terça-feira, 3 de dezembro de 2013

FILHO DA MÃE - "CABEÇA" (2013, Ed. Autor)

Título: Cabeça
Edição: Ed. Autor
Classificação: 7.3/10

As paredes do Convento da Saudação, em Montemor-o-Novo, foram as primeiras a descobrir os acordes guardados no génio de Rui Carvalho, que interpretou pela segunda vez o talento de Filho da Mãe. Depois de Palácio, primeiro álbum que trouxe à tona a faceta que o músico não tinha ainda demonstrado em projetos como If Lucy Fell, Cabeça continua a aventura no instrumental.

O registo do autor, aquele que encontramos no seu primeiro trabalho, está lá. É inquestionável a sua técnica em moldar a guitarra ao corpo. Há novamente o embalo da melodia, sobretudo com uma dança entre velocidades e mudanças de sonoridade que de repente tomam toda a forma e sentido de se descobrirem numa só música. Mas não, essa não é a novidade de Cabeça. Ou melhor, as novidades.




Mesmo para quem nunca esteve no tal Convento da Saudação, contextualizar Terra Feita como o início de uma narrativa que começa com a “voz” de alguém num determinado espaço é algo que acontece à primeira partida e de modo inconsciente. Não Te Mexas abre o baralho a essa narrativa e responde com velocidade e astúcia no dedilhado, enquanto Cerca De Abelhas vai picando com pequenas notas que se vão repetindo ao longo dos quase três minutos. É após esse momento que surge Caminho De Pregos, a faixa com o refrão que, tal como os pregos gravados nos pés, fica gravado na memória.

Já se falou como o local da gravação tem extrema importância, mas o seu modo de execução, assim como o seu tratamento, afeta igualmente a dinâmica de um disco. É aí que entram Um Bipolar e Um Bipolar Dois. Já por si só a existência de duas canções que querem estar numa só poderia de certo modo quebrar o álbum em duas personalidades distintas, ou então torná-lo exatamente no contrário, na unidade que pretende ser, apesar da transformação que vai ocorrendo ao longo das doze faixas.

No entanto, a parte que mais interessa tomar atenção nesta constante bipolar e também ao longo de Cabeça é a forma quase crua como são expostos alguns detalhes que neste caso em concreto são mais fáceis de descobrir, e que estão então relacionados com o tratamento do registo áudio. Entre eles está a respiração de Filho da Mãe, ou o pousar da guitarra e o arrastar da cadeira, que permitem ao ouvinte o tal processo de construção audiovisual que o álbum sugere. É quase como se o autor quisesse transportar o próprio espetador para uma realidade que ele controla com vários temas em guitarra.



E se até Mali provisório todas as temáticas envolviam imagens mentais mais ou menos construídas a partir de cenários abstratos, ou pelo menos encaminhavam a tal, Cabeça e Um Monge Às Costas partem para aquilo que se adivinha como o final que racionaliza essas imagens com um ar pragmático adivinhado no toque em crescendo entre a oitava e a décima faixa. De facto, carregar o monge é carregar a cabeça que traz a sabedoria, essa que pode permitir aplicar o tal pensamento abstrato na objetividade de um Quadro Branco, o mesmo que acalma a imensa intensidade dessas duas melodias (ou serão ideias?).

Mas não me esqueci de Improviso De Naperon. Quatro minutos e meio colocados entre Cabeça e Um Monge Às Costas a gelar-lhes a força referida anteriormente com pequenos toques subtis que fazem lembrar a sua intensidade crescente mas logo desvanecem. É talvez aquela que classifico como a mais bem conseguida de todas as doze e que, ironicamente, quebra todo o ritmo referido anteriormente de forma quase provocadora para o ouvido.

É então que retomamos ao propósito do segundo parágrafo. Cabeça traz não apenas o que Filho da Mãe já tinha demonstrado saber fazer em relação ao que de música se trata, mas também uma forte componente de contextualização desta mesma, um trabalho acrescido em dificuldade quando não existem palavras a ajudar. Resultado positivo a um trabalho concluído sem grandes alaridos nem destaque principal, mas também sem demónios e com muita classe.

João Gil




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