som da batida dos Throes e do hip-hop “kudurizado” dos Shine. Direito a parafrasear versos como “Hoje é festa, eu vou dançar” enquanto já se via tudo numa roda viva, a sépia ou mesmo a cores negativas. 


Throes + The Shine

Depois de uma maré de cerveja espalha pelo recinto, de um concerto que “partiu com a loiça toda” e de uma festa só ao alcance do indie rock corrosivo dos Throes e da diversão e presença em palco dos Shine, chegava a hora da despedida. Mas a festa ainda não acabava por aqui. Não sem antes os The Shine cantarolarem novamente a passagem “Hoje é festa, vamos dançar”. E assim, o palco ficou deserto, à espera que por lá chegasse Meneo para o after-hours.

Sem ter bem noção das horas, arrisco dizer que quando Meneo subiu ao palco com a sua Game-Boy Colour seriam já umas quatro horas da manhã. O ambiente era de pura descontracção e festa, tal como os Throes + The Shine prometeram. Num clima efusivo, dançava-se incessantemente e sentiram-se saudades de Ian Curtis no meio de tanta “mexidela”. Tantas, que uma série de pessoas se deslocou para as filas dianteiras do recinto para pedir para Meneo passar Joy Division, pedido que não foi correspondido e veio mais do mesmo, brostep para dançarmos enquanto se parecia simular ataques epilépticos.

A festa acabou já de manhã e prometia regressar no dia seguinte: era agora tempo de reabastecer as energias e descansar o corpo, pois o dia havia sido intenso. Um dia em que os Throes + The Shine ganharam o público, os Memória de Peixe rubricaram um concerto brilhante, os The Poppers deram um concerto agradável lembrando clássicos da vanguarda “setentista” e “oitentista”, os Nice Weather For Ducks nos deram uma agradável surpresa e os Asimov assinalaram um grande concerto no palco secundário.


Texto e  fotografias por Emanuel Graça




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