quinta-feira, 7 de março de 2013

MANUEL FÚRIA @ RITZ CLUBE, 22/2/2013 - REPORTAGEM





Lisboa, Ritz Clube. Parece pouco ortodoxo que Manuel Fúria grite incessantemente "Só quero ver Lisboa a arder" e menos ainda que não haja qualquer má reacção a esse facto. O público desta noite não é só fã e escusa-se a essa manifestação: aparenta sobretudo saber o que poderá esperar da ex-cabeça de Os Golpes. 

2013 vai mais ou menos curto, mais ou menos já avançado, mas poucos discos ainda soaram tão surpreendentes e coesos como "Manuel Fúria Contempla os Lírios do Campo". Todavia, a noite nem começa aqui, mas sim com o Almirante Ramos, à antiga, a introduzir as hostes a uma verdadeira celebração de um tempo que parece quase esquecido: o tempo do amor, do romance e da esperança. E muito menos musicalmente: "Nossa Senhora da Graça dos Degolados" ergue o marco de um longa-duração anterior, "As Aventuras do Homem-Arranha" (com destaque para a fantástica aparição de Samuel Úria numa "Lambada" falseteada), "Tarde Livre Parte III" é um regresso inquietante a Os Golpes, "Lugar da Cuca" traz Pedro de Tróia (de Os Capitães da Areia) a palco e "Sonhos de Menino" (sim, esse sucesso que conhecem) aparece perfeitamente definida como uma música que, até certo ponto, faz parte daquilo que Mr. Fúria (perdão, Sr.) persegue: transmitir algo mais do que um popular e oco bucolismo onírico e ser aquilo que se propõe ser enquanto artista que se presta a "pessoas" e não a "paredes vazias", como deixa escapar lá pelo meio do seu visível contentamento.



Feito o mais difícil, tomado de assalto o público, sucedem-se as canções do novo disco. "Procuro A Claridade" convida Tiago Cavaco (ou o artista anteriormente conhecido como Tiago Guillul) para a sublevação descontraída do mantra "procuro a liberdade mas respeito o mistério", disfarce feito de palavras para a abordagem "pop"-estilizada de um imaginário campestre que se dispõe transversalmente a tudo o que se ouve de Manuel Fúria e cuja incorporação nem sempre é totalmente admirada.





Os momentos altos da noite concentram-se pouco depois, com "Jogo do Sapo", inspirado no jogo tradicional e "A Tempestade", com a interpretação de Constança Archer (a substituir Madalena Sassetti, voz original no disco, a quem se dedicou este concerto) deliciosamente lancinante e inflamada (como a Lisboa que novamente se ouvia e queria ver), o suficiente para se recordar vozes raras e espontâneas, timbres invulgares de quem se deve ouvir com atenção como as lições de vida que os mais velhos dão desde a infância sem sabermos. "À Minha Alma" (de Os Velhos) é o calmo regato necessário a qualquer longa viagem como esta, onde Os Náufragos, suporte absolutamente precioso, encontram forças para regressar para os impulsos finais de "Os Lírios do Campo" (com Hélio Morais na bateria) e do single "Que Haja Festa Não Sei Onde", que teria mais tarde direito a repetição sem no entanto alcançar a alternância de texturas sonoras que o torna tão viciante. Seria, todavia, "Canção Para Casar Contigo" aquela que iria acordar a audiência para a perspectiva de um encore pedido com a entoação afinada dos coros da canção. 

"Guerra Civil" foi o inédito que alvoroçou o encore, terminado com mais um desejo dos vários deste espectáculo: "Que Haja Festa Não Sei Onde". 
Honesto, incisivo, incrivelmente progressista, definitivamente reconfortante.




André Gomes de Abreu
Fotografias por Ana Pereira
(galeria completa disponível 
em facebook.com/bandcom)




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