segunda-feira, 4 de novembro de 2013

A MÚSICA DA SEMANA - ENTREVISTA

É já hábito termos com a cortesia do projecto A Música da Semana uma música para nos guiar durante 7 dias à espera de uma nova canção. É já também hábito contarmos com pequenos textos que resumem a criação e o resultado final de cada tema produzido. Numa altura em que poucas semanas restam até ao final do ano, procurámos obter junto de Hélio Rafael Soares e Manuel Molarinho, figuras-chave de A Música da Semana, outras respostas e outras considerações.



BandCom (BC): Como é que surge a ideia e a oportunidade de se juntarem em redor deste projecto?

Hélio Rafael Soares (HRS): Eu e o Manuel Molarinho conhecemo-nos no final de 2012, andava ele em tour com O Manipulador. Percebi que tínhamos pontos de interesse comuns e pontos de complementaridade em termos musicais. O Manuel propôs que começássemos uma banda; eu enviei-lhe uma mensagem de telemóvel a sugerir que como exercício de composição fizéssemos uma música por semana. Criada uma conta no Bandcamp e outra no Facebook, partimos para este projeto.

Manuel Molarinho (MM): A Música da Semana é uma resolução de Ano Novo. Foi um desafio que o Hélio me lançou no primeiro dia do ano e que aceitei. Tínhamo-nos conhecido há uns meses e, nas primeiras vezes que nos juntámos para fazer música, percebemos que partilhávamos a vontade de dar vida às muitas ideias para músicas que nos passavam pela cabeça no dia a dia e que na maior parte das vezes são esquecidas. Um exercício desta natureza obrigava-nos a pegar nessas ideias, explorá-las e dar-lhes um princípio, meio e fim. Foi uma maneira que encontrámos para não as deixar morrer.


BC: Quão grande tem sido o desafio para vós quanto ao lançamento de uma nova canção todos os Domingos?

HRS: Nas primeiras semanas tínhamos mais tempo para nos encontrar, mas mais dificuldade em orientar a atenção numa ideia. Agora, apesar de menos tempo semanal para “a música da semana”, somos muito mais objetivos. Pelo meio, sempre que não há a possibilidade de nos encontrarmos fisicamente, partilhamos ideias pela internet; e a cada domingo, de uma forma ou de outra, há uma música nova e original.

MM: Tem sido um grande desafio por vários factores, sendo o tempo o mais preponderante. Cada música envolve compor, ensaiar, gravar e dar uma mistura mínima e isso leva tempo, por muito tosca que seja a captação e a mistura. Ter conseguido até hoje lançar uma música todos os domingos significou muitas alterações na nossa rotina e muita abdicação de tempo livre. Para mais temos ambos muitos outros projectos e afazeres e muitas vezes tivemos de elaborar um plano para cumprir a meta. Por exemplo entre Fevereiro e Março estive em tour com O Manipulador e antes de a começar houve necessidade de fazer várias músicas para compensar as semanas que não iríamos estar juntos. Para ajudar à festa, se no início do ano estávamos a viver a 5/10 minutos um do outro, a meio do ano mudei-me e passámos a estar a quase uma hora de distância.
Mas tem sido um desafio por outras razões também. Pessoalmente, sobretudo no início, custou-me a necessidade de ter de ter uma música feita todas as semanas porque me sentia a trivializar o acto de fazer música. Apesar de termos sempre olhado para A Música da Semana como um exercício e nunca como uma banda, não foi muito leve para mim conseguir aceitar a possibilidade de deixar terminada uma música que eu podia achar má porque não tinha tido tempo para pensá-la ou deixá-la maturar nem para captá-la e misturá-la em condições. Ainda para mais tínhamos decidido que era boa ideia tornar o projecto público para nos obrigar mesmo a cumpri-lo e isso significou uma dose adicional de ansiedade mas que com o tempo se tornou menor.


BC: Como descrevem esta experiência até agora para um leitor ou mesmo um músico que vos esteja a ler? Há algum ponto de referência, musicalmente falando, naquilo a que se propuseram?

HRS: Não tenho nenhuma referência musical que não seja a livre experimentação e o estabelecimento assumido de metas que, na minha opinião, são um enorme impulso à criação.
A experiência, apesar de por vezes ser desgastante, tem sido extremamente enriquecedora tanto a nível musical como a nível pessoal.

MM: Não existiu linha estética pensada nem ponto de referência para este projecto. Limitámo-nos a tocar coisas que compúnhamos quando estávamos juntos ou que trazíamos de casa e que achámos interessantes. É essencialmente um exercício de criatividade e uma experiência extremamamente enriquecedora que nos fez questionar muitas convenções e convicções pessoais ao obrigar-nos a fazer música de uma forma a que não estávamos, de todo, habituados.


BC: A nível pessoal, sentem que houve também um desenvolvimento?

HRS: Sim, aconteceu muito desenvolvimento pessoal; pelo menos pela tomada de consciência de que somos capazes de fazer algo a que nos propusemos – umas vezes melhor e outras vezes pior, é natural. Isto é verdade a nível da composição e da produção musical, mas penso que se pode extrapolar para qualquer outra área.

MM: Sem dúvida. Posso dizer que A Música da Semana me ajudou em muitas coisas. Desde logo obrigou-me a tocar quase diariamente e a compor e misturar semanalmente. Depois, forçou-me a relativizar e ultrapassar uma série de dificuldades que noutro projecto levariam muitas vezes à inacção e que aqui tiveram uma resposta imediata. Para além disso a aceitação e confiança nos meus instintos musicais é hoje muito maior.


BC: Seria mais fácil gravar um disco (com um prazo definido para o seu lançamento, etc.) do que produzir cada canção, em cada semana? 

HRS: Não tenho termo de comparação; nunca estive envolvido na gravação de um disco.


MM: São coisas muito diferentes, não acho possível comparar a dificuldade entre elas.
Acho que dependerá muito de cada pessoa. 



BC: Têm alguma canção que recordem em particular por alguma história, alguma curiosidade?

HRS: Gosto muito da música da 9ª semana “Antes de Anoitecer”, não por alguma história ou curiosidade em particular; apenas pelo significado: duas pessoas, duas guitarras, dois acordes, uma melodia e um bule de chá.
Recordo também as “saídas de campo” – gravações na Serra da Freita e no Parque Municipal de Vale de Cambra; assim como as colaborações que adoraríamos que tivessem sido em maior número, mas o tempo disponível não o tem permitido.

MM: Lembro-me desde logo de uma que fizemos ("Foi o Fantasma", semana 22) em que decidimos usar e gravar tudo o que fizesse barulho e não fosse um instrumento musical no estúdio. A certa altura tínhamos dezenas de barulho diferentes e não sabíamos o que fazer com aquilo, então, a solução que arranjámos foi dar nomes aos sons, ou de personagens, ou de objectos ou de paisagens e contar uma história. A ordem pela qual os objectos personagens e paisagens apareciam na história passou a ser a ordem pela qual os sons correspondentes apareciam na música. 
Também me lembro bem da música da 3ª semana ("Antes Cowboy que Toureiro") por outras razões. Foi a primeira vez que abrimos o projecto a outras pessoas, neste caso ao Paulo (que tem sido um crónico repetente) com quem entretanto formámos os Madrasta. 


madrasta - outono em pequim | live | 2013 from sem costas on Vimeo.


BC: Esta caminhada tem influenciado também os projectos musicais em que já se encontravam?

HRS: Sim, tocar e compor mais influencia obrigatoriamente a nossa forma de tocar e compor, mesmo que inconscientemente.


MM: Indirectamente sim, pelas razões que mencionei antes. Toco e componho mais vezes o que me ajuda nos outros projectos e, sobretudo, relativizo um pouco mais as dificuldades na criação. Vou-me apercebendo que posso dar importância e levar a sério fazer música sem ter de lhe dar um peso excessivo, que quando estou no estúdio não estou a salvar vidas, estou a fazer música. Retirar-lhe esse peso não diminui a importância que a música tem na minha vida, antes ajuda-me a ter um gozo redobrado.


BC: Temos visto nos últimos tempos artistas como os Ash e os Smashing Pumpkins (falando de casos mais conhecidos) a tentar fugir aos álbuns e a centrarem-se nas canções e em formatos de edição alternativos, muito embora o reconhecimento do revitalizar do seu trabalho só tenha surgido quanto regressaram ao formato CD tradicional. Estamos prontos – público e indústria – para sairmos cada vez mais dos formatos convencionais de novas edições?

HRS: Por muito que me custe admitir, reconheço que grande parte dos ouvintes perdeu o interesse em perceber um álbum como uma peça de arte única na sua totalidade. É algo com que os músicos podem ficar chateados ou a que se podem adaptar, se assim entenderem. Prefiro a edição física e palpável; contudo, não sou purista ao ponto de desvalorizar os formatos exclusivamente digitais.

MM: Só posso responder por mim. A maneira que mais gosto de ouvir música é ouvindo álbuns e EPs. Não percebo como funciona a indústria nem o público e, neste caso, A Música da Semana não é uma procura de um formato alternativo de edição. É um mero exercício de estimulação de criatividade cujos resultados decidimos partilhar com outras pessoas. 


BC: Já têm ideias para as próximas canções?

HRS: A grande maioria das ideias para músicas surgem no momento em que nos juntamos para as fazer; e não vejo nada de mal nisso.

MM: Por acaso sim. Temos uma música já feita para a semana que vem que temos só de regravar porque teve uns problemas na captação. Mas a norma tem sido compor semana a semana e deixar aparecer a ideia quando nos encontramos.


BC: Com o passar do tempo, sentem que o objectivo de chegar ao final do ano com 52 canções novas está mais facilitado? Ou pelo contrário, os últimos metros de uma maratona como esta são mesmo os mais difíceis de terminar?

HRS: Uma das premissas deste projeto foi não pensar em 52 músicas a fazer, mas em fazer um exercício de composição em cada semana; isto retira-nos imensa pressão. Claro que estaria a mentir se não pensasse “já fizemos x músicas” ou “faltam y músicas para acabar o ano”, mas mudando a visão para apenas esta semana as coisas ficam mais fáceis de encarar. 
A dificuldade tem sido semelhante; penso até que, pelo maior entendimento musical que fomos estabelecendo, é mais fácil comunicar e atingir o objetivo nesta fase final.

MM: Acho que se tem facilitado, apesar de termos menos tempo agora. Quando começámos havia mais motivação porque era o início mas também havia muita incerteza na capacidade para levar isto até ao fim e na verdadeira utilidade do projecto. Agora que estamos na fase final, que conheço melhor o Hélio pessoal e musicalmente e que vejo as muitas coisas boas que a experiência me tem trazido, sinto-me sempre seguro que vai correr tudo bem. Se calhar é excesso de confiança e o último obstáculo é o que nos vai derrubar.

BC: Com o final do ano, isto significa também que o projecto termina? Tencionam passá-lo também para o palco?

HRS: O objetivo do projeto era lançar uma música em cada domingo de 2013, pelo que será alcançado no último domingo deste ano. Todas as músicas continuarão vivas; teria muita pena se não as visse a serem partilhadas de outra forma. Já falamos várias vezes na possibilidade de tocarmos algumas das músicas ao vivo. Contudo, são bastante díspares e poderiam fazer sentido em mais de um projeto. Neste momento penso que é importante alcançar o objetivo principal d´”A Música Da Semana”; no futuro podemos sempre colocar novos objetivos.

MM: O projecto de fazer uma música por semana destina-se só a 2013. Mas isso não significa que o projecto termine. Reconhecemos dentro dele uma série de ideias que podem dar origem a novos projectos e a criação dos Madrasta é, de certa forma, um reflexo disso mesmo. 
Acho que ambos gostamos muito de muitas das músicas que fizemos com guitarras acústicas. Seria certamente interessante regravá-las e criar um projecto para elas. 
Também já falámos da possibilidade de apresentarmos todas as músicas da semana ao vivo numa série limitada de espectáculos, mas não sabemos até que ponto isso será interessante até porque significa um concerto de mais de 3 horas e requer bastante tempo para reaprendermos a tocar as músicas e para arranjar soluções para toda a disparidade de universos que explorámos neste ano. 
O futuro ainda é uma incógnita. Poderá passar mais por ver que projectos poderão sair de A Música da Semana do que por prolongar-lhe a vida com esse nome, mas não está decidido. Para já, e até ao fim do ano, estamos só focados no presente, repetindo a cada 7 dias um lema que o Hélio me disse no início: “Não temos de fazer 52 músicas, só temos de fazer uma esta semana”.



André Gomes de Abreu




0 comentários:

Enviar um comentário

Twitter Facebook More

 
Powered by Blogger | Printable Coupons