quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

B Fachada - O Fim (Mbari, 2012)




A pop portuguesa precisava de um artista assim: foram alguns anos seguidos onde debitava ininterruptamente a sua veia artística marcada pela sua versatilidade, pela herdança popular e pelo seu estro poético absolutamente primoroso. Juntava-lhe música. Consoante a vontade de se apaziguar com a criação de hipotéticos horizontes, destilava aromas sonoros para encarnarem o esqueleto poético das suas criações. 2013 levou-o, mas deixou rasto e as suas pegadas ficaram cravadas no rochedo da canção nacional: Despediu-se com O Fim




Autointitulou-se como o Zappa Português, em Um Fim de Semana No Pónei Dourado, e manteve um ritmo de lançamentos imparável, fazendo jus a esse nome, durante mais de dois pares de anos, brindando-nos, em média, com dois discos por ano. Em 2009 lançou a promessa com o seu primeiro homónimo, em 2011 teve um seu ano d’ouro e já no ano passado cimentou, definitivamente, o seu lugar no seio da canção nacional. Esta podia ser, perfeitamente, uma pequena biografia de B Fachada, só que a olhar neste espectro, estamos a deixar escapar muita coisa que não convém:

Se há uma coisa que distingue e catapulta lá bem para cima dos demais o nome de Bernardo Fachada é o seu perfil estreita e perfeitamente idiossincrático que construiu ao longo de todo este tempo: o cantautor de Cascais renova-se musicalmente a cada registo que faz brotar cá para fora, impingindo sempre a sua vasta peculiaridade neles. Agarra-se às teclas e aos sintetizadores, banhando a ouro o foleiro, como fez com Criôlo (ler crítica aqui). Passeia-se com as guitarras ou pega em álbuns históricos da canção popular portuguesa para fazer as suas próprias interpretações desses mesmos marcos, como fez com Os Sobreviventes (ler crítica aqui), de Sérgio Godinho, e conferir-lhe/renovar-lhe a sua intemporalidade. Ousadia, reinvenção artística e mestria poética. Sempre foram essas as qualidades que mais se exsurgiram na caracterização musical de B Fachada. Não condeno quem resume B a isso, só que Fachada está longe de ser “simplesmente” isso:

Já alguém vos falou em fachadês? Certamente não, porque esse dialecto é falado por um único personagem. E só esse personagem lhe consegue avivar o conceito e dar-lhe vida na sua essência. E Fachada não fala, canta. Celebra-o exaustivamente. O Fachadês é a linguagem que B usa para se despir, cantando-a de peito e alma como se o amanhã estivesse por um fio, prestes a sucumbir à eternidade que tantos outros lhe querem roubar. Ninguém lhe é indiferente: odeia-se, simpatiza-se, gosta-se ou venera-se, mas é certo que o seu nome corre as bocas da canção portuguesa como o de poucos. Eu prefiro apenas dizer que a canção nacional nunca teve ninguém assim, não em termos de qualidade, mas em termos de essência, filosofia e ideologia artística. E pouca gente teve tanta astúcia e complanou as suas abordagens acercas de diferentes temáticas como B fez.

Certo, introdução feita. Bem ou mal. Certo é que não sabia como introduzir. Salvo seja. Bem, optemos por prosseguir com isto. Siga para o próximo passo. O próximo passo, curiosamente, é aquele que foi intitulado pelo próprio Bernardo como O Fim. O Fim assinala o quebrar de um ciclo e marca a, já prometida, sabática de um ano, onde o artista irá estar afastado dos estúdios e dos palcos. Este registo chegou-nos poucos dias depois dos seus concertos de despedida em Coimbra (ler reportagem aqui), Porto e Lisboa, vendo a luz do dia a 27 de Dezembro de 2012.

São seis músicas e tudo começa com uma Boa Nova, que salienta, desde logo, a baixa fidelidade com que foi gravado o registo. “Põe-te em sentido, o chefe do partido vai passar”. É este o primeiro verso do livro d’O Fim. O aviso é dado e, prontamente, acatado: o chefe do partido é B Fachada. B passa, e passa bem: a primeira música do registo é um mimo, que exponencia a simplicidade como a sua maior virtude. Acordes temporizados, de braguesa electrificada ao peito, ritmados pela língua afiada que cospe lirismos briosos, e que se emolduram nos nossos ouvidos, fazendo-nos sentir parte integrante da atmosfera criada ali, naquele momento, naquela verso, naquela palavra.

A atmosfera intimista é a mesma que se vive nas restantes cinco faixas, mas uma vezes funciona melhor do que outras: Amor de Mãe convida a mexer o pescoço e faz sobressair traços de Zeca Afonso ou António Variações, bem vincados pelos “kiririri” que são cantados ininterruptamente, mas acaba por se revelar menos interessante que a canção anterior. Outro exemplo onde esta simbiose entre a produção e a música de B acaba por não resultar tão bem é Mana, a mais gingona dos três pares de canções que recheiam o EP e que acaba por ser a faixa que menos aprecio d’O Fim. Este é, porém, o único defeito a apontar a O Fim: a disparidade entre as músicas que o constituem e que resultam em alguma falta de consistência.

Inversamente, e apontando para os aspectos positivos do registo, podemos dizer muita, muita coisa: B Fachada sempre foi sublime no arrumo das palavras, mas nunca o conseguiu – e metendo Deus, Pátria e Família à parte – ser tanto como é aqui. Outra das coisas que mais é do meu agrado, é o seu regresso às origens: tão bem que fica a braguesa ao peito de Bernardo. Pode não ser exímio na arte de tocar guitarra, e ele bem sabe disso como, de resto, já o referiu por inúmeras vezes, mas a maneira como os seus acordes simples se alojam e ambientam nas suas métricas aguçadas é irremediavelmente bela.

Por outro lado, neste novo registo de B Fachada encontramos três autênticas pérolas; umas mais cintilantes, exuberantes e que faíscam mais beleza melódica do que outras, outras onde é necessário exumá-las, perfurá-las e convergir com a sua mensagem para ter uma percepção realística, ou não (pois “já o outro combatia a fantasia de falhar”), daquilo que escondem por debaixo do seu véu. Falo da beleza instantânea de Boa Nova e Fado e do maior tesouro aninhando em O Fim, a, já certa no meu pódio das músicas de B, Mano.

Em suma, B Fachada despediu-se para o seu ano da sabática com O Fim, um disco em formato de EP onde Fachada reencarna os seus tempos mais primórdios; de braguesa ao peito, mesmo sendo electrificada, tal e qual a sua vasta quantidade de seguidores mais deseja. O regresso, que transportava consigo uma mensagem de despedida, deu-se de uma maneira inegavelmente primorosa e a produção lo-fi ajudou, porque a sua música nada mais é que uma aproximação dos que a ouvem e, sobretudo, a sentem; é bom sentirmo-nos parte do esqueleto sonoro, é bom alojarmo-nos nos arranjos líricos inolvidáveis com que o estro de B nos vai abrasando os sentidos, mas melhor ainda é isso tudo numa simbiose perfeita a vestir-se cuidadosamente nos nossos ouvidos. Um dos melhores registos de B Fachada até à data, mesmo que seja perfeitamente imperfeito. O fim que jamais será o fim porque a intemporalidade nunca acaba, nunca se esvai nem nunca deixará que as palavras morram, desapareçam ou acabem.2013 sem B Fachada? Sem mais pátria para queimar, resta o mundo para viver. Certamente sairei mais à rua. Até para o ano, B, vamos ter saudades.

Classificação final: 8.8/10



Agradecimentos à musa inspiradora Andreia Vilarinho e ao Mantino Costa, pela inspiração que o bigode dele me deu para escrever.
Emanuel Graça
 




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