quarta-feira, 6 de março de 2013

Azevedo Silva - Monja Mihara (Absurdo/The Pentagon Recordings, 2012)



Se ouvem música, na sua verdadeira acepção, regularmente e ainda não sabem quem é Azevedo Silva, desculpem-me a pergunta, mas, que merda andam vocês a fazer da vossas vidas? Azevedo Silva é inequivocamente um dos maiores cantautores portugueses da sua geração; primeiro evidenciou o seu enorme potencial em Tartaruga, através da aliança entre a exploração de territórios que se ligavam intimamente ao folk mais clássico e de devaneios por caminhos tristes. Depois confirmou o seu potencial em Carrosel. Agora, ou melhor, no ano passado, cimentou a sua posição no panorama da canção nacional com Monja Mihara.


Azevedo Silva é um personagem com um perfil algo idiossincrático; radica-se na tristeza profunda para se expurgar. Estranho? Não, nas suas veias corre sangue luso. Portugal é um país triste. Terras lusas, terras do fado, terras de amargura e de esperança perdida. Terras de tristeza, terras de saudade, terras de gentes que batalharam contra adamastores e que partiram daqui sem rota. Terras de lágrimas e choros. Terras de lenços brancos a acenarem aos navios que partem e ao sangue que avermelha mares e que ilustra símbolo nacional. Hiperbolismos de lado, certo. E agora, como é que isto se relaciona com Monja Mihara?

A reposta surge óbvia: com nada, mas com tudo. O paradoxo não nasce propositado, nasce acidentalmente. Tal como o exercício poético de Azevedo Silva, que nasce pela experiência do dia-a-dia. Porém, não se pense que os arranjos líricos se brotam ao acaso; existe toda uma mestria à volta da forma como Azevedo Silva arruma as palavras. Arruma-as como até agora nos havia aclimado; distribui-as segundo as doutrinas mais soturnas, sempre com um pesar nostálgico lá patenteado: há fugas planeadas para sítios incertos, desejos de se esquivar do quotidiano que o consome num processo que parece ser inesgotável. Há demónios que o sufocam. No fundo, existe toda uma panóplia de vivências e experiências que o compelem àquilo que faz: o apaziguamento com a sua pessoa e com o seu mundo, mesmo que ambos sejam estropiados por si. Ironia das ironias? O Luís Azevedo Silva é, pelo que sei, um gajo com um sentido do humor do caralho (e por caralho entenda-se bom).

Se os retratos líricos se conservaram, o que dizer da sonoridade? Está inegavelmente diferente. Quão diferente? O suficiente para fazer deste Monja Mihara o melhor disco de Azevedo Silva até à data. Há mais barulho, há mais um piscar de olhos ao folk rock e, sobretudo, há a preocupação em explorar novos caminhos sonoros. Há também um chamariz ao funk folk, fruto da vontade que músicas como Demónios ou Sufoco nos dão de gingar. Mas que não nos deixemos enganar, é quando Azevedo Silva solta mais barulho que Monja Mihara se revela irremediavelmente mais interessante, pesado e belo. É em músicas como La Gacilly, Demónios, mas, sobretudo, Fadiga que Monja Mihara se revela mais intenso.

Porém, Monja Mihara também tem alguns defeitos: um deles, e talvez o mais grave, é a enorme discrepância que existe no registo. Existem muitas oscilações, quer qualitativas quer sonoras. E este facto é já um habitué nos registos de Azevedo Silva – urge mudar isto, porque os registos podem (ainda) ser melhores do que o que são. Do ponto de vista individual, devo referir que vejo em Mediocridade o ponto baixo do álbum.

Em compêndio, Monja Mihara cimenta Azevedo Silva como um dos cantautores mais hábeis e capazes da música nacional. A beleza com que o lisboeta despe a língua camoniana é absolutamente apaixonante e a sua crueza sentimental é aliada às palavras de uma maneira irreversivelmente tocante. A tudo isto, um ladeamento sonoro que se assume de um modo versátil. Se das coisas tristes se fazem e nascem obras destas, porquê apelidá-las de tristes? É só Portugal. Azevedo Silva é português. E D. Sebastião ainda não morreu, quem morreu foi a saudade. E o cansaço. E o sangue. E o mar. E, lá fora, juntos dos portos, os lenços brancos ainda continuam a acenar aos barcos que partem. Pois, então, choremos todos. Somos todos portugueses. Choremos com as nossas amarguras, porque as coisas tristes nunca serão outra coisa que não tristes.

Classificação final: 8.4/10

Emanuel Graça
 




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