terça-feira, 4 de março de 2014

NOISERV @ CENTRO CULTURAL DE ÍLHAVO, 20/02/2014



Desde 2008 que Ílhavo tem conseguido competir com a capital de distrito que é Aveiro ao nível da criação de eventos culturais, particularmente no que toca a anunciar artistas nacionais do ramo da música. E foi com Noiserv, homem só e multi-instrumentalista, que a agenda de fevereiro do Centro Cultural da cidade encerrou na passada sexta-feira.

Numa sala onde é impossível não saltar à vista um palco tão agradável e bem desenhado (até o artista o fez questão de referir), destacavam-se caras jovens numa população que tem vindo a ver o seu índice de envelhecimento aumentar. Será esta a prova de que um espaço cultural pode constituir o modernizado mercado que antigamente ocupava exatamente o mesmo local e onde agora, em vez de legumes, se compra juventude? Bom, adiante.



Foi neste contexto que o projeto Noiserv, personificado por David Santos, subiu a palco auxiliado por Diana Mascarenhas. E desde logo se compreendeu que mais que um mero concerto, seria essa noite um evento de verdadeiro entretenimento onde choveria conteúdo musical ao sabor das capacidades ilustrativas de Diana, que projetava a sua tela eletrónica dividida em seis quadrantes por trás de David. Imagem essa que se começou a compor mal se ouviu “Mr. Caroussel”, retirada do EP “A day in the day of the days”.

E se por trás do maestro dos mil instrumentos começava a surgir depois da primeira música alguma cor numa urbanização que a ilustradora nos ia revelando, “This is maybe the place where trains are going to sleep at night” permitia que as duas ações que se passavam no palco se relacionassem entre si através da progressão crescente da própria música. Apesar da questão sobre se o artista alguma vez pensou a fundo sobre como se processaria a ligação entre dois pontos de criação diferentes no mesmo palco, mais interessante ainda é constatar a subjetividade inerente à interpretação do espetador. Melhor ainda é só mesmo observar a plateia que compunha a sala do Centro Cultural de Ílhavo deixar-se levar por esta espécie de transe que paira entre elementos visuais compostos ao embalar da melodia.


Alternando faixas antigas com as frescas de “Almost Visible Orchestra”, o mais recente álbum, Noiserv não deixava escapar dois dedos de conversa com o público. Se este rapaz é talentoso ao nível musical, não deixa igualmente de ser um ótimo contador de histórias. Para a plateia contou segredos sobre o por quê deste e daquele tema, enquanto ia revelando algumas superstições que o costumam acompanhar. E, assim, entre a homenagem a Francisco Lázaro em “It’s easy to be a marathoner even if you are a carpenter” onde encaixa uma espécie de síndrome carpe diem sonhador adotado pelo próprio David, ia na mesma conversa e quase de modo paradoxal confessando que já lá vai algum tempo a tocar com a mesma palheta e se algum dia a perder, tudo poderá correr mal. É caso para dizer que a humildade revelada nas suas letras e melodias não se trata de fachada, mas antes algo tão natural como o seu “Obrigado, a sério” após um “Genial!” lançado por um elemento do público em aparente estado de catarse.

Foi já sem Diana Mascarenhas em palco que o artista voltou para brindar o público ilhavense com o encore. Mais importante que a volta foi a forma como deixou o público envolver-se na própria dinâmica do espetáculo, e mesmo não se lembrando onde a guardou na memória, lá foi ensaiando a “Where is my mind” após o pedido para que tocasse a cover dos Pixies.



Como que deixando no ar o toque etéreo que a voz altifalante de “Bontempi” revela, David recebeu o último aplauso caloroso de uma sala quase cheia. É, de facto, notável quando menos de um mês depois de um concerto a pouco mais de cinco quilómetros de distância o músico voltou a encher a plateia. Disse ele que a gente do norte faz as coisas acontecerem. Nós concluímos que é David quem permite à gente do norte fazer acontecer, e desta vez também a pequena cidade de Ílhavo provou pertencer a esse clã que tão bem recebe quem melhores cartas dá na música em Portugal.



João Gil
Fotografia por Rodolfo Rodrigues




1 comentários:

Anónimo disse...

Grande concerto...

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