sábado, 23 de agosto de 2014

FUSING CULTURE EXPERIENCE 2014 - DIA 1




O primeiro dia do FUSING Culture Experience ressentiu-se claramente de uma véspera de feriado ventosa na Figueira da Foz: para além de o maior número de pessoas no recinto já se ter registado um pouco mais tarde, sem frustrar a frigidez do vento que insistia em soprar, a programação também foi afectada e GHETTHOVEN já não deu espectáculo (literalmente e no bom sentido) no Lounge Pleno, como estava previsto, mas sim no Palco Experience, onde teve a honra de ser o primeiro artista a pisar o palco nesta segunda edição do FUSING. Pelas 18h, com pouca gente ainda no recinto (talvez também por culpa da fila interminável que se vislumbrava por detrás do palco), o artista de 25 anos e as suas duas bailarinas tentaram aquecer uma tarde durante a qual já se sentiam as rajadas de vento que iam ser mais fortes que a resistência do público à noite. Apesar da boa entrega em palco e da apresentação de um género de música híbrido entre a soul, o RnB e o groove pouco presente nas duas edições do festival figueirense, o concerto roçou por vezes a caricatura: as coreografias ousadas e desnecessárias em temas mais ritmados não se mesclavam bem com alguns temas mais calmos ou baladas que nem sequer convenceram as mais lamechas.

Antes, e na primeira ronda pelo recinto, a grande nota do concerto do Quarteto Mário Santos tem de ser um forte conselho para que não haja mais oportunidades desperdiçadas tão facilmente para ver um quarteto tradicional de jazz que promete, quer parecer e é tudo menos tradicional e espartilhado na sonoridade que alcança. Servir de ambiente às demonstrações culinárias do Lounge Pingo Doce? Esta foi e é uma "Nuvem" muito maior do que isso. 

Pelas 20h, estava marcado o regresso do homem-orquestra ao recinto da Figueira da Foz. Juntamente com o baterista Hélio Morais, David Santos, aka Noiserv, conseguiu um feito inigualável: conseguir atuar 3 vezes no Fusing em apenas duas edições (duas enquanto Noiserv, uma enquanto You Can’t Win Charlie Brown). Se no ano passado atuou no palco Fusing, de maior dimensão, na passada quinta-feira, ficou-se pelo Palco Experience, em pleno pôr-do-sol, instantes antes do lusco-fusco que tanto o tinha inspirado na passada edição - “nunca tinha tocado durante o pôr do sol, por trás de uma torre de cimento”, disse ele. Uma primeira experiência que adicionada à do ano passado proporcionou um concerto cheio de emoções que só ele consegue despertar no seu público. "Mr. Carousel" abriu as hostilidades e foi o primeiro dos muitos singles que David Santos voltou a apresentar. Destaques para "I Was Trying To Sleep When Everyone Woke Up", "Palco do Tempo" e "Bontempi", três dos temas que fizeram sonhar e viajar quem esteve presente, a rezar para que o vento abrandasse, não penalizasse os artistas e não constipasse o público logo no primeiro dia do festival.

Pouco depois do final do concerto que Noiserv não queria fechar, os For Pete Sake foram recebendo cada vez com maior agrado e energia a aceitação do convite endereçado ao público presente para que se juntasse em frente ao palco Fusing. Descomplexado e por vezes também desconexo, fruto dos vários pormenores folk, de surf-pop, reggae ou até mesmo a chamar o rock clássico de há várias décadas atrás, o pop-rock da banda dos irmãos Sacchetti não consegue ser particularmente retemperador ou de ilusões duradouras. O público, de tal maneira encorajador e participativo que motivou um dos vários encores que presenciaríamos muito embora estivéssemos em ambiente de festival, continua a justificar sobremaneira que os For Pete Sake, com o seu EP "Soothing Edge" e com alguns temas novas já para apresentar (como "Asteroid"), deixem o patamar dos concursos de bandas e comecem a estabelecer uma carreira que tem condições para os deixar bem cotados na paisagem musical portuguesa. Em stand-by para um futuro próximo.  


Enquanto estavam a tocar os For Pete Sake no Palco Fusing, os leirienses First Breath After Coma preparavam as guitarras que transportam qualquer um. Porém, este ano novamente, as prestações mais enérgicas do palco principal acabaram por penalizar as que ritmicamente são mais introspetivas no palco secundário, dada a proximidade entre os dois. Muitos músicos teriam completamente perdido as suas marcas, o que não foi o caso deste quinteto leiriense que tanto promete. No público, as queixas eram muitas, até porque os momentos onde o silêncio, a minúcia e o pormenor são mais que importantes no trabalho dos FBAC foram completamente absorvidos pelos ecos da atuação do outro palco. Por todas estas razões, o mínimo que podemos fazer é dar os parabéns ao quinteto por ter conseguido superar todas as adversidades e oferecido um dos momentos mais agradáveis e planantes do festival. "Knivet" e "Almadraba" foram dois dos temas mais marcantes da noite, assim como a boa cover de "Wait", dos M83.





Sem dúvida um dos pontos altos da segunda edição do Fusing: a prestação da grande Capicua, a artista que já faltava à música portuguesa. Multifacetada, acertada no ritmo e na poesia, a rapper portuense teve direito à maior enchente da noite, juntando pessoas dos 10 aos 70 anos, com uma omnipresença feminina de destacar para um concerto de hip-hop. Bem ajudada por M7 e pelo DJ D-One, mas também por Mister Isaac na guitarra nos temas em acústico, Capicua demonstrou à plateia toda a sua diversidade lírica, tanto na auto-superação feminista como na crítica política que atingiu o seu ápice em dois temas transformados em dois acapellas quase introdutórios, autênticas máquinas criadoras de calafrios. Entre o hip-hop mais old-school e o que a levou a um público mais mainstream, notou-se a agilidade, a versatilidade e a sinceridade da artista, tanto em temas como "Maria Capaz" como naquele que é talvez um dos maiores temas dos últimos anos da música portuguesa, "Medo do Medo". As malhas do último álbum "Sereia Louca" levaram o público à euforia, destacando-se talvez o single "Vayorken" e a emoção de "A Mulher Do Cacilheiro". Esta prestação só veio confirmar uma coisa: Capicua não é A melhor MC portuguesa, nem A melhor artista portuguesa. É um dos melhores artistas - senão O melhor - que Portugal viu nascer e emergir nestes últimos anos.

O curto vídeo que se segue resume na perfeição o concerto dos Sensible Soccers no FUSING Culture Experience (e em tantas outras ocasiões). Se assim o quiser, o leitor pode e deve substituir o vídeo por por outro que reflicta em maior grau a sua preferência clubística - tenha apenas em atenção que as metáforas futebolísticas com os Sensible Soccers podem ser no seu conjunto um enorme cliché, mas dificilmente encontrará outro vídeo onde se relate com a emoção devida uma das canções de uma das novas bandas portuguesas destinadas a fazer história mais cedo que tarde.





Faça chuva, faça sol, faça vento e haja os problemas técnicos que houver (como foi o caso quase interminável desta noite), ter os You Can't Win, Charlie Brown num festival mais ou menos dedicado à música portuguesa é sempre motivo para grande rejubilo, por mais vezes que os vejamos em palco, neste caso no Fusing. Certamente que uma das bandas mais consistentes a apresentar material novo e de inegável qualidade com cartão de cidadania portuguesa e carimbo de "ha-lá-fora-é-que-é-bom-mas-afinal-são-de-cá" é mais do que incapaz de dar maus concertos, de ser uma má anfitriã, de esperar por que a sua sombra a ultrapasse e até de atrair os olhos dos espectadores para os ecrãs dos telemóveis. Reze-se para que tenham ganho ainda mais admiradores, porque nem a cover de "Heroin" dos Velvet Underground (que ao contrário do NOS Primavera Sound não fechou o alinhamento), recuperada à noite "Black Balloon" que protagonizaram no Lux Frágil, faltou, nem João Gil, por muito que a viagem de Vitorino Voador de Cem Soldos para a Figueira da Foz pudesse ter ameaçado. Assim tem de ser, quando o "bonito" é ser um êxito para continuar a seguir.  

Passando por outro dos espetáculos mais aguardados da noite, vimos o norte-americano Slow Magic endiabrado no Palco Experience, com um ritmo percussivo elevado e que conseguiu mover um público congelado que viu nele um autêntico "messias" capaz de o libertar do torpor, isto mesmo que o concerto tenha começado com algum atraso. Entusiasmado, juntou-se ao público e continuou a tocar lá no meio com os seus tambores desencadeando uma chuva de telemóveis a registarem este momento imperdível. A verdade é que para quem já conhecia os seus temas e o viu pela primeira vez ao vivo, não se esperava que a atuação fosse tão dançável. Não se ficou a saber muito mais sobre este homem discreto que ninguém conhece, escondido por trás de uma máscara situando-se entre a máscara de um dos dançarinos LMFAO e a dos SBTRKT. Mas uma coisa é certa: o artista ganhou fãs portugueses e o tema "Girls" vai seguramente fazer parte depois deste concerto do iPod de muito boa gente figueirense.

Pouco depois, e com o atraso na programação a cavar um fosso de significativos minutos, os Primitive Reason iam tentando mas, para um cabeça-de-cartaz, esperava-se muito mais. Esperava-se mais público, mais interação entre o público, cada vez mais congelado, e os Primitive Reason, de volta ao ativo 20 anos depois de terem começado esta aventura musical. As alterações na banda podem explicar esta relativa deceção. Mas, como no caso de GHETTHOVEN, a presença desta banda justifica-se claramente pela sua singularidade no panorama da musical portuguesa, com um ska que vai buscar ao rock, ao metal e ao reggae alguns ingredientes. Uma autêntica fusão de ritmos em perfeita adequação com o conceito do festival, com alguns clássicos à roda. 

No fecho de caixa, o formato "banda" dos White Haus punha finalmente mãos à obra - "desde as 9 da manhã" que estavam à espera para o fazer, segundo João Vieira - para arrancar um dos grandes e mais desconcertantes momentos em qualquer lugar do Mundo entre as 2h30 e as 3 e picos da madrugada. Apesar de mais composto para o final, o público não resistia a ir deixando de lado os gritos de ordem escusados e as comparações balbuciadas (mas não menos racionais) com um Mick Jagger em palco à frente de uma máquina de poluição disco-funk altamente bem treinada na vibração da selvajaria punk londrina ou nova-iorquina e no bom gosto de muita música que renova pormenorizadamente algo que parece pouco mais que histórico à escala de uma pusilanimidade de graves. Mesmo em tom aparentemente baladeiro, como no single "Far From Everything" com que terminou o concerto, as formações que João Vieira apresenta não sabem falhar, e mais, não têm como falhar.
Ahm...onde ficou mesmo aquele workshop de sushi e gin tão aprazível?




Textos de André Gomes de Abreu e Mickaël C. de Oliveira
Créditos da fotografia: Organização do FUSING Culture Experience




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