quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Noites Ritual 2012 - REPORTAGEM



Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. A vigésima edição do Noites Ritual realçou uma filosofia divergente daquelas que tinham acompanhado o festival em edições precedentes. Se em edições anteriores, o evento tinha optado por nos mostrar novos ares do panorama musical nacional, com uma maior oferta de bandas, a edição deste ano optou por preencher um cartaz reduzido a quatro bandas já moderadamente consagradas a nível nacional. A juntar ao cartaz, estiveram inúmeras actividades espalhadas pelo Porto, com destaque para o Hard Club, que esteve inundado de workshops que foram conseguindo captar a atenção dos mais curiosos.


O tempo foi passando, e era hora do Palácio do Cristal abrir as portas para se fazer cumprir o mui aguardado ritual pela vigésima vez. O BandCom chegou ao recinto já perto da hora do início do concerto dos Dead Combo, mas com tempo suficiente para se aconchegar à beleza do ínclito Palácio do Cristal ao som das batidas dos Ecosons, grupo de percussão a quem coube a difícil tarefa de entreter milhares de pessoas enquanto a dupla Tó TripsPedro Gonçalves se preparava para subir ao palco do Noites Ritual pela primeira vez. Os Ecosons por ali desfilaram com os seus tambores, mas nunca ninguém quis saber, apesar de toda a destreza que o grupo demonstrava. O recinto estava longe, àquela hora, de ter o público que merecia ter, mas, convenhamos que, além de se tratar de um dia da semana, o concerto da banda lisboeta estava agendado para uma hora pouco convidativa, muito em cima da hora de jantar.



Pouco passava das vinte e duas horas, quando chegava o tão aguardado momento: os Dead Combo subiam ao palco onde se iria fazer cumprir o ritual. De rajada, chega-nos a quentura de Rumbero, retirada do álbum Vol. 1. A empatia foi imediata e o público demonstrou-se, desde cedo, disponível a prestar culto àquela que é uma das bandas portuguesas do momento. Seguiu-se uma Sopa de Cavalo Cansado para comburir as emoções e aguçar o apetite do público para o resto do espetáculo, uma saborosa e esplêndida entrada para um dos pratos principais do concerto dos Dead Combo: a Royal Orquestra das Caveiras. Foi já numa atmosfera envolvente que a orquestra foi acolhida. E mal chegaram, aromatizaram o clima com a nostalgia e a panóplia de ritmos africanos patenteada em Lisboa Mulata, fazendo-se soar a interessante Anadamastor. O concerto prosseguiu essencialmente ao som de Lusitânia Playboys, o álbum mais aclamado dos lisboetas. Fizeram-se tocar temas como Cuba 1970, Manobras de Maio ou Desert Diamonds até que Tó Trips nos anuncia que “vai interpretar um grande senhor” e toca Temptation, música do mítico Tom Waits, esboçando o primeiro ponto alto do concerto. Mas só mesmo esboçando, porque de seguida pinta-se o primeiro clímax do concerto da dupla. Traziam-nos toda a ousadia jazz da Lusitânia Playboys, com um saxofone a ser soprado incessantemente, com uns solos de guitarra (e não só) absolutamente irrepreensíveis, entre mais outras coisas. Tudo isto a convidar o público a mexer a perna e dar um pezinho de dança (eu confesso, não me contive). Até ao “fim” do concerto, tocaram-se mais temas de Lisboa Mulata: Blues de Tanga (com especial participação de um homem do blues: Paulo Furtado, quem mais poderia ser?) e Lisboa Mulata foram fazendo as delícias a milhares de pessoas. Despediram-se com a Marcha de Santo António, e com o jogo de luzes a anteceder um Encore. Saíram de palco e regressaram passados… bem, não consegui ter noção do tempo, pois a esta altura estava “revoltado contra o mundo” por não terem tocado a Esse Olhar Que Era Só Teu. Mas, quiçá, por intervenção divina (ou então não), a primeira música que os Dead Combo tocaram durante o encore foi mesmo Esse Olhar Que Era Só Teu. A nostalgia e a melancolia reinaram, por seis minutos, os ares do Porto e assistiu-se, na minha opinião, ao momento do festival. Embora nem todo o público tenha compactuado com a arte desta canção, este é um daqueles momentos capazes de penetrar no nosso peito e ir mussitar junto do nosso coração paletes de sentimentos e emoções, que cada ouvinte sente à sua maneira, através da sua liberdade poética. Memorável. Cacto e Malibu Fair foram as duas últimas músicas tocadas pelos Dead Combo. Apesar de se terem sentido saudades de alguns temas como, por exemplo, Eléctrica Cadente, de se terem deparado com algumas dificuldades técnicas ao nível do som e de resultarem francamente melhor numa atmosfera mais intimista, os Dead Combo rubricaram um belíssimo concerto e deixaram água na boca para o resto do festival.




Depois do concerto da dupla lisboeta, era hora dos festivaleiros irem recarregar energias: abasteciam-se com a habitual cerveja e com caipirinhas enquanto davam um passeio pela Concha Acústica, espécie de palco secundário do festival, onde estavam a actuar Cabaret Ritual do Meio Morto. Ou havia quem preferisse sentar-se ao pé do lago a recarregar as energias corporais, pois, de seguida, actuariam os vibrantes Wraygunn, banda liderada por Paulo Furtado (aka The Legendary Tiger Man). O tempo foi assim passando, sempre de copo na mão, até que a banda de Paulo Furtado chega ao palco do Noites Ritual.
Era já meia-noite quando o palco foi invadido pela ousadia e beleza das encantadoras Raquel Ralha e Selma Uamusse e pelo estilo peculiar de Paulo Furtado, e o recinto estava já bem mais composto que no concerto anterior. Esperava-se que a banda incidisse, ao longo do concerto, no seu mais recente disco ; o notável L’Art Brut. Mas a verdade, é que ao longo de cerca de uma hora e meia de concerto, a banda foi pulando entre os seus registos. Das colheitas mais antigas, fizeram-se tocar temas como Go-Go Dancer ou Love Letters From A Motherfucker, enquanto as novas colheitas serviram as delícias dos mais recentes fãs da banda. Sempre com uma nota bastante positiva, é de realçar o facto de Paulo Furtado ter dedicado uma música a “um grande senhor, que tanto já fez pela música portuguesa”, foi para o mítico Adolfo Luxúria Canibal que os Wraygunn tocaram Soul City Here We Go. Seguidamente, entoaram-se temas como I Betted All On You, um tema onde se ergueu o poder instrumental da banda, e Cheree, uma cover dos Suicide, onde Paulo Furtado esteve muitíssimo bem. O concerto cavalgava a um ritmo acelerado e a envolvência com o público era tremenda e este é um dos pontos que marcou a passagem da banda pelo ritual nortenho. Sempre com a boa-disposição a marcar pontos, Paulo Furtado chamou uma adolescente ao palco. O desafio era dançar, mas a rapariga só se ficou por dizer que se chamava Ana e que os amigos a tratavam por um nome especial. Bem, mas ninguém quer saber, porque Paulo Furtado tocou, seguidamente à fugaz passagem da “Ana”, Teenage Kicks, música original dos Undertones. E chamou mais jovens para cima do palco! E de repente, todo o palco dançava ao ritmo do Blues irrepreensível da banda do também The Legendary Tiger Man. Um dos momentos do concerto, sem dúvida. Contudo, o momento alto do concerto estava reservado para o fim. Foi num clima de pura histeria que Raquel Ralha e Selma Uamusse se aventuraram num crowd surfing e me fizerem bater com a cabeça contra a parede por não ter tido lugar na frente do concerto dos Wraygunn. Triste e pálido, lá me contive nas filas traseiras enquanto o público das filas dianteiras se rejubilava a olhar para cima, enquanto as vozes dos Wrayguun desfilavam por cima de si, de mão em mão, de braço em braço, de dedo em dedo. Enfim, tudo era válido, e tudo acabou com a Raquel Ralha a puxar o vestido para não acabar a noite despida. Foi ao som de All Night Long que a banda se despediu de um belo concerto, onde os ânimos estiveram elevados do início ao fim. Um show com nota bastante positiva e que, confesso, me surpreendeu. Terminava assim o primeiro dia do ritual e era hora carregar baterias para o dia seguinte, um dia onde iríamos encontrar Paus e A Naifa.




Era dia 1 de Setembro, Sábado, e era o dia onde se esperava que a afluência fosse maior, não pelas bandas em si, mas essencialmente por ser fim-de-semana. O BandCom chegou ao Palácio do Cristal “cedo”, com tempo suficiente para concluir que a o recinto estava bem mais preenchido àquela hora do que na noite anterior.




Era já hora d’os Paus subirem ao palco do Noites Ritual, naquele que era o concerto mais aguardado da edição do Ritual deste ano. Com um atraso de cerca de 20 minutos e com muita expectativa à mistura, foi num clima festivo que a banda de Hélio Morais, Quim Albergaria, João Shela e Makoto Yagyu pisou o palco Noites Ritual pela primeira vez. Sempre com o seu estilo bastante peculiar, lançaram-nos de imediato às feras com temas de É Uma Água, o primeiro EP da banda. Tocou-se Lupiter Deacon e a ligação com o público era imensa, com o público sempre a “ajudar” Hélio Morais no “Wow Wow Wow ; Nanaranana Nanaranana”. Com uma sonoridade simplesmente arrebatadora, os Paus provaram que são uma das melhores bandas portuguesas e que, acima de tudo, consegue suplantar-se ao vivo. E, bem, se em estúdio edificam o som que ouvimos, ao vivo… O concerto prossegui ao som de um Malhão, retirado do disco homónimo da banda e, logo de seguida, chegou o primeiro ponto alto do concerto com Deixa-me Ser. Sempre bastante interventivo, o público (das filas dianteiras) abraçou, aqui, a estreia de Paus no Noites Ritual com uma infinidade de palmas e ao cantar verso a verso esta canção. Seguidamente, foram tocados temas como Muito Mais Gente ou Ouve Só. A bateria siamesa era amplamente violada pelas batidas demoníacas de Hélio Morais e Quim, o baixo de Makoto era meneado com destreza e as teclas de Shela saltitavam sem parar. É atordoante a maneira como os Paus conseguem produzir um som tão intenso e dançante ao mesmo tempo, mas o facto é que conseguem e havia quem não resistisse a ficar um segundo quieto (ainda hoje estou às contas com o meu rico pescoço). Depois de tocarem Ouve Só, a bateria fica sem um dos seus filhos ; Quim Albergaria salta da bateria para o palco, pega no microfone e, completamente endiabrado, interpreta Descruzada, uma das minhas faixas favoritas da banda. Muito espalhafatoso (quer na voz quer na presença em palco), acaba por não conseguir uma interpretação com a qualidade esperada e desdoura um pouco o concerto da banda. Mas nada do outro mundo, porque havia mais de Paus para ouvirmos. Enquanto Hélio Morais bebia mais uma água das pedras e se acomodava para tocar a seguinte canção, um elemento do público grita desalmadamente por Ocre, que é, a meu ver, a melhor música dos Paus (sim, esse alguém fui eu), ao que a banda respondeu prontamente em Tronco Nu e, aí, assinalou-se o ponto alto do concerto. A faixa que serve de desenlace ao disco homónimo da banda foi entoada desde o início ao fim, pelo Porto inteiro (ok, vá… pelas filas dianteiras). A magia que se espalha desde a bateria siamesa é inesgotável e parece nunca querer-se esvair-se, e o público agradece. Pelo Pulso encerrou o concerto de Paus. Apesar de não terem tocado a música que mais (me) interessava, assinalaram o concerto desta edição do Noites Ritual e cimentaram-se como uma das melhores bandas portuguesas.



Era hora de repousar e “descansar” os ouvidos, dar um passeio até à Concha Acústica enquanto se empinavam umas jolas e se comiam umas bifanas. É custoso dizer, mas ninguém quis saber da Concha. Uma esmagadora parte das pessoas que compunham o recinto, aproveitavam este “intervalo entre os concertos” para colocar a conversa em dia ou para fazer um passeio pelo belo jardim do Palácio do Cristal. Mas particularidades à parte, o tempo não parava e aproximava-se a hora de A Naifa.





A Naifa foi a banda escolhida para fechar o Noites Ritual 2012. Tudo o que posso dizer acerca deste concerto, passará, certamente sempre ao lado, porque a poesia das suas músicas, a nostalgia e melancolia das suas composições fazem de A Naifa uma das mais peculiares e particulares bandas portuguesas. A mestria com que edificam uma aliança electrizante entre o fado, pop e rock é simplesmente irrepreensível, mas não é uma simbiose que consiga agradar a todos. A tarefa era complicada ; A Naifa tinha a espinhosa tarefa de actuar depois de um concerto magnífico dos Paus. A mudança em termos sonoros, de uma banda para a outra, era grande, mas nada que intimidasse o grupo, pois eles estavam bem armados. Tocaram duas dezenas de músicas, sempre com a alma a concitar-se e a incrassar de vida e nostalgia as boas dezenas de milhares de pessoas que rumaram até ao Palácio do Cristal. O saudosismo envolvente quando se fala no desaparecido João Aguardela esteve presente nos ares portuenses e em Libertação, música dedicada a Aguardela pel’A Naifa, deu, por certo, um aperto na garganta a muita gente. Um belíssimo e comovente concerto que fechou o ritual. Pela. Vigésima. Vez.

Conheçam o próximo capítulo do Noites Ritual em 2013. O BandCom lá estará, com todo o prazer, para o relatar.
Emanuel Graça
Fotografias por Ana Pereira
(galeria completa em
facebook.com/bandcom)




1 comentários:

Anónimo disse...

Viva!
Parabéns pela crónica.
Quero só deixar 2 correções: Esqueceram-se de fazer referência a Marta Ren, convidada dos WrayGunn, que também fez crowd surfing, aliás até foi ela que ajeitou o vestido para não acabar despida....

A música que foi dedicada ao Adolfo Luxúria Caníbal não foi "Soul City", mas sim "Ain't gonna break my soul".

De resto tudo bem...
Visitem o blog (A)corda Partida...
Cumprimentos

Carlos Cê

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