sexta-feira, 4 de maio de 2012

Dead Combo - CONCERTO

Quem entrasse na Aula Magna, por engano, nesta noite de 3 de Maio, e visse dois pianos, uma bateria, várias guitarras, um contrabaixo, sopros a um canto, e um palco para duas vozes no outro, certamente diria que ia actuar uma big band de jazz, ou pelo menos uma banda de música rock com o seu estatuto, para ocupar o palco daquela forma, ainda para mais com flores um pouco por tudo o que era sítio. Estava uma casa bem composta, decorada de acordo com a imagem dos Dead Combo (Tó Trips e Pedro Gonçalves) e até com música ambiente a condizer com uma banda que tem cada vez mais respeito em Portugal, ainda para mais depois do seu quinto álbum de originais, "Lisboa Mulata". O concerto contava ainda com a participação especial das vozes de Camané e também das Víboras do Chiado, e da Royal Orquestra das Caveiras. Na plateia, estavam algumas figuras conhecidas da música (Pacman, Paulo Furtado, entre outros) e um público que era transversal em idades e estilos de pessoas, numa prova de que os Dead Combo chegam cada vez mais longe. 
O duo começou sozinho a sua actuação, deixando os convidados para mais tarde. O som western-fado-tango-flamenco do grupo começou a desenrolar-se com "Rumbero" e "Sopa de Cavalo Cansado" e apenas na terceira música se abordou o novo álbum, com a bipolaridade emocional de "Cachupa Man". O mote estava dado para o concerto e o público começou-se a deixar levar pelas histórias que as guitarras ou o contrabaixo iam contando. Vislumbrava-se já a multi-instrumentalidade que Pedro Gonçalves ia mostrar durante as próximas duas horas. "Anadamastor" e "A Menina Dança" surgiram com duas dedicatórias, a primeira para uma empregada de mesa e a segunda para a mãe de Tó Trips, dada pelo próprio. O ambiente era íntimo, apesar do tamanho da sala e do palco, e os solos de Tó Trips foram interpretados de forma muito sentimental, numa mistura de técnica com paixão, numa prova de grande mestria no instrumento que tocou noite fora. Depois veio "Assobio", tema inspirado por um assobio de Vasco Santana entoado pelo avô de Trips, e surgiu aqui o primeiro toque forte de fado, da Lisboa sentimental típica. "Quando A Alma Não É Pequena", do álbum com o mesmo nome, leva-nos definitivamente para outra época, efeito esse que ao vivo é mais sentido do que nos discos, culpa do reverb etéreo na guitarra solo. Tó Trips apresentava o espectáculo com poucas palavras mas bem disposto, criando alguma empatia com os presentes.
Com toques de música clássica tocados à la Dead Combo apareceu "Putos A Roubar Maçãs", uma música carregada em que diríamos que o crime é muito maior do que o indicado. O pé de Tó Trips bate incessantemente durante as músicas, perfeitamente audível da plateia, e fica-se sem perceber se faz parte da actuação ou se é apenas um trejeito do músico. Ouvimos o dark slow de "Aurora em Lisboa", uma música mesmo deste grupo pelo cocktail de world music que carrega e onde Trips emana toda o seu talento uma vez mais, e "Morninha do Inferno", ambos do "Lisboa Mulata". Pedro Gonçalves mostra-se à altura do seu companheiro, tocando com o arco ou a pizzicato no contrabaixo. Nas últimas duas canções que tocaram sozinhos, os Dead Combo mostram "Cowboy's Cure For Jah", do mesmo álbum, numa reencarnação do reggae e do dub do miradouro de Santa Catarina, com Gonçalves na melódica, numa mistura psicadélica de loops e feedback infinito, onde imperou um certo caos dub, e "Pacheco", onde um pequeno piano foi estreado ao vivo, numa homenagem em forma de cabaret-noir ao guitarrista que acompanhava a fadista Hermínia Silva. 
Juntaram-se as Víboras do Chiado, duas vozes femininas para atiçar o ambiente. Estiveram com o duo em "Esperanza", tema baladeiro com vozes circulares, "Like A Drug", cover dos Queens Of The Stone Age em que nas palavras de Trips "soa a um rádio na cozinha de um restaurante chinês" e "Esse Olhar Que Era Só Teu", música oriunda de outra em que Amália canta por cima de um ritmo africano e em que imaginamos a diva a cantar à nossa frente, nos seus anos dourados, bem como a guitarra portuguesa. É assim o génio do duo. Chegou Camané, devidamente aplaudido, onde começou por declamar o poema de "Ouvi O Texto Muito Ao Longe", uma balada falada, com texto de Sérgio Godinho, em que as Víboras cantavam entrelaçadas com o texto. Tocou-se fado em "O Vendaval", provando que o género também pode ser ligeiramente psicadélico, fazendo com que ficasse ainda mais o mar e a saudade, numa tristeza inerte mas bonita. A voz de Camané encaixou perfeitamente na sonoridade dos Dead Combo, que continuou com "Inquietação", versão do original de José Mário Branco, em que o fadista cantava um pouco fora do seu género mas mostrava-se igualmente confortável. Misturavam-se 3 mundos neste tema, e o solo e a voz fundiam-se num instrumento que as palavras nunca chegarão para descrever. 
Camané saiu de palco e voltou-se a "Lusitânia Playboys", 3º álbum da banda, com "Cuba 1970", tema que deu entrada à Royal Orquestra das Caveiras. O som ganhou contornos mais firmes, reais e fortes e os metais começaram a desenhar o ambiente que se faria sentir em breve, levando-nos directamente para uma antiga Havana. A seguir estava o toque de tourada e de México de "Manobras de Maio", e percebíamos que mesmo com a orquestra, os Dead Combo não perdiam o seu carácter original. Em "Desert Diamons", a orquestra explodiu, o duo brilhou e o público aplaudiu forte o rock mais forte e cinematográfico, onde a bateria se mostrou indispensável para um show incrível. O momento da noite, sem dúvida! Posteriormente veio "Lusitânia Playboys", que nos contava a rixa entre dois músicos de jazz e dois marinheiros, num jazz muito completo e em plena percepção de que a atmosfera tinha ganho novas cores com a Royal Orquestra. Pedro Gonçalves fez um solo de contrabaixo ímpar e o jazz tornou-se quase em cabaret. Voltando ao quinto álbum, "Blues da Tanga" foi um registo rock menos típico dos DC e exibiu uma slide guitar mais que furiosa. Por esta altura, PGonçalves já tinha tocado guitarra, contrabaixo, piano e melódica. Regressou-se ao western com "Mr. Eastwood", em tons eléctricos e fortes, havendo depois espaço para uma banda sonora de um filme por estrear, de Bruno Almeida e com o mesmo nome da canção, "Operação Outono". Um funk-rock policial com laivos de Dead Combo por todo o lado, em que se denota a grande capacidade de todos os músicos como grupo. 
Na recta final, apareceu "Rodada" e "Old Rock 'n' Roll Radio", num jazz com tiques cabaret, e antes de uma curta pausa, "Marchinha do Santo António Descambado", numa visita relâmpago a um Havai que deixou de existir ou que foi apenas uma ilusão, como nos provou a guitarra chorosa e longínqua que não parava de tocar. Regressaram os Dead Combo, não só do backstage mas também às origens, com duas músicas do 1º albúm, "Cacto" e "Eléctrica Cadente", onde a primeira podia ter perfeitamente entrado em vários filmes de Quentin Tarantino e a segunda mostra uma bateria poderosa. Após todos estes temas, toda a audiência já sentia que estava a levar uma bela sova de boa música para os seus ouvidos. O concerto terminou com "Malibu Fair", numa espécie de frenético hard rock do faroeste, e em beleza com um super adornado, dançável e viciante "Lisboa Mulata". Com a orquestra, este single, do último álbum, ganha uma dimensão enorme, começando em Ray Charles e acabando em proto-Kuduro. O nome da música é perfeitamente explicado durante a performance da mesma, e o público, se é que ainda não estava, ficou na mão do homem da cartola e do senhor dos óculos escuros.
Se tinham apelidado a música deste grupo como mais contemplativa e de ambiente, falta-lhes ver uma actuação do mesmo ao vivo, num espaço adequado ao seu talento. Os Dead Combo provaram o porquê de todo o buzz em volta do seu último trabalho e confirmam algo de que já desconfiávamos: eles são fortes e muito talentosos, em estúdio e ao vivo, e percebem imenso de vários géneros musicais. Quem diria que Portugal viria a conceber um talento como estes dois senhores!

Reportagem de Duarte Azevedo // Fotos de Catarina Alves




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