quinta-feira, 18 de junho de 2015

RITA BRAGA - Entrevista

Rita Braga está de volta aos discos com o EP "Gringo In São Paulo". 5 canções pop, excluindo a versão-bónus de "Dama do Cabaré" do brasileiro Noel Rosa, que reflectem a vivência da dona de "Cherries That Went To The Police" (e de todos os que não falem um brasileiro impecável, se julgarmos apenas pela marcha carnavalesca do tema-título) na metrópole brasileira e que prosseguem na bonita onda de surpresas a cada instante, da troça dramática e saudosista até ao brilhante quasi-instrumental de "Tralala", desse disco de há 4 anos atrás que só quem compreende o que falta à musicalidade para além da música, da performance ao poder da imagem, se pode dar ao luxo de pôr no papel.
Um encantamento não forçado mas intelectualizado com quase tudo e ainda o que está para vir, esse encantamento intemporal de "Erosão", que explorámos com a própria numa pequena entrevista. De cantores de rádio dos anos 30 ao experimentalismo de uma musicóloga em evolução também como pessoa, a História cola-se à voz e à presença de Rita Braga.






BandCom (BC): Depois do anterior “Cherries That Went To The Police”, em que te dividiste enquanto intérprete por vários países e línguas, o título do teu novo EP “Gringo In São Paulo” pode ser enganador em relação ao foco geográfico desta nova fase ou as coordenadas são literais e precisas?

Rita Braga (RB): As coordenadas são precisas - o disco foi todo concebido, composto, e gravado em São Paulo e conta com várias colaborações de músicos dessa cidade. Apenas a mistura e masterização foram terminadas em Portugal pelas mãos do produtor e músico alemão Marc Behrens. A parte gráfica foi uma colaboração minha e dele.


BC: O Chris Carlone, teu colaborador de longa data, descreve-te oficialmente como "this charming and beautiful ukulele queen". Para o comum dos mortais, o ukulele pode ser visto como um dos mais singelos e sonoros instrumentos. É nesta combinação de simplicidade com grandiosidade que reside o poder e a magia do ukulele, sua Majestade?

RB: Essa pergunta pode ser dirigida ao Chris Carlone já que foi uma tirada dele! A frase era mais longa, referindo-se ao “mishmash” de estilos que toco no ukulele. Foi uma citação que ele escreveu inicialmente a propósito da minha primeira tour nos EUA em 2008 em que ele me acompanhou em 8 concertos na coste leste (Nova Iorque, Brooklyn, Filadélfia, Connecticut). Já colaborávamos pela Internet mas conhecemo-nos pessoalmente para realizar essa tour, que para mim foi fantástica. 


BC: Este quarto EP chega no mesmo ano que traz a Rita Braga ao “grupo dos 30” (anos). Ainda é cedo para te levares a sério ou tarde para levares tudo ou quase tudo na brincadeira?

RB: Os 30 muitas vezes são vistos como barreira psicológica entre o fim da adolescência tardia e a vida adulta “responsável”. Espero manter sempre o sentido de humor e não ficar demasiado “séria” com o passar do tempo (e levo a música e o trabalho muito a sério ao mesmo tempo que me divirto e tiro prazer do que faço, se é que isso faz sentido).



BC: Agora, tens uma “base” no Porto. Depois de muitas viagens e de várias “casas”, em trabalho e/ou para viver. O trabalho levou a melhor sobre as preferências pessoais ou tudo isto contribuiu também para um enriquecimento do ponto de vista pessoal mais substancial? Sentes que te estás a aproximar mais de uma identidade própria definida ou esse trabalho já foi feito ao longo dos anos anteriores?

RB: Ter uma “base” ajuda para manter um ritmo de trabalho. Tive fases em que mudava muito rapidamente e gastava mais energia nessa movimentação, mudanças de casa frequentes. Mas creio que foi tudo enriquecedor. Passar por várias paragens ajuda a criar uma perspectiva dos sítios onde se vive. A minha nova casa tem a vantagem que tenho espaço para um pequeno estúdio caseiro para trabalhar demos, etc...pude investir em algum equipamento básico de som que eu nem tinha apesar de trabalhar com música há anos. E gosto da cidade do Porto para morar.






BC: No tema que abre e dá título a este trabalho, apareces qual cartoon de Carmen Miranda com um inglês, intencionalmente, “arranhado”, encarnando quem vive em São Paulo como se vivesse no rebuliço de Nova Iorque. Mas “arranhar” letras de canções também é prática do ouvinte menos identificado com uma língua ou com uma cultura. Lembras-te de alguma canção que te marcasse pela forma ou pelo tempo em que foste “arranhando” a letra, o instrumental?..


RB: Acho que tinha em mente um género de canções sobre imigrantes recém chegados aos EUA do início do séc. XX. Não sei exatamente que canção mas acho que existiam várias nessa “categoria” que me chegam via memória coletiva. De uma época em que o “politicamente correto” não existia e se gozava abertamente com estereótipos de outras culturas – fossem russos ou irlandeses ou italianos ou asiáticos. Com uma dose de ignorância, comédia e entretenimento ligeiro.



BC: Qual é o artista mais desconcertante de sempre, na tua opinião? E a canção mais desconcertante?


RB: David Lee Roth: “Just a Gigolo”.



BC: Há alguns artistas em Portugal que recuperam um pouco o espírito vaudeville, o imaginário do humor ligeiro e teatralizável, o entretenimento naïve, espontâneo e quase de época. Por umas razões lembro-me dos The Soaked Lamb, por outras lembrar-me-ei da sallim. Consegues estar actualizada em relação à música portuguesa que vai surgindo ou preferes manter-te com o que já conheces? Concebes também como parte de conhecer um artista conhecer o seu espectáculo numa determinada altura, num determinado lugar?


RB: Não ando muito atrás das novidades anunciadas pela imprensa e meios de comunicação mas vou acabando por conhecer muitas coisas. Principalmente através de concertos, vou a muitos concertos de bandas e artistas que desconhecia só por curiosidade, sejam portuguesas ou que estejam cá de passagem. Frequento principalmente espaços pequenos e intimistas, mais do que os grandes festivais com nomes consagrados.



BC: Fazendo o simples exercício de juntar a lista de artistas com que já trabalhaste – alguns deles, como Bernardo Devlin ou Vítor Rua, com longas carreiras - e conjugando isto com a variedade de sítios onde já estiveste e já tocaste, é correcto afirmar-se que os portugueses são pouco justos no juízo da quantidade de tempo de antena dado aos seus artistas? Ou, como no caso dos músicos mais célebres do Brasil, é o “espírito de missão” e de “fazer” que vem primeiro e o resto é secundário ao trabalho feito?

RB: Pegando nesses mesmos exemplos – Bernardo Devlin ou Vítor Rua – acho que merereciam maior reconhecimento a nível nacional. Não tenho conhecimento de nenhuma rádio em Portugal que passe a música deles. O Devlin tem vários discos a solo com canções brilhantes e em português que muita gente poderia gostar. Ou o Presidente Drógado, com quem colaboro e acho que tem muita originalidade tanto na escrita das canções como no lado de performer - eu chamo-o de Eugene Chadbourne português. Há muitos que deviam ser mais ouvidos.





BC: Já fizeste/tentaste fazer várias coisas fora do teu trabalho na música. Essa vontade de experimentar também já deixou de ter limites na música que fazes e que ainda queres fazer? 

RB: Enquanto artista não vejo limites muito definidos – música, performance, vídeos, desenho. Tenho uma sensibilidade forte ao lado visual, não apenas sonoro. O que conta é a imaginação.



BC: O que tens projectado para os tempos mais próximos, (por exemplo, em matéria de concertos)?


RB: Já em Maio realizei a minha primeira tour de concertos na Suíça, com quatro concertos confirmados em Solothurn, Winterthur, Basel e Biel/Bienne. Em Junho irei tocar num evento em Varsóvia de cultura portuguesa. É possível que em Setembro regresse a Ponta Delgada e à Galiza, e em Outubro irei ter mais uma tour nos Balcãs (para já dois concertos confirmados na Croácia e conto ir pela primeira vez à Bósnia, para além de voltar à Sérvia, Eslovénia, Macedónia). Estou sempre em contacto com diversas pessoas na medida de fechar datas de concertos, em Portugal e noutros países e à medida que vou confirmado as datas publico na minha página.

Para além disso, iniciei uma colaboração com a artista norte americana Martha Colburn, que se mudou para Portugal recentemente – vou colaborar no próximo filme dela, na parte da música e possivelmente participar nas filmagens. É uma sorte porque já conhecia e gostava do trabalho dela há um par de anos. Também preparo demos e novas composições para o meu próximo álbum de longa duração que deverá ser gravado neste Verão.


André Gomes de Abreu




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