terça-feira, 10 de junho de 2014

NOS PRIMAVERA SOUND 2014 - DIA 2

Umas horinhas de sono e lá estávamos nós novamente no Parque da Cidade; o segundo dia do festival portuense era aquele que, a priori, seria o melhor e também aquele onde as sobreposições complicavam em demasia as nossas contas. Mas vamos por partes, convém sempre ir por partes. Os HHY & THE MACUMBAS, banda que se “prende” à promotora Amplificasom, seriam a primeira banda a tocar no segundo dia do evento. Eram 17h e estávamos no palco Super Bock; a barreira de uma banda com uma sonoridade mui peculiar tocar tão cedo conseguiu ser minimamente quebrada e das raízes ideológicas dignas de toque d’ouro de Sun Ra se edificou uma performance sólida, mas por vezes inconstante. O Macumbas não está ali por acaso, os HHY agem em palco de uma maneira muito própria; dois dos membros da pseudo-orquestra tocam-nos quase sempre de costas voltadas onde o seu rosto é substituído por uma máscara, os sons que saem projectados pelas colunas são tribais e quase aleatórios. Mas na aleatoriedade, a harmonia: tudo se compensa, tudo está na mesma fase. Não temos dúvidas de que são dos nomes mais especiais da música portuguesa dos nossos tempos.






Depois das macumbas, os TORTO. Lembram-se daquilo que vos dissemos sobre eles aquando da edição do seu primeiro disco? Pois, exacto; os Torto são uma máquina de previsibilidade dentro da esfera da imprevisibilidade. Confusos? Não estejam; o detrimento dos crescendos e as apostas na imprevisibilidade do pós-roque que bandas como Tortoise veicularam está bem patente na música do trio. Também não é para menos o piscar de olho ao post-rock mais característico dos anos 90, os Torto já não são nenhuns meninos, já sabem, por certo, aquilo que está mais gasto, aquilo que pode soar mais fresco. Com uma sonoridade daquelas, não nos cansam os ouvidos e foi um prazer vê-los pela primeira vez ao vivo. Estava feito o melhor concerto português do NOS Primavera Sound até então.


De seguida chegava a vez dos chilenos FÖLLAKZOID; o space-rock é, e sempre será, um género muito peculiar quando retratado em palco. Se em estúdio for muito monótono, é quase certo que ao vivo o concerto não passará de uma chatice tremenda. Foi o que aconteceu aos chilenos, nunca conseguiram impor-se a acabaram por dar-nos um concerto bastante cansativo e desinteressante. É um pouco como fazer sexo aos 60 anos; o primeiro minuto é bom, mas depois ficamos todos partidos. Ah, e atenção: gosto de Föllakzoid. Depois dos chilenos, os míticos TELEVISION a interpretarem o não menos mítico Marquee Moon na íntegra. A coisa, contrariamente ao que se passou no ano passado quando as The Breeders interpretaram Last Splash, não correu propriamente de feição à lendária banda britânica. As quatro décadas de carreira já pesam, a idade já se sente, já não existe tanto fôlego nem tanta rapidez no tratamento das guitarras e a verdade é que não os podemos criticar por isso; depois de um concerto morninho, veio a sua grande salvação: “Marquee Moon” foi cantada em uníssono, dançada em demasia e a sua guitarra foi dedilhada por todos quanto a tinham na sua imaginação.

Chegava a hora dos SLOWDIVE, chega a hora daquele que viria a ser um dos melhores concertos do NOS Primavera Sound. Falar dos Slowdive sem falar nos marcos que se foram estabelecendo na história do shoegaze peca por escassez de conteúdos; num certo dia, uma banda chamada A.R. Kane que, na altura, dizia só estar a tentar fazer música pop diferente, conferiu parte das ideias que posteriormente seriam baptizadas de shoegaze. A infinidade de pedais, o imenso tempo que os guitarristas das bandas deste género passavam a olhar para o chão durante os concertos e as potentes muralhas de distorção rebentaram quando nasceram os My Bloody Valentine (que, de resto, estiveram pelo Parque da Cidade em 2013), explodiram quando os MBV editaram Loveless, em 1991. As semelhanças entre os SLOWDIVE e os My Bloody Valentine são imensas, mas o facto é que a sua essência é completamente diferente; enquanto os MBV são muito mais ruidosos e extremistas (sob o espectro das muralhas de distorção que aplicam em cada uma das suas canções), os SLOWDIVE soam como uma banda mais preocupada com a beleza das suas canções, uma banda mais acessível perante o leque shoegaze que nos avassalou durante os anos 90 (e é claro que as influências folk que surgem em canções como “Some Velvet Morning” ou “Here She Comes” revelam apenas mais uma dessas acessibilidades). 


É claro que não estava com tanto palrar se o concerto de uma banda que esteve fora do mundo por mais e década e meia (voltaram agora) tivesse sido tão estrondoso; depois de dar as boas noites à plateia com um piscar de olho a Brian Eno, os ingleses lançaram-se aos seus discos de estúdio com especial ênfase, claro, para Souvlaki, de 1993. Daí retiraram temas marcantes como “When the Sun Hits”, “Machine Gun” ou a impensável (já que não a tinham tocado nos seus poucos concertos anteriores) “Alison”. Havia lágrimas por toda a parte, mas não eram lágrimas de contraste com a beleza dos ingleses, eram lágrimas de quem estava a ter uma oportunidade única de assistir a um concerto estrondoso por parte de uma banda que, a par dos já referidos, My Bloody Valentine, marcou mais do que uma geração. Terminaram o concerto com uma cover de “Golden Hair” da autoria de Syd Barrett, que podia perfeitamente ser dedicada ao cabelo de Rachel. 


Os senhores que vieram a seguir dispensam apresentações; os GODSPEED YOU! BLACK EMPEROR são canadianos e na esfera do post-rock quase nada se aproximou da discografia que têm vindo a construir desde a metade final da década de 90. Activistas por natureza, clamam incessantemente por #HOPE através das múltiplas projecções que se estendem pelo palco ATP. São especiais e espaciais: a orquestra que Efrim, o principal membro da banda, coordena move-se constantemente, não há posições fixas em palco. Não nos trazem meras músicas de seiva cinematográfica, trazem-nos apenas um argumento para cada um de nós o podermos desenvolver num filme se passará nas nossas cabeças. Uma dezena de minutos num drone persuasivo; o choque estava dado, as apresentações estavam feitas e nem mesmo o ruído que saía do palco ao palco, onde os Pixies pareciam confirmar a sua decadência cada vez impediam que depois da avalanche de “Mladic”, outrora “Albanion”, ou de um dos movimentos da mítica “Storm”, “Moya” e a sua delicadeza se fizessem ecoar pelo manto verde ao redor do palco ATP. Contrariamente ao que se pode pensar, pouca coisa nasce pelo improviso; a complexidade dos GY!BE trata de se explicar em palco embora, a averiguar pelo concerto de há dois anos no Amplifest, cada experiência de vê-los ao vivo seja diferente. Encerram um concerto do outro mundo ao som de “Behemoth” ao mesmo tempo que a certeza de que são uma das bandas mais especiais de sempre em qualquer espectro musical se ia incrassando nas nossas cabeças. Ámen, God.


Depois dos canadianos, uma escolha delicada: MOGWAI ou DARKSIDE. Começámos por ver o início do concerto dos escoceses; Juntamente com os Godspeed, embora numa perspetiva completamente diferente, os MOGWAI são uma das bandas responsáveis pela consolidação do pós-roque instrumental enquanto género musical. A sua maior obra, Young Team, de 1997, foi um dos principais marcos da música instrumental e foi, sobretudo, a partir desse disco que nasceram bandas como os Explosions In The Sky. Ao mesmo tempo que deram uma nova visão à música instrumental, acabaram por conduzi-la à monotonia dos crescendos e à previsibilidade. Não é necessário dizer que não foi por culpa própria, mas os ecos dos grandes produzidos pelos pequenos jamais se conseguem agigantar e chegar às dimensões dos seus reais progenitores. Ver Mogwai em 2014 não é nenhum erro, a parte do concerto que vimos confirmou-o.  Depois do piscar de olho às texturas electrónicas, Rave Tapes, disco editado no presente ano, marcou definitivamente o abraço dos escoceses à música electrónica e o seu consequente abandono do esqueleto de canções típico. Alguns clássicos nos instantes iniciais (“White Noise”, “I’m Jim Morrison, I’m Dead” ou “Rano Pano”) e, claro, algumas canções do seu novo álbum foi o que pudemos ouvir antes de rumar à tenda Pitchfork, onde os Darkside prometiam fazer um festão imenso.


Viajar de Mogwai para DARKSIDE foi o equivalente a dar uma volta de 180 graus; não por questões qualitativas, é claro, mas porque se as habitué ambiências de guitarra dos escoceses invocavam, de uma certa maneira, à meditação, a dupla norte-americana constituída por Nicolas Jaar e Dave Harrington estava, literalmente, a meter toda a gente a dançar. Apenas ainda com um disco de originais, Psychic (2013), os Darkside têm vindo a afirmar-se como caso sério na cena electrónica mundial. Se em estúdio o seu som já prima pela alta “dançabilidade” que transporta, em palco a festa é ainda maior. O ritmo é mais acelerado, o jogo de luzes que se faz ao longo do concerto é soberbo, a mixórdia entre a mesa electrónica e a guitarra continua a resultar de uma forma estrondosa e as pessoas não conseguem estar quietas. A tenda Pitchfork, completamente lotada, pareceu ser demasiado pequena para a festa e a quantidade de pessoas que vibraram com a dupla. O concerto desenlaçou-se ao som da exótica “Metatron”.

Há algo que as três edições da versão portuguesa do Primavera Sound partilham: uma menor atenção à música electrónica no cômputo geral do cartaz. Se só por aqui a presença de TODD TERJE, mesmo que tenha sido já a fechar o dia, já despertava muita curiosidade, juntemos-lhe todo o seu vasto trabalho de quase uma década, com destaque para um disco de estreia fresco como “It’s Album Time”.  A glutonaria synth-pop-disco-house-techno de Terje Olsen foge muito para além da IPO de “Strandbar” e do “Inspector Norse”, não pesa mais ao vivo do que um computador portátil e um sintetizador e ganha profundidade em vários momentos (de composição, de ritmos, …) de pormenores inebriantes, tantas vezes tão kitsch, outras vezes superficiais o suficiente para cada um fazer de tudo isto aquilo que quiser num determinado momento sem ressentimentos. Foi precisamente esse espectáculo de excepção que ficou para todos apreciarem, uma verdadeira bomba de estafa física e emulação/limpeza cerebral para uma comunidade festivaleira que não cede sempre de uma forma tão pronta ao hype, aqui solidamente sublinhado a qualidade. Pode não parecer, mas estaria aqui, tal como nos Cloud Nothings, um dos momentos mais festivaleiros destes dias quando falamos de reunião e fruição. A festa continuou, para aqueles que ainda tinha fôlego (não foi o nosso caso), ao som de Bicep.

Texto por Emanuel Graça / Todd Terje por André Gomes de Abreu
Fotografia cedida pela organização (créditos: Hugo Lima)





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