terça-feira, 22 de março de 2011

Daniel Catarino - ENTREVISTA



Músico de mil projectos, todos eles com algum impacto no panorama nacional: Long Desert Cowboy, Seven Thousand, Landfill, Oceansea, Uaninauei.

1 - Como e desde quando se desenvolveu a tua ligação à música, como praticante?

Comecei aos 11 anos a tocar guitarra por acaso, porque a minha prima Irina tinha uma viola e queria aprender, e como eu não tinha que fazer, ia com ela. Aos 10 anos ia com um grupo de amigos da minha terra (Cabeção) para casa de um deles ouvir discos de black metal do irmão dele, talvez isso me tenha influenciado indirectamente, mas nunca pensei em ser músico até já saber tocar meia dúzia de canções. Desde sempre me lembro de querer ser escritor, a música acabou por aparecer mesmo por acaso.

2 - Estás em vários projectos musicais, seja de metal, hard rock, acústico, indie. Vais substituindo as bandas umas pelas outras ou tentas manter tudo a andar ao mesmo tempo?

As bandas não se substituem porque são diferentes o suficiente para não se atrapalharem musicalmente. Enquanto houver tempo e vontade para isso, os projectos funcionam, se por algum motivo a coisa não resultar, então acaba. Mas o circuito português de concertos é pequeno demais para que uma banda consiga ocupar todo o meu tempo, pelo menos actualmente, pelo que acho positivo ir-me dividindo entre todos esses géneros que gosto de tocar. Vejo a minha relação com a música como um casamento, mas cada projecto é como um namoro, uns duram mais que outros, uns acabam bem, outros acabam mal, outros vão durando, uns são mais intensos e curtos, outros mais ténues e longos, etc.

O segredo é não pensar demais nisso e deixar as coisas fluírem e acontecerem naturalmente, e os projectos mais duradouros acabam sempre por ser esses em que as expectativas nunca são maiores que os passos que se dão. Nada dura para sempre, mais vale ir aproveitando o dia-a-dia da melhor forma possível, e eu gosto de tocar e criar música com várias pessoas, sozinho, enfim. Não ando à procura de reconhecimento ou atenção, é simplesmente uma coisa que gosto muito, e como tal quero que isso ocupe a maior parte da minha vida, como qualquer outra pessoa.



3 - Nunca te ocorreu "se calhar é nesta banda que me devia fixar daqui por diante"?

Não, porque como ouvinte também nunca me ocorreu ouvir só um estilo de música. Posso-me considerar músico, mas acima de tudo sou ouvinte e apreciador de música, e acabo por gostar de coisas bastante opostas, pelo que acho normal fazer coisas diferentes. É tudo uma questão de disposição na altura em que se compõe, quando acabo um ensaio de uma banda mais "roqueira" por exemplo, a última coisa que me apetece ouvir quando chego a casa é metal, porque os ouvidos precisam de descanso. Então acabo por ouvir se calhar algo mais na base do cantautor ou ambiente, e é natural que as coisas acabem por sair diferentes no momento da composição. Os projectos são todos válidos, e a música que faço e ajudo a fazer só tem uma limitação, que é eu gostar dela. Estilos e rótulos são coisas que ajudam mais a vender roupa e acessórios de moda que outra coisa qualquer.

4 - Qual foi o projecto que foi melhor recebido pelo público?

Talvez Uaninauei, embora tanto Landfill como Oceansea ou mesmo Long Desert Cowboy tenham sido bem recebidos. A verdade é que quando limitas as expectativas e o mote de trabalho à criação daquilo que consideras boa música, a recepção positiva por parte do público acaba sempre por ser uma surpresa agradável. Na verdade, não me preocupo muito com o que as pessoas pensam do que faço, é mais uma questão de confiar no meu gosto, e pensar que se eu gosto, mais alguém há-de gostar. Mas pelas críticas e conversas que temos tido depois dos concertos com as pessoas, parece consenso geral que Uaninauei se destaca actualmente por soar a algo novo, e isso é para nós um orgulho, principalmente considerando que cada vez aumenta mais a população que considera que já está tudo "inventado" na música. Ainda não ouvi ninguém fazer metal com rancho folclórico, por exemplo.

5 - Diz-se muito que fazer música e dar concertos fora de Lisboa e Porto consegue ser muito complicado. Concordas?

Nós temos enfrentado um bocado o oposto, é mais difícil marcar concertos em Lisboa e no Porto que no resto do país, ou porque as condições de muitos locais (com algumas boas excepções) são miseráveis, ou porque tens de pagar para tocar, ou porque simplesmente ignoram os teus contactos. Se há alguma ligação deste desprezo do contacto com a região de onde é proveniente o projecto, isso já é tema de debate ou para perguntar aos organizadores de eventos.

6 - Dá-nos a tua opinião sobre a divulgação da música em Portugal. O que pode melhorar?

Pode melhorar muita coisa, mas sobretudo a distribuição desta divulgação. Não se percebe por exemplo como é que Uaninauei não entra para a playlist de algumas rádios nacionais e tens a música dos Pontos Negros de 2007 ainda a rodar em horário "nobre" radiofónico (por acaso até gosto e não serão o melhor exemplo, mas ouvi-os há pouco e até eles provavelmente preferiam que passasse um dos temas mais recentes).

E não quero com isto dizer que somos melhores ou piores que ninguém, é simplesmente uma questão de oportunidades ou coisas que se tentam e não se conseguem por motivos que não são claros. Ou como é que as rádios generalistas conseguiram dar a volta às leis de airplay nacional metendo mais músicas dos mesmos artistas, sem abrir portas às novas coisas que vão surgindo. Ou como é que boa parte das agências de marcação de concertos conseguem infiltrar-se em alguns eventos importantes e "miná-los" com os mesmos artistas de sempre. Há para a grande maioria dos portugueses uma diferença gigante entre um músico "em desenvolvimento" e um músico "estabelecido".

Noto algumas vezes isso com os Uaninauei, e ainda estamos num nível de conhecimento do público bastante baixo. Algumas pessoas que ao início nos menosprezavam agora elogiam-nos, e a única explicação que vejo para isso é que é uma questão do nosso estatuto ter mudado aos olhos das pessoas. Ou és banda de garagem e só os amigos te querem ver, ou apareces uma vez na televisão ou na rádio e já és uma celebridade. Na cabeça de muita gente, infelizmente é assim que funciona, a qualidade da música não define os gostos de grande percentagem da população, é mais uma questão de "quem ouve o quê" e "com qual destes grupos me quero integrar", "quem são os mais fixes".

Há boas excepções a isto, claro, de gente que te apoia e acredita em ti desde o primeiro momento, e de outros que não gostando são frontais e sinceros no que dizem. Estes acabam por ser os mais importantes, mas muitas vezes são os outros que tomam conta de boa parte da tal divulgação musical em Portugal.

7 - Ultimamente, as bandas portuguesas vão ganhando algum espaço no mercado musical. Há algumas que queiras destacar?

Posso destacar bastantes, como os meus conterrâneos Fato/Feto, Ballis Band, Damien's Trail of Blood entre outros, bem como a nível nacional temos O Bisonte, Bla Bla Bla, Feromona, etc. A lista é extensa, e não são os nomes que me interessa listar, mas sim o facto de termos finalmente uma geração mais aberta ao que é português, com a noção de que os padrões de qualidade não têm de vir de fora, podem ser aqueles que bem entendermos colocar consoante os nossos gostos.

Nos anos 90 principalmente, havia muito a ideia que fazer boa música em Portugal era imitar o melhor possível o que se fazia "lá fora", com bandas a editarem discos cheios de autocolantes a dizerem "produzido por Martin Barnes", seguido de várias bandas com que esse senhor tinha trabalhado, numa tentativa óbvia de se tentarem colar e roubarem atenção com o nome dos outros, aos quais querem à partida ser identificados. Penso que isso é um caminho errado, é o caminho do conformismo e da ausência de novidade, do fim da procura pela próxima canção que marca uma geração ou a mudança de uma era.

Penso que um músico é-o igual em Portugal, Espanha ou qualquer lugar do mundo, deve fazer música que lhe venha do coração e/ou da consciência e não se preocupar com o resto. Não escrevo músicas sobre Detroit porque nunca lá estive nem é uma vida que conheça senão da televisão e dos livros. Posso-o fazer, e há quem o faça bem, mas não vai ser um assunto que espere interessar ao público português, que - sejamos sinceros, é o que me vai ouvir. Prefiro ouvir uma música que fale do Alentejo ou do desemprego, porque com essas vou-me identificar mais, é uma questão básica e humana. Muitas bandas andam em competição nesse mercado musical, quando a solução parece-me outra, que será criar uma nova posição nesse mercado e não roubar a de alguém, tentar ser e soar verdadeiro, e como todos somos diferentes, é aí que está a originalidade.

DANIEL CATARINO

http://www.facebook.com/daniel.a.c.catarino

http://www.myspace.com/danielcatarino

UANINAUEI

http://www.facebook.com/uaninauei

http://www.myspace.com/uaninauei

SEVEN THOUSAND

http://www.myspace.com/setemil

LANDFILL

http://www.myspace.com/landfillpt

OCEANSEA

http://www.myspace.com/oceanseamusic

LONG DESERT COWBOY

www.myspace.com/longdesertcowboy




2 comentários:

ToRnAdO disse...

Muitos parabéns por tão objectivas, sinceras e verdadeiras palavras!! Como também pela extraordinária musica e persistência naquilo que sabes muito bem fazer!

keep on going!!

Abraço
http://sonsdotuga.blogspot.com/

Unknown disse...

Grande Daniel

Continua assim!

A música precisa de ti.

Abraço

Joaquim

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